Jornal de Angola

História de vida que pode servir de exemplo

Aos 40 anos, o empresário Francisco Silva é dono de um conglomera­do de empresas que actua no ramo da Construção Civil, Saúde, Seguros, Segurança, entre outros. Persistent­e por natureza, já sofreu vários reveses na caminhada que faz, mas, com coragem e det

- Domingos dos Santos

Segundo filho de nove irmãos, Francisco Silva nunca pensou ser empresário. O seu grande sonho era comprar uma casa para a mãe. Hoje, tem empresas, com destaque para a Jefran (acrónimo de Jesus e Francisco), a clínica Anjos da Guarda e mais de 50 condomínio­s que muita gente não acredita lhe pertencere­m.

Já foi conotado como “testa de ferro” de altas figuras do país (com algumas lhe foi atribuído, inclusive, parentesco). Nega ter ligações com esses personagen­s e diz ser vítima de preconceit­o, por ser “jovem e negro”. “Não acreditam que um jovem, que um dia era escravo, possa ser rei no meio de príncipes. Este é o meu caso”, sublinha.

A sua história de vida começa em Malanje, onde nasceu em 1978. No início dos anos 1990, devido à guerra, os pais decidem deixar a terra natal e fixam-se no bairro Prenda, em Luanda. Apesar do conflito armado, a mãe deslocava-se quase sempre à terra da Palanca Negra Gigante, para comprar produtos do campo e revendê-los em Luanda e assim sustentar a família.

“No Prenda, vivíamos no décimo andar do lote 7. Depois, o meu pai construiu uma pequena casa junto ao Centro Recreativo Bela Vista, por detrás do Instituto Médio Simione Mucune. Mais tarde, a minha mãe tornou-se peixeira”, recorda.

Então com sete ou oito anos, Francisco começa a ajudar a mãe na venda de peixe. O pai, por seu lado, ganhava pouco com o trabalho de carpintari­a. Por isso, a família viveu imensas dificuldad­es.

O ensino primário fez na chamada escola Branca e no posto 15, ambas no Prenda. O secundário foi na Ngola Kanini, com passagem pelo Ngola Kilwanje. Quando terminou o secundário, pretendia ingressar no Instituto Médio de Economia de Luanda (IMEL), mas as dificuldad­es da vida fizeramno desistir.

“Tinha de ajudar a minha mãe no mercado, porque não tínhamos grandes condições de vida”, justifica.

Aos 12 anos, começa a vender bolos feitos por si. Além disso, foi “roboteiro” e ajudou a construir muitas casas anárquicas que surgiram no bairro. O objectivo, reforça, era ajudar a mãe. Um dos momentos mais críticos, recorda, foi quando a mãe adoeceu.

No hospital, depois de feito o diagnóstic­o, o médico disse-lhe que era urgente ela fazer a medicação receitada, caso contrário, morreria.

Sozinho, sem a irmã mais velha, que tinha ido às Lundas fazer negócio e por lá ficou vários anos, sendo dada como morta, Francisco decidiu fazer alguma coisa para comprar os medicament­os para a mãe.

“Naquela altura, éramos apenas três irmãos: eu, a minha irmã mais velha e o recém-nascido”, esclarece.

A solução foi vender água fresca no mercado do Banga Sumo, no bairro Prenda. Desta forma, conseguiu o dinheiro para comprar a medicação da mãe. A partir daquele momento, Francisco Silva diz ter chegado à conclusão de que não dependia de ninguém para sobreviver. Só de si mesmo. Daí para frente, não mais parou. “A partir daí, sustentei a casa, enquanto a minha mãe esteve doente. Depois, ela ficou boa e retomou o seu negócio de quitandeir­a”, disse.

A vida por um fio

Determinad­o a continuar a fazer pequenos negócios para sobreviver, começa a comprar fardo para revender na província do Huambo, onde foi enganado depois de ter sido envolvido num negócio de diamantes. Apesar disso, no regresso a Luanda, trazia frutas para vender. “Foi uma aventura; não sabia o que era diamante”, reconhece.

Apesar de ter sido burlado, Francisco Silva regressa ao Planalto Central. Já no Huambo, decide ir ao Cuito, no Bié. Nessa viagem, por pouco não perdeu a vida. Recorda que, para chegar ao Bié, pediu boleia ao motorista de uma carrinha que ia ao Cuito levar tijolos. Na cabine, iam, além do motorista, o ajudante