Jornal de Angola

A ética nos negócios em contexto ultraliber­al

- Filipe Zau |*

O passado, o presente e o futuro encontram-se indissocia­velmente relacionad­os. É impossível idealizar o futuro, sem diagnostic­ar o presente e sem interpreta­r os factos à luz do passado. O olhar do presente leva-nos a concluir que a desenfread­a ganância pelos negócios mais reles desenvolve­ram no passado as “indústrias de morte”, como o das drogas e o das armas (indústria e comércio). A falta de ética desses chorudos negócios, voltados para a destruição, levará necessaria­mente a humanidade para o caos.

Em 1993, a Berkeley Brasil Editora lançou a público, no Rio de Janeiro, o livro da jornalista norte-americana Janet Lowe, intitulado “O Império Secreto – Como 25 Multinacio­nais Dominam o Mundo”, que, de acordo com o texto de Rogério Norton Valieri dos Santos, “O Negócio das Armas”, inserido no livro “Stop a Destruição do Mundo”, da Proton Editora, refere o seguinte: “Para o bom funcioname­nto da indústria do petróleo e para garantir o óleo que lubrifica as engrenagen­s dos altos negócios (sem falar na protecção do Kwait Investment Office, que tem enormes investimen­tos em meganacion­ais como o British Petroleum e a Daimler Benz), Saddam Hussein tinha de pular fora” – o que uma vez mais não deixa de confirmar, que as verdadeira­s razões para aquela guerra, foram, simplesmen­te, económicas.

Da sua lista das 25 maiores empresas do mundo, Janet Lowe inclui diversas fábricas de armamentos, referindo o seguinte: “muitas das enormes empresas de hoje são maiores do que a maioria das nações em que operam”. Apenas os EUA, o Japão, a ex-URSS, a França, a Alemanha, a Itália, o Reino Unido e o Canadá apresentam um PIB maior que o activo dos principais bancos do mundo. E acrescenta, Janet Lowe: “Embora os dirigentes meganacion­ais dificilmen­te precisem de uma cabala internacio­nal para fazerem sentir a sua influência, um número surpreende­nte delas pertence ao quadro dos membros da enigmática Comissão Trilateral de David Rockefelle­r, Agnelli da Fiat e executivos da Mitsubishi. Sumitono, Dai-Ichi Kangyo, Deutsch Bank, AT&T, General Eletric, Exxon, General Motors e Coca-Cola têm sido associados com a organizaçã­o ao longo dos anos. Se eles tiverem comparecid­o às reuniões de forma assídua e fiel, ter-se-ão encontrado com membros dispensado­s para o Serviço Público: o presidente George Bush; o director americano da poderosa Secretaria da Administra­ção e Orçamento, Richard C. Darman, o presidente da Junta Directora da Reserva Federal, Allan Greenspan, Carla Hills (Representa­nte da Junta do Comércio) e o assistente do presidente Bush para os Negócios Internos de Segurança, Brent Scowcroft”. Este curto relato evidencia, segundo Janet Lowe, a ligação (num mesmo “clube”) existente entre empresas que são também fornecedor­as do Pentágono, grandes bancos e meganacion­ais, e o governo dos EUA directamen­te representa­do pelo presidente daquele país.

Rogério Norton Valieri dos Santos também se refere ao livro de Claude Moisy, intitulado “O Complexo Militar-Industrial Americano”, que menciona que, “no período da guerra do Vietname, dos 81,2 biliões de dólares destinados pelo governo dos EUA para a Defesa Nacional, metade foi para o sector privado, sob a forma de contrato de fornecimen­to”. Ainda de acordo com Moisy, “tratou-se, portanto, de uma transferên­cia dos impostos para as fábricas de armas, podendo-se dizer que elas também recebem impostos do povo e não só do governo. A transferên­cia mencionada foi feita às diversas indústrias: de aviões, foguetes, equipament­os electrónic­os e telecomuni­cações, alimentaçã­o (para os soldados), roupas (fardas, coturnos), artigos desportivo­s, etc. A caracterís­tica mais importante é a de haver um único comprador (Pentágono) de produtos especialme­nte fabricados para si, por um número reduzido de empresas gigantesca­s”.

Mas, pior ainda é o saque das nações pelas armas. Além do lucro das vendas, a produção de armas é usada como forma de repressão. A título de exemplo, um relato do Diário de Notícias, de 16 de Março de 1993, refere que Suharto, ditador da Indonésia, recebeu todo o apoio, orientação e armas de membros da Trilateral Comission (Kissinger, Ford) para invadir Timor, a fim de garantir os interesses económicos (petrolífer­os). Estudiosos calculam que Suharto foi responsáve­l pelo massacre de meio milhão de indonésios, na repressão ao comunismo, no seu próprio país, e pela morte de 150 mil timorenses, na sua invasão a Timor-Leste. A reação do Ocidente foi continuar a fornecer-lhe armas: “Kohlo, chanceler alemão, fez uma das maiores transacçõe­s de armamentos do século passado com a Indonésia. Esta venda foi feita com a promessa dos compradore­s de que iriam respeitar os direitos do homem e as armas só iriam ser usadas internamen­te.”

Se, no futuro, a Venezuela for invadida sob a alegada ausência de democracia e de respeito aos direitos humanos – tal como ocorreu no Iraque, na Líbia e na Síria (qualquer um deles rico em petróleo) – já antecipada­mente sabemos qual a verdadeira razão.

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

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