África e o day-after ao Brexit
Durante o seu primeiro périplo africano, no final de Agosto de 2018, a Primeira-Ministra britânica, Theresa May, anunciou a sua ambição de investir mais de 4 mil milhões de libras ( 4,4 mil milhões de euros) em África. A meta é ainda mais ambiciosa. O Reino Unido tem a intenção de se tornar o principal investidor (bolsista) dos países do G7 em África até 2022. Quando olhamos para as estatísticas oficiais, notamos que o Reino Unido já está entre os mais importantes investidores no continente (55 mil milhões de dólares de investimentos do mercado de acções em 2016, atrás apenas dos Estados Unidos da América com 57 e diante da França com 49).
Esse novo olhar britânico sobre o continente não é inocente e desinteressado. Afinal, depois da imolação da deriva comunista que nos assistia, passamos a perceber que nas relações internacionais não existe amizade, existem interesses. Por isso, em vésperas de se consumar o Brexit, o Reino Unido pretende estreitar pontes, rever novas e velhas alianças, mas acima de tudo prestar uma atenção diferente, quiçá com maior apetite, ao continente cuja população e mercados estão em constante crescimento. São palavras da Primeira-Ministra britânica, na Cidade do Cabo: o "PIB do continente, poderá duplicar entre 2015 e 2030. Em 2050, um quarto da população do mundo e um quarto dos consumidores do mundo viverão em África".
Mas não se pense que este comércio tem sentido único. Actualmente, o mercado do Reino Unido absorve uma parte significativa das exportações africanas e a maioria dos países africanos “tem” acesso ao mercado europeu e, portanto, ao mercado do Reino Unido que absorve uma fracção das exportações de muitos países africanos (como África do Sul, Botswana, Egipto, Gâmbia, Guiné Equatorial, Quénia, Malawi, Madagáscar, Marrocos, Maurícias, Moçambique e Seychelles) ou certos produtos (como chá, açúcar, vegetais frescos, bananas, diamantes, viticultura ou horticultura). O Quénia já exporta flores e a África do Sul uma quantidade significativa de açúcar, por exemplo.
Mas o senso negocial dos britânicos, dado o impacto do Brexit, não se restringe a própria União Europeia. E é aqui que entra a África.
Numa altura em que o tratado da zona de livre comércio tarda em tornar-se real e efectivo, dadas as dúvidas de gigantes como a África do Sul e a Nigéria, a verdade é que o anúncio de um acordo entre o Reino Unido e os cinco países da União Aduaneira da África Austral, a que se juntou Moçambique, sugere que os países africanos, com interesses económicos divergentes, possam optar por acordos de índole regional ou bilateral, se o considerarem mais eficaz. Por outras palavras, o acordo de comércio livre africano poderia certamente oferecer a possibilidade de redefinir as ligações comerciais entre o continente e o Reino Unido, mas isso não será no curto prazo.
Numa altura em que continua a aventar-se a existência de um elevado risco de um Brexit sem acordo com a União Europeia ou período de transição, estamos a cada dia que passa mais próximos do marco definido, isto é, o Reino Unido estaria fora da UE a partir de 29 de Março de 2019. Os riscos de um não acordo com a UE são extensíveis aos países africanos que, de repente, perderiam o seu “acesso preferencial” ao mercado do Reino Unido.
Novas barreiras ao comércio (incluindo o trânsito) afectariam todos os parceiros europeus, incluindo os países africanos, pondo assim em causa a já difícil capacidade de circulação de produtos e bens fabricados em África, para além da própria circulação da população africana. De resto, o tema da segurança e das migrações está também na pauta e agenda entre britânicos e africanos.
Theresa May parece querer fazer do Brexit uma oportunidade para restaurar e obter um novo fôlego do seu país no continente. Ela deixou isso claro durante o seu périplo. No fundo, a contrário senso, ela pretende que o Brexit seja um benefício para aumentar a cooperação em termos de segurança, mas sobretudo em termos económicos. De facto, a PM disse que quer lutar contra o terrorismo e o Boko Haram - Theresa May procura posicionar o Reino Unido como um país ainda influente enquanto se prepara para deixar a União Europeia, tornar-se "líder mundial na luta contra a escravidão moderna" e fazer do Reino Unido o maior investidor do continente.
É claro que o Reino Unido não pode ignorar a presença de outros players, particularmente a China, a França e os Estados Unidos da América. Enquanto os líderes destas potências marcam presença anual e regular no continente-berço, nenhum PrimeiroMinistro britânico esteve em África no último quinquénio. No Quénia, ela é a primeira a visitar o País há quase 30 anos. E isso paga-se caro.
Antecipando-se os impactos negativos da sua saída da UE, os britânicos desdobram-se agora em diligências com países que julgam ser estratégicos. O presidente da Camara de Comércio Reino UnidoAngola, Bráulio de Brito, é conclusivo: Angola, em África, é um destes países. E o factor linguístico e cultural não é nenhum obstáculo. Eles procuram oportunidades e bons negócios. No caso angolano, para além do petróleo, usando para efeito linhas de financiamento, transferência de tecnologia e fundos de investimento.
A Primeira-Ministra está certamente ciente da necessidade de forjar novas parcerias e prestar atenção a países anteriormente negligenciados. O Brexit é, portanto, uma grande oportunidade para tirar o máximo proveito da cooperação entre a África e o Reino Unido. Mas UK tem concorrência! Se quiser solidificar a parceria com o continente, terá que oferecer esforços sustentados e engajarse numa política real nesse sentido, daí notar-se nos últimos meses a expansão da sua rede diplomática em África: um embaixador do país foi nomeado para a Mauritânia, a Embaixada do Mali foi ampliada e abriram no Chade o seu primeiro escritório diplomático.