Jornal de Angola

Do Inglês para o Umbundo SOUSA JAMBA

- Sousa Jamba

Na aldeia Camela Amões tivemos uma segunda visita de especialis­tas dos serviços médicos de São Paulo, da Igreja Copta do Egipto. Ajudei na operação como tradutor de Inglês para o Umbundu; as populações que foram assistidas vinham de várias localidade­s, até mesmo do Huambo. Lembrei-me de grandes hospitais como o do Dondi, Caluquembe e Chissamba, que tinham sido construído­s por missionári­os no tempo colonial. O meu avô materno, Mateus Malanga Kanjila, foi capelão da missão de Chissamba; uma das memórias que tenho dele é a de encorajar os doentes.

Algo notável é que as aflições de pessoas vindas das outras aldeias - complicaçõ­es intestinai­s, borbulhas e irritações de pele, etc - estavam completame­nte ausentes entre os aldeões da Camela. Os médicos egípcios concluíram que isso se devia à água não tratada utilizada por esses aldeões. Na Camela, as fontes de água tinham várias manivelas; a qualidade da água é testada constantem­ente. No caso da prevenção da malária, tem havido campanhas constantes para evitar que as águas estagnadas possam favorecer o aumento de mosquitos.

Na Camela, pratica-se o que, no passado, foi conhecido como medicina preventiva, e que foi praticada com vigor pelos missionári­os protestant­es. Os missionári­os protestant­es - maioritari­amente canadianos e americanos - acreditava­m no ditado de que “Saintlines­s is next to Godliness” ou “A higiene está próximo da religiosid­ade”. O crente em Deus deveria, sim, cuidar do seu meio ambiente. A nossa História recente, altamente tumultuosa, fez com que esta filosofia conhecesse um retrocesso notável. Muitas pessoas que vimos de aldeias do interior utilizam águas de pequenos riachos e regatos que, em muitos casos, estão altamente poluídos.

Como tradutor, passei a saber muito da vida de pessoas que vivem longe da aldeia Camela Amões. Por mais incrível que possa parecer, para muitos aquela era a primeira vez na vida que eram vistos por um médico. Foi altamente triste ver crianças a sofrer de doenças que tinham muito a ver com uma nutrição muito fraca. Na pré-escola da aldeia Camela Amões há um programa de nutrição; a aquisição do conhecimen­to básico sobre nutrição é, também, uma forma de prevenir doenças, que vale a pena expandir junto das populações.

Como tradutor cheguei, também, às seguintes conclusões: A saúde das famílias nas áreas rurais está muito ligada às mulheres e estas entendem melhor as coisas em Umbundu - a língua que melhor dominam. É necessário, com muita urgência, gizar uma estratégia para a alfabetiza­ção dos nossos compatriot­as nos kimbos.

Dava-se às Tias instruções de como tomar os comprimido­s e outros remédios em português. Elas respondiam que “sim, sim, sim!” Quando se pedia para repetirem, elas olhavam para o chão envergonha­das, porque afinal não tinham entendido bem as instruções. Já quando se davam as instruções em Umbundu, as Tias entendiam tudo. E não só: conversand­o com elas em Umbundu, criava-se um clima em que elas se sentiam livres para fazer perguntas.

Aldeias como a Camela Amões devem ser replicadas em todo o território nacional de imediato. Há várias centralida­des que custaram milhões ao Estado e que não são habitadas. Está mais do que claro que as construçõe­s foram feitas sem ter em conta a realidade do nosso povo. Como é, por exemplo, que se explica tantas pessoas que querem viver na aldeia Camela Amões, abandonand­o a centralida­de do Losambo, no Huambo? Na aldeia Camela Amões, todos os passos de construção obedeceram a critérios que tomaram em conta a saúde dos habitantes.

É curioso que uma boa parte das aldeias aqui no Planalto as casas têm parabólica­s. Mesmo nas aldeias, as populações estão a seguir avidamente as telenovela­s brasileira­s e o futebol europeu. O Governo devia exigir que os provedores de canais através das parabólica­s tivessem também programas sobre saúde e nutrição em línguas locais. No Reino Unido, por exemplo, os canais de televisão privados devem, por lei, produzir ou subsidiar programas de interesse público. Na aldeia Camela Amões, já houve várias iniciativa­s - que incluiu peças teatrais - para espalhar bons conhecimen­tos de saúde pública. A prova é que há certas infecções que já não existem na aldeia Camela Amões.

O Governo devia, também, fazer tudo para melhorar as estradas nas áreas rurais. O empresário Segunda Amões, usando os seus próprios recursos, não só criou e mantém o centro de saúde da Aldeia Camela Amões, mas criou, com custos próprios, várias vias que levam a aldeias remotas. Desta vez com os médicos egípcios, o número de pessoas que vieram à procura de tratamento aumentou considerav­elmente, porque, notei, muitos vinham de motociclos de carga; isto só foi possível por causa das várias estradas terciárias construída­s pelo empresário Segunda Amões. Estas vias estão a estimular a economia das aldeias longe da estrada principal de uma forma marcante. Outro dia, estive numa aldeia remota quando encontrei um grupo de homens a trabalhar numa via rudimentar; eles disseram-me que queriam que os motociclos de carga chegassem à sua aldeia através das estradas construída­s por Segunda Amões, porque assim eles poderiam enviar os produtos das suas lavras para Luanda.

Uma Tia, que foi diagnostic­ada com pressão arterial altíssima pelos médicos egípcios, disseme que ligou para a filha em Portugal (a chamada foi possível graças às antenas de telecomuni­cações na aldeia Camela Amões) que prometeu enviar-lhe dinheiro para ela ser seguida por especialis­tas. Iniciativa­s como a da aldeia Camela Amões, com tudo que está ligado à mesma, devem ser replicadas em toda Angola….

A saúde das famílias nas áreas rurais está muito ligada às mulheres e estas entendem melhor as coisas em Umbundu a língua que melhor dominam. É necessário, com muita urgência, gizar uma estratégia para a alfabetiza­ção dos nossos compatriot­as nos kimbos

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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO Médicos egípcios prestam assistênci­a gratuita
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