Querem uma cedilha para Caracas
Angolanos reinventam São Valentim
Lembro-me que durante o último festival internacional do livro em Havana sempre que chegava ao hotel abria a televisão para ver Hugo Chaves vestido com um fato de treino igual ao de Fidel. Ambos estavam enfermos. Chaves era um homem de certa inocência, deixou-se até aldrabar pelo português Sócrates com os famigerados computadores “Magalhães.” Conversei muito e empenhadamente sobre os novos líderes latino-americanos de ascendência aborígene em países até aí comandados por brancos. Chaves era um dos que havia acabado com a coboiada e outro Presidente nem sequer deixaram aterrar em trânsito em Portugal que vinha da ressaca escandalosa de oferecer a Bush a base das Lages, nos Açores, para com Barroso de tapete mais Aznar, desenharem a invasão ao Iraque contra a própria ONU, os peritos, o mundo, para um verdadeiro epistimicidio, matar os saberes, destruição de uma cultura milenar, terra queimada contra…Bin Laden freudianamente resgatado por Sadã. Lembro-me de ouvir que Fidel avisou Allende e ofereceu voluntários para defesa do palácio, principalmente comissários políticos nas forças armadas e Allende não aceitou argumentando que tinha ganho democraticamente. Porém, o capital, empresários e burguesia, fingiram-se de esquerda, organizaram manifestações de mulheres batendo em tampas de panelas, soltaram os cães que entravam nos eléctricos, desestabilizaram a economia até Pinochet decretar a morte, assaltar o palácio e reunir gente boa num estádio para os fuzilar. Tenho de memória as mãos de Jara cortadas para calar um violão.
Porém, Chaves aceitou os conselhos de Fidel, tinha experiência militar e, julgo que “municiou” as forças armadas com comissários políticos, como nós aqui ficámos a dever muito a “comissários políticos” como Gika. Agora já não podia ser como com Pinochet que aliás morreu sem punição ancorado em regimes como o de Londres. Chaves, para além de forjar um exército defensor não apenas de um Estado mas de princípios, fez milícias como reserva igual à organização por bairros do poder popular em Cuba.
Tem vezes que Estado de Direito e democracia querem dizer algo com referência aos pêndulos da revolução francesa. Mas, nos dias que passam, muitas vezes, escondem-se no pseudónimo que é o imperialismo quase retirado dos dicionários.
Na Venezuela não há “democracia” mas a oposição ganhou o legislativo. O imperialismo quis impor que na Venezuela se fizessem eleições dentro de oito dias e as tais democracias ocidentais, todas com as calças ou saias na mão com medo de uma nova guerra fria por mor da força da China. E tudo por causa do petróleo. Nem aceitam mediação do México onde eu estive em Dezembro e o taxista ria-se porque os franceses deviam ter vergonha de chatear a Venezuela quando em França há “chalecos” (coletes) todos os fins-de-semana. E acrescentava Jaime, o taxista, que Juan Guaidó vinha de um partido de extrema-direita, Voluntad Popular, responsável por violências de rua e é um pau mandado de Trump. E que a Europa tinha que alinhar com Trump por causa da Nato. Grande taxista!
Quer dizer, um caro autoproclama-se presidente interino (uma nova figura de direito internacional ou melhor multinacional) e vai daí todo o ocidente da democracia, reconhece a figura e ameaça a Venezuela. Até Bolsonaro da espingarda para matar a negralhada toda… Mais os ingleses não sabem o que hão-de fazer com o Brexit, a barona não sabe como vai dançar a saia com as Irlandas, o Brexit que eles inventaram e querem desinventar e os do euro acham que não se pode mudar o que já foi acordado. A Espanha está pelas costuras com o neo-franquismo e a tirania sobre a Catalunha… os portugueses meteram armas em malas diplomáticas para uma tropa especial ir proteger a Embaixada em Caracas em vez de reduzir a morte de mulheres por violência doméstica! Fiquei a saber que nas malas diplomáticas se podem meter armas e se não fossem travadas no aeroporto e a moda pegasse todas as embaixadas juntas formavam um exército de países que são contra o governo! Aqui tem uma polícia especial que guarda embaixadas! O ridículo foi fazerem ultimato por oito dias.
Não estou aqui a defender Maduro tão pouco uma eventual nomenclatura baseada em generais empresários, figura que nós em Angola bem conhecemos. Estou apenas a opor-me à intromissão abusiva nos assuntos internos de um Estado, renunciando a meios pacíficos mas largando gasolina para a fogueira de forma a violar tudo o que se possa chamar democracia, impondo ignóbeis embargos já condenados pela ONU.
Agora, um autoproclamado chefe de estado interino, como não tem Pinochet, pede intervenção militar dos seus aliados para fazer na Venezuela um banho de sangue como aconteceu no Chile para quem ainda tem memória e sabe que os verdadeiros tiranos como os que desenharam o assalto ao Iraque nunca são julgados no Tribunal Internacional.
Imagino um venezuelano a ver na televisão os coletes amarelos em Paris a surrarem na polícia, partindo vitrinas, caixas de bancos e uma bomba da polícia a amputar a mão de um manifestante, outro parece que vai cegar por mor de uma bala de borracha e ainda o homem do muro e tantos muros contra os refugiados e a Europa na corda bamba dos populistas e euro-cépticos.
Caramba! Querem pôr uma cedilha para Caracas! A capital da Venezuela ocupa todas as televisões do Ocidente. É uma cidade do caraças!
Estou apenas a opor-me à intromissão abusiva nos assuntos internos de um Estado, renunciando a meios pacíficos mas largando gasolina para a fogueira de forma a violar tudo o que se possa chamar democracia