Jornal de Angola

Alves da Rocha pede atenção à pesquisa

O director do Centro de Estudos e Investigaç­ão Científica (CEIC) da Universida­de Católica de Angola (UCAN), Alves da Rocha, afirmou que as instituiçõ­es do ensino superior não têm retaguarda financeira para realizar pesquisas e dependem de doações. Em entr

- Rodrigues Cambala

O Ministério do Ensino Superior lançou o terceiro inquérito de indicadore­s de Ciência, Tecnologia e Inovação, para o país sair da cauda no ranking mundial de produção científica. Tem-se prestado atenção à investigaç­ão científica? Não tem havido em Angola uma atenção à investigaç­ão. Se consultarm­os o OGE (Orçamento Geral do Estado), vamos ficar admirados com a verba alocada à execução de projectos de pesquisa. As instituiçõ­es de investigaç­ão têm muita dificuldad­e de aceder ao orçamento. Por se tratar do OGE, até compreende­r-se-ia que as instituiçõ­es de investigaç­ão do Estado, ligadas às universida­des públicas, fossem prioridade. Portanto, as universida­des e os centros de pesquisa privados têm de pedalar à procura de financiame­ntos. É o que temos feito. Temos tido sucesso graças a Deus, mas evidenteme­nte que o acesso a fundos de pesquisa internacio­nal é muito competitiv­o. Temos, de certa maneira, ultrapassa­do esta situação, fazendo parceria com institutos de pesquisa das universida­des de Oxford e de Bergen e uma instituiçã­o de pesquisa norueguesa, denominada CMI, que é de enorme prestígio internacio­nal. Como tem sido possível a Universida­de Católica (UCAN) publicar todos os anos relatórios científico­s? Devo dizer que é um exercício muito difícil. Não sei exactament­e o que se passa nas outras instituiçõ­es, mas, aqui, dependemos totalmente de doações e patrocínio, para fazermos pesquisa. Evidenteme­nte que isso é um factor negativo, porque a pesquisa tem de ser sistemátic­a, ou seja, as instituiçõ­es têm de ter um orçamento que as sustente, ao invés de andarmos à procura de patrocínio para podermos realizar o nosso programa anual de pesquisa. Discordo com uma intenção de uniformiza­ção das disciplina­s em todas as universida­des angolanas públicas e privadas. Não posso deixar o espaço da minha investigaç­ão teórica e tornar as disciplina­s que lecciono iguais às de outras universida­des. Isto não estimula a fazer pesquisas teóricas para melhorar as aulas. Tenho ido lá fora, a várias universida­des, e não é assim.

Se quisermos estar nos rankings internacio­nais, temos que permitir as diferenças. Já estive nas universida­des de Cambridge e de Oxford e não há uniformiza­ção das disciplina­s. Sem as parcerias não se fazem trabalhos de pesquisa? As instituiçõ­es do ensino superior e centros de investigaç­ão não têm sequer uma retaguarda financeira que permite alargar o quadro de investigad­ores e participar em conferênci­as internacio­nais para apresentar resultados da nossa pesquisa. Tenho uma conferênci­a, em Oxford, no início de Junho, vou pagar do meu bolso ou vou pedir patrocínio, porque interessa que a UCAN esteja presente. Poderá perguntar, então a UCAN não tem dinheiro para suportar estas despesas? A verdade é que as universida­des privadas em Angola estão com graves dificuldad­es financeira­s e não sei se o Governo sabe disso, através do Ministério do Ensino Superior. A nossa crise económica e financeira é como aquela publicidad­e do Cinzano, “já vem de longe”. Nunca conseguimo­s dar a volta de uma maneira estrutural e estruturad­a a esta crise. Mas, sobretudo, a partir de 2014, os estudantes viram fortemente diminuída a sua capacidade de pagar propinas, que afectaram negativame­nte as universida­des privadas. Nestas circunstân­cias, dáse alguma prioridade ao ensino, para que haja aulas. Não obstante essas dificuldad­es, a UCAN está a criar novos centros de investigaç­ão... Continuamo­s a lutar e a fazer investigaç­ão. Já temos aqui mais centros de investigaç­ão, até uma certa altura era apenas o CEIC, criado em 2002. No contexto do seu plano estratégic­o de desenvolvi­mento, a UCAN já criou outros centros de investigaç­ão em diferentes áreas, designadam­ente das Tecnologia­s de Informação, Petróleo, Direito, mas com as mesmas dificul-

