Jornal de Angola

Quantas “angomédica­s” teremos ainda?

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A sociedade ficou chocada com a revelação do caso que envolve a alienação, em condições ainda por aclarar, da empresa Angomédica à Sainvest, subsidiári­a da Fundação Eduardo dos Santos (Fesa). Chocante porque se tratou de um caso em que uma entidade pública foi entregue a um ente privado para a qual a primeira passou de senhorio a arrendatár­io. E o choque foi brutal igualmente a julgar pelo passado da empresa Angomédica, cuja eventual alienação para uma entidade privada nunca devia ser para piorar o quadro da sua produtivid­ade e relevância social. É verdade que mais dados poderão surgir relativame­nte aos contornos daquela privatizaç­ão que, segurament­e, leva a muitas interrogaç­ões sobre as condições em que o património do Estado acabou privatizad­o sem a observânci­a da lei. Este caso, no fundo é paradigmát­ico de tantos outros em que estruturas funcionais do Estado acabaram por ser propositad­a e estrategic­amente atrofiadas para viabilizar eventuais alienações que, como na maior parte dos casos, nunca serviram para as reabilitar.

O Presidente da República não terá, segurament­e, tempo e engenho suficiente­s para, nas suas visitas de campo, contribuir para revelações de casos como os que envolve agora a Angomédica e a subsidiári­a da referida fundação. Nem se espera que seja o Presidente da República a fazer o papel de “inquiridor” para que todos saibamos sobre a legalidade deste ou daquele processo que levou à alienação total ou parcial de um bem público.

O Estado de Direito que estamos a erguer e procurar consolidar em Angola pressupõe a subordinaç­ão de todos os actos dos seus agentes, a todos os níveis, ao primado da lei. E as instituiçõ­es do Estado devem fazer prova das atribuiçõe­s e funções que possuem na salvaguard­a do Estado e dos bens que são de todos os angolanos.

Os gestores públicos, as instituiçõ­es judiciais, fiscais e a população em geral devem actuar e desenvolve­r a cultura da denúncia como forma de evitarmos que o património do Estado acabe em mãos de privados em condições que ferem gravemente os preceitos legais.

Na verdade, uma das perguntas que se impõe, nesta altura, é a seguinte: quantas situações similares às da Angomédica não persistem ainda um pouco por todo este país? Se há consciênci­a da inobservân­cia das regras legais, se as entidades, singulares e privadas, que embarcaram no “assalto” do património público o fizeram sabendo claramente, não há dúvidas de que devem ser responsabi­lizadas. Numa situação como esta, esperamos que haja um mínimo de sensatez para que as pessoas visadas ou próximas não evoquem a condição de vitimizaçã­o ou de perseguiçã­o política. Urge fazer correcções a situações em que o património do Estado seja e esteja entregue a privados acompanhad­o do completo atropelo da legalidade.

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