Alves da Rocha pede atenção à pesquisa
O director do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN), Alves da Rocha, afirmou que as instituições do ensino superior não têm retaguarda financeira para realizar pesquisas e dependem de doações. Em entr
O Ministério do Ensino Superior lançou o terceiro inquérito de indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação, para o país sair da cauda no ranking mundial de produção científica. Tem-se prestado atenção à investigação científica? Não tem havido em Angola uma atenção à investigação. Se consultarmos o OGE (Orçamento Geral do Estado), vamos ficar admirados com a verba alocada à execução de projectos de pesquisa. As instituições de investigação têm muita dificuldade de aceder ao orçamento. Por se tratar do OGE, até compreender-se-ia que as instituições de investigação do Estado, ligadas às universidades públicas, fossem prioridade. Portanto, as universidades e os centros de pesquisa privados têm de pedalar à procura de financiamentos. É o que temos feito. Temos tido sucesso graças a Deus, mas evidentemente que o acesso a fundos de pesquisa internacional é muito competitivo. Temos, de certa maneira, ultrapassado esta situação, fazendo parceria com institutos de pesquisa das universidades de Oxford e de Bergen e uma instituição de pesquisa norueguesa, denominada CMI, que é de enorme prestígio internacional. Como tem sido possível a Universidade Católica (UCAN) publicar todos os anos relatórios científicos? Devo dizer que é um exercício muito difícil. Não sei exactamente o que se passa nas outras instituições, mas, aqui, dependemos totalmente de doações e patrocínio, para fazermos pesquisa. Evidentemente que isso é um factor negativo, porque a pesquisa tem de ser sistemática, ou seja, as instituições têm de ter um orçamento que as sustente, ao invés de andarmos à procura de patrocínio para podermos realizar o nosso programa anual de pesquisa. Discordo com uma intenção de uniformização das disciplinas em todas as universidades angolanas públicas e privadas. Não posso deixar o espaço da minha investigação teórica e tornar as disciplinas que lecciono iguais às de outras universidades. Isto não estimula a fazer pesquisas teóricas para melhorar as aulas. Tenho ido lá fora, a várias universidades, e não é assim.
Se quisermos estar nos rankings internacionais, temos que permitir as diferenças. Já estive nas universidades de Cambridge e de Oxford e não há uniformização das disciplinas. Sem as parcerias não se fazem trabalhos de pesquisa? As instituições do ensino superior e centros de investigação não têm sequer uma retaguarda financeira que permite alargar o quadro de investigadores e participar em conferências internacionais para apresentar resultados da nossa pesquisa. Tenho uma conferência, em Oxford, no início de Junho, vou pagar do meu bolso ou vou pedir patrocínio, porque interessa que a UCAN esteja presente. Poderá perguntar, então a UCAN não tem dinheiro para suportar estas despesas? A verdade é que as universidades privadas em Angola estão com graves dificuldades financeiras e não sei se o Governo sabe disso, através do Ministério do Ensino Superior. A nossa crise económica e financeira é como aquela publicidade do Cinzano, “já vem de longe”. Nunca conseguimos dar a volta de uma maneira estrutural e estruturada a esta crise. Mas, sobretudo, a partir de 2014, os estudantes viram fortemente diminuída a sua capacidade de pagar propinas, que afectaram negativamente as universidades privadas. Nestas circunstâncias, dáse alguma prioridade ao ensino, para que haja aulas. Não obstante essas dificuldades, a UCAN está a criar novos centros de investigação... Continuamos a lutar e a fazer investigação. Já temos aqui mais centros de investigação, até uma certa altura era apenas o CEIC, criado em 2002. No contexto do seu plano estratégico de desenvolvimento, a UCAN já criou outros centros de investigação em diferentes áreas, designadamente das Tecnologias de Informação, Petróleo, Direito, mas com as mesmas dificul-
“A verdade é que as universidades privadas em Angola estão com graves dificuldades financeiras e não sei se o Governo sabe disso, através do Ministério do Ensino Superior. A nossa crise económica e financeira é como aquela publicidade do Cinzano, já vem de longe”
dades. Portanto, temos sido contactados muitas vezes e, há dias, estiveram pessoas ligadas ao Instituto Superior Católico de Benguela a pedir o nosso apoio, no sentido de criarem um centro de investigação na província de Benguela. Temos 16 anos de existência. Apesar da experiência não ser muita, temos alguma coisa a dar e a ensinar a quem pretende iniciar-se na investigação. O CEIC continua a ser um centro com três vertentes, nomeadamente económica, social e de energia. Publicamos anualmente três relatórios. Recebemos pessoas da Europa que vêm com referências do CEIC, para fazer os seus trabalhos de mestrado e doutoramento sobre Angola. O centro de investigação recebe solicitações para a elaboração de estudos de instituições? Têm sido feitas solicitações sobre as desigualdades regionais em Angola. Está em curso o processo de descentralização e eleições autárquicas. Na verdade, importa saber como é que cada província está em termos económicos e sociais. O CEIC já havia feito um trabalho, em 2004, sobre as assimetrias regionais. As duas edições, publicadas na altura, esgotaram e, perante estas insistências, resolvemos actualizar esse trabalho, mas com despesas internas. Vamos fazer um novo ponto de situação sobre o padrão de desigualdade regional em Angola. O anterior estudo dava conta de uma desigualdade profunda. Não tenho informação de que tenha diminuído, pelo contrário, o que se vê é que Luanda continua a concentrar uma percentagem muito elevada da população. Significa que a actividade económica está concentrada, por isso é importante a questão da descentralização e desconcentração, para levar crescimento económico às províncias. É um trabalho que pretendemos concluir até ao final do ano. Que outras fontes as universidades podem adoptar para apresentar pesquisas regulares? Temos de criar parceria entre a pesquisa e a consultoria, de modo a arranjar alguma capacidade de financiamento. Mas sabe que isto tem riscos, porque, normalmente, a consultoria tem propósitos financeiros (ganhar dinheiro). É por isso que existem empresas de consultoria e muitas que aqui estão, sobretudo estrangeiras, cobram verbas avultadíssimas ao Estado. Vamos conciliar para que o trabalho de consultoria seja a fonte que vai financiar a actividade de pesquisa. É um exercício difícil de o fazer. Quando traçamos um projecto de pesquisa, naturalmente tem um fim, mas a pesquisa precisa que as pessoas amadureçam e que os fenómenos identificados como susceptíveis de serem estudados também amadureçam. O trabalho de consultoria é realizado dentro de um prazo rigoroso. Graças a Deus, temos apenas pesquisadores angolanos. Temos alguns colaboradores estrangeiros, nomeadamente portugueses, britânicos e franceses. Estas pesquisas têm garantido algum reconhecimento? Claro, os nossos relatórios são reconhecidos a nível interno e externo. A nível internacional, temos as medições que podem ser vistas e avaliadas, através do número de citações feitas por outros investigadores. Temos participado em algumas reuniões do Ministério do Ensino Superior, Ciência, Inovação e Tecnologia, para se acertar os indicadores e como é que se vai medir a investigação. Se a investigação não for internacionalmente reconhecida, não podemos melhorar as nossas posições nos rankings internacionais das universidades. É do conhecimento público e do Estado que a Universidade Católica está melhor qualificada em dois ou três rankings internacionais. Devo lamentar que não ouvi um elogio, uma palavra de consideração para com a UCAN, por fazer parte deste ranking. É evidente que, quando se olha a rankings, há muitas questões que se colocam. Não fazemos nada para estar nos rankings. A avaliação é feita lá fora. Aqui, só fazemos o nosso trabalho, melhorar a qualidade de educação e a nossa pesquisa científica. Antes de estarmos nestes rankings, fomos abordados por duas empresas estrangeiras e chegámos à conclusão que tínhamos que pagar. A reitoria disse: nem pensar, pois não é credível... As instituições levam em conta as conclusões dos estudos apresentados pelo centro de investigação? A nossa preocupação não é que as instituições públicas apliquem aquilo que dizemos nos relatórios. Acho que os utilizadores da nossa pesquisa tomam nota das conclusões. Há dois anos, por exemplo, fizemos um estudo sobre a pobreza urbana e rural. O município estudado, a nível da pobreza rural, foi o de Calandula. Fizemos chegar às conclusões ao antigo governador do BNA. No referido município, não existia dinheiro, as trocas comerciais eram feitas na base de um equivalente universal, que era a “croeira”, por causa da elevada inflação. Para ter um quilograma de milho, era feita a troca com umas gramas de “croeira”. Numa economia que pretende ser moderna, isto significa um retrocesso. Possivelmente, esta fuga à moeda e troca directa ocorria noutros lugares dos países. Nem nós, nem as instituições públicas são portadoras da verdade absoluta e da verdade última. Estamos a contribuir e um dos nossos objectivos é transmitir o gosto pela pesquisa. Para haver melhoria do ranking, é fundamental que as universidades publiquem revistas científicas... A revista académica é outra forma de fomentarmos a pesquisa, socializá-la e estender a outras universidades. A revista académica da Ucan de 2017 vai ser lançada com algum atraso, no final deste mês. Já estamos a preparar a revista académica 2018. Recebemos artigos do Brasil, Chile, Reino Unido, Portugal, Senegal, África do Sul. São publicados nas referidas línguas. É outra forma de publicar contribuições científicas de investigadores que não são da UCAN. Nesta revista, vamos lançar uma pesquisa excelente sobre agronomia, feita por colegas da Universidade José Eduardo dos Santos. A revista académica tem cerca de 300 páginas. Por sugestão e coordenação de Dom Franklin, o primeiro reitor da Ucan, publicávamos duas vezes por ano. Agora, não temos capacidade, por isso passou a ser anual. Estamos na vigésima edição e mandamos para vários países do mundo, fundamentalmente a rede das universidades católicas. Dados do Ministério do Ensino Superior, Tecnologia e Inovação revelamqueAngolagastaanualmente 0,07% do PIB em investigação científica. A Unesco propõe 1%. Independentemente da sua complexidade quanto custa uma pesquisa, digamos, a menos complexa? Dentro deste limite que colocou, algumas investigações exigem experimentação. Até aquelas que consideramos menos complexas podem ter custos elevados. Por exemplo, o artigo que vem na revista académica, apresentada por pesquisadores da Universidade José Eduardo dos Santos, tem dados que mereceram experimentação. Não sou capaz de lhe dizer quanto ficou orçado. Há uma certa investigação que pode ser feita mais na base de informação oficial. Fizemos um trabalho para a Open Society, sobre os variados efeitos das centralidades. Fizemos em cinco províncias e o patrocínio ficou em 150 mil dólares. Um trabalho de pesquisa económica normal, utilizando os dados do INE, evidentemente fica mais em conta. Fizemos um trabalho que levou dois anos para construir um modelo macroeconómico. A Ucan deve ser a única com um modelo macroeconómico. Se o Governo disser que a economia vai crescer 2%, nós, com o nosso modelo, podemos achar que vai crescer 4%, mas é tudo fundamentado. Fizemos com a colaboração dos nossos colegas noruegueses e ficou à volta de 100 mil dólares. O modelo construído pelo Fundo Soberano, ainda na antiga gestão, custou 11 milhões de dólares... (risos) Não tenho indicação que seja utilizado. O desenvolvimento económico de um país depende muito do nível de produção científica que as universidades se propõem realizar? É a investigação que comanda as grandes economias. As verbas para a investigação não são apenas do Estado. Devia haver empresas a investirem e aqui não temos e nem temos as condições para ter. Temos focos de algumas indústrias e não sei se poderei chamar de investigação científica. Neste momento, a China comanda o mundo e é a que mais verbas atribui à investigação científica, inovação e tecnologia. Apesar de, em 2018, a taxa de crescimento da China ter atingido 6,2% do PIB, mas a investigação tem tido resultado espantoso, de maneira que a China já conseguiu colocar uma nave espacial na parte oculta da lua. A China tem a maior percentagem do PIB à investigação. O PIB da China, para 2019, já ultrapassou o da União Europeia e é segunda maior economia. Em menos de dez anos, vai ser a maior economia do mundo e vão ultrapassar os Estados Unidos da América. Ainda segundo o Ministério do Ensino Superior, Angola publica dois artigos em cada um milhão de habitantes e a África do Sul publica mais de 100. Os pesquisadores da Ucan têm a preocupação de publicar a sua investigação em revistas internacionais? Do que eu saiba, são poucos. É um factor negativo para a questão do ranking internacional. Temos tido a sorte de, nesta matéria, fazermos com os nossos colegas noruegueses. Foi uma porta que se abriu e publicamos em revistas estrangeiras. É muito difícil publicar nas revistas estrangeiras de especialidade, há uma fila de espera com muita gente e artigos a aguardar por avaliação. Felizmente, temos tido esta facilidade. Temos o problema da língua e a maior parte das revistas são publicadas em inglês, algumas em francês e muito poucas em português. As universidades apresentam um número reduzido de doutorados, que devem ser pessoas versadas em pesquisa? É uma verdade. Temos poucos doutorados, portanto é uma das matérias que as universidades angolanas têm de melhorar. Temos um programa de doutoramento e estamos a elaborar programas de intercâmbio com outras universidades estrangeiras e procurar financiamentos. Há uma conferência internacional da Universidade de Oxford e que já foi replicada aqui na UCAN, em 2015. É uma iniciativa que procura reunir, em Oxford, investigadores, que, por este mundo fora, fazem investigação sobre Angola. Das três vezes que participei e mesmo no evento, realizado em Angola, fiquei impressionado com a quantidade de doutorados angolanos, que estão lá fora e que não colocam a hipótese de vir ao país, por falta de condições e remuneração justa. Eles ganham bem e não têm problemas de aceder a informações das instituições e de criticar.
“É a investigação que comanda as grandes economias. As verbas para a investigação não são apenas do Estado. Devia haver empresas a investirem e aqui não temos e nem temos as condições para ter”
“Quando traçamos um projecto de pesquisa, naturalmente ele tem um fim, mas a pesquisa precisa que as pessoas amadureçam e que os fenómenos identificados como susceptíveis de serem estudados também amadureçam”