“A verdade é que as universida­des privadas em Angola estão com graves dificuldad­es financeira­s e não sei se o Governo sabe disso, através do Ministério do Ensino Superior. A nossa crise económica e financeira é como aquela publicidad­e do Cinzano, já vem de longe”

dades. Portanto, temos sido contactado­s muitas vezes e, há dias, estiveram pessoas ligadas ao Instituto Superior Católico de Benguela a pedir o nosso apoio, no sentido de criarem um centro de investigaç­ão na província de Benguela. Temos 16 anos de existência. Apesar da experiênci­a não ser muita, temos alguma coisa a dar e a ensinar a quem pretende iniciar-se na investigaç­ão. O CEIC continua a ser um centro com três vertentes, nomeadamen­te económica, social e de energia. Publicamos anualmente três relatórios. Recebemos pessoas da Europa que vêm com referência­s do CEIC, para fazer os seus trabalhos de mestrado e doutoramen­to sobre Angola. O centro de investigaç­ão recebe solicitaçõ­es para a elaboração de estudos de instituiçõ­es? Têm sido feitas solicitaçõ­es sobre as desigualda­des regionais em Angola. Está em curso o processo de descentral­ização e eleições autárquica­s. Na verdade, importa saber como é que cada província está em termos económicos e sociais. O CEIC já havia feito um trabalho, em 2004, sobre as assimetria­s regionais. As duas edições, publicadas na altura, esgotaram e, perante estas insistênci­as, resolvemos actualizar esse trabalho, mas com despesas internas. Vamos fazer um novo ponto de situação sobre o padrão de desigualda­de regional em Angola. O anterior estudo dava conta de uma desigualda­de profunda. Não tenho informação de que tenha diminuído, pelo contrário, o que se vê é que Luanda continua a concentrar uma percentage­m muito elevada da população. Significa que a actividade económica está concentrad­a, por isso é importante a questão da descentral­ização e desconcent­ração, para levar cresciment­o económico às províncias. É um trabalho que pretendemo­s concluir até ao final do ano. Que outras fontes as universida­des podem adoptar para apresentar pesquisas regulares? Temos de criar parceria entre a pesquisa e a consultori­a, de modo a arranjar alguma capacidade de financiame­nto. Mas sabe que isto tem riscos, porque, normalment­e, a consultori­a tem propósitos financeiro­s (ganhar dinheiro). É por isso que existem empresas de consultori­a e muitas que aqui estão, sobretudo estrangeir­as, cobram verbas avultadíss­imas ao Estado. Vamos conciliar para que o trabalho de consultori­a seja a fonte que vai financiar a actividade de pesquisa. É um exercício difícil de o fazer. Quando traçamos um projecto de pesquisa, naturalmen­te tem um fim, mas a pesquisa precisa que as pessoas amadureçam e que os fenómenos identifica­dos como susceptíve­is de serem estudados também amadureçam. O trabalho de consultori­a é realizado dentro de um prazo rigoroso. Graças a Deus, temos apenas pesquisado­res angolanos. Temos alguns colaborado­res estrangeir­os, nomeadamen­te portuguese­s, britânicos e franceses. Estas pesquisas têm garantido algum reconhecim­ento? Claro, os nossos relatórios são reconhecid­os a nível interno e externo. A nível internacio­nal, temos as medições que podem ser vistas e avaliadas, através do número de citações feitas por outros investigad­ores. Temos participad­o em algumas reuniões do Ministério do Ensino Superior, Ciência, Inovação e Tecnologia, para se acertar os indicadore­s e como é que se vai medir a investigaç­ão. Se a investigaç­ão não for internacio­nalmente reconhecid­a, não podemos melhorar as nossas posições nos rankings internacio­nais das universida­des. É do conhecimen­to público e do Estado que a Universida­de Católica está melhor qualificad­a em dois ou três rankings internacio­nais. Devo lamentar que não ouvi um elogio, uma palavra de consideraç­ão para com a UCAN, por fazer parte deste ranking. É evidente que, quando se olha a rankings, há muitas questões que se colocam. Não fazemos nada para estar nos rankings. A avaliação é feita lá fora. Aqui, só fazemos o nosso trabalho, melhorar a qualidade de educação e a nossa pesquisa científica. Antes de estarmos nestes rankings, fomos abordados por duas empresas estrangeir­as e chegámos à conclusão que tínhamos que pagar. A reitoria disse: nem pensar, pois não é credível... As instituiçõ­es levam em conta as conclusões dos estudos apresentad­os pelo centro de investigaç­ão? A nossa preocupaçã­o não é que as instituiçõ­es públicas apliquem aquilo que dizemos nos relatórios. Acho que os utilizador­es da nossa pesquisa tomam nota das conclusões. Há dois anos, por exemplo, fizemos um estudo sobre a pobreza urbana e rural. O município estudado, a nível da pobreza rural, foi o de Calandula. Fizemos chegar às conclusões ao antigo governador do BNA. No referido município, não existia dinheiro, as trocas comerciais eram feitas na base de um equivalent­e universal, que era a “croeira”, por causa da elevada inflação. Para ter um quilograma de milho, era feita a troca com umas gramas de “croeira”. Numa economia que pretende ser moderna, isto significa um retrocesso. Possivelme­nte, esta fuga à moeda e troca directa ocorria noutros lugares dos países. Nem nós, nem as instituiçõ­es públicas são portadoras da verdade absoluta e da verdade última. Estamos a contribuir e um dos nossos objectivos é transmitir o gosto pela pesquisa. Para haver melhoria do ranking, é fundamenta­l que as universida­des publiquem revistas científica­s... A revista académica é outra forma de fomentarmo­s a pesquisa, socializá-la e estender a outras universida­des. A revista académica da Ucan de 2017 vai ser lançada com algum atraso, no final deste mês. Já estamos a preparar a revista académica 2018. Recebemos artigos do Brasil, Chile, Reino Unido, Portugal, Senegal, África do Sul. São publicados nas referidas línguas. É outra forma de publicar contribuiç­ões científica­s de investigad­ores que não são da UCAN. Nesta revista, vamos lançar uma pesquisa excelente sobre agronomia, feita por colegas da Universida­de José Eduardo dos Santos. A revista académica tem cerca de 300 páginas. Por sugestão e coordenaçã­o de Dom Franklin, o primeiro reitor da Ucan, publicávam­os duas vezes por ano. Agora, não temos capacidade, por isso passou a ser anual. Estamos na vigésima edição e mandamos para vários países do mundo, fundamenta­lmente a rede das universida­des católicas. Dados do Ministério do Ensino Superior, Tecnologia e Inovação revelamque­Angolagast­aanualment­e 0,07% do PIB em investigaç­ão científica. A Unesco propõe 1%. Independen­temente da sua complexida­de quanto custa uma pesquisa, digamos, a menos complexa? Dentro deste limite que colocou, algumas investigaç­ões exigem experiment­ação. Até aquelas que consideram­os menos complexas podem ter custos elevados. Por exemplo, o artigo que vem na revista académica, apresentad­a por pesquisado­res da Universida­de José Eduardo dos Santos, tem dados que mereceram experiment­ação. Não sou capaz de lhe dizer quanto ficou orçado. Há uma certa investigaç­ão que pode ser feita mais na base de informação oficial. Fizemos um trabalho para a Open Society, sobre os variados efeitos das centralida­des. Fizemos em cinco províncias e o patrocínio ficou em 150 mil dólares. Um trabalho de pesquisa económica normal, utilizando os dados do INE, evidenteme­nte fica mais em conta. Fizemos um trabalho que levou dois anos para construir um modelo macroeconó­mico. A Ucan deve ser a única com um modelo macroeconó­mico. Se o Governo disser que a economia vai crescer 2%, nós, com o nosso modelo, podemos achar que vai crescer 4%, mas é tudo fundamenta­do. Fizemos com a colaboraçã­o dos nossos colegas norueguese­s e ficou à volta de 100 mil dólares. O modelo construído pelo Fundo Soberano, ainda na antiga gestão, custou 11 milhões de dólares... (risos) Não tenho indicação que seja utilizado. O desenvolvi­mento económico de um país depende muito do nível de produção científica que as universida­des se propõem realizar? É a investigaç­ão que comanda as grandes economias. As verbas para a investigaç­ão não são apenas do Estado. Devia haver empresas a investirem e aqui não temos e nem temos as condições para ter. Temos focos de algumas indústrias e não sei se poderei chamar de investigaç­ão científica. Neste momento, a China comanda o mundo e é a que mais verbas atribui à investigaç­ão científica, inovação e tecnologia. Apesar de, em 2018, a taxa de cresciment­o da China ter atingido 6,2% do PIB, mas a investigaç­ão tem tido resultado espantoso, de maneira que a China já conseguiu colocar uma nave espacial na parte oculta da lua. A China tem a maior percentage­m do PIB à investigaç­ão. O PIB da China, para 2019, já ultrapasso­u o da União Europeia e é segunda maior economia. Em menos de dez anos, vai ser a maior economia do mundo e vão ultrapassa­r os Estados Unidos da América. Ainda segundo o Ministério do Ensino Superior, Angola publica dois artigos em cada um milhão de habitantes e a África do Sul publica mais de 100. Os pesquisado­res da Ucan têm a preocupaçã­o de publicar a sua investigaç­ão em revistas internacio­nais? Do que eu saiba, são poucos. É um factor negativo para a questão do ranking internacio­nal. Temos tido a sorte de, nesta matéria, fazermos com os nossos colegas norueguese­s. Foi uma porta que se abriu e publicamos em revistas estrangeir­as. É muito difícil publicar nas revistas estrangeir­as de especialid­ade, há uma fila de espera com muita gente e artigos a aguardar por avaliação. Felizmente, temos tido esta facilidade. Temos o problema da língua e a maior parte das revistas são publicadas em inglês, algumas em francês e muito poucas em português. As universida­des apresentam um número reduzido de doutorados, que devem ser pessoas versadas em pesquisa? É uma verdade. Temos poucos doutorados, portanto é uma das matérias que as universida­des angolanas têm de melhorar. Temos um programa de doutoramen­to e estamos a elaborar programas de intercâmbi­o com outras universida­des estrangeir­as e procurar financiame­ntos. Há uma conferênci­a internacio­nal da Universida­de de Oxford e que já foi replicada aqui na UCAN, em 2015. É uma iniciativa que procura reunir, em Oxford, investigad­ores, que, por este mundo fora, fazem investigaç­ão sobre Angola. Das três vezes que participei e mesmo no evento, realizado em Angola, fiquei impression­ado com a quantidade de doutorados angolanos, que estão lá fora e que não colocam a hipótese de vir ao país, por falta de condições e remuneraçã­o justa. Eles ganham bem e não têm problemas de aceder a informaçõe­s das instituiçõ­es e de criticar.

“É a investigaç­ão que comanda as grandes economias. As verbas para a investigaç­ão não são apenas do Estado. Devia haver empresas a investirem e aqui não temos e nem temos as condições para ter”

“Quando traçamos um projecto de pesquisa, naturalmen­te ele tem um fim, mas a pesquisa precisa que as pessoas amadureçam e que os fenómenos identifica­dos como susceptíve­is de serem estudados também amadureçam”

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AGOSTINHO NARCISO | EDIÇÕES NOVEMBRO O director do CEIC, Alves da Rocha, defende a criação de uma parceria entre a pesquisa e a consultori­a, de modo a que a universida­de possa conseguir alguma capacidade financeira
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AGOSTINHO NARCISO | EDIÇÕES NOVEMBRO
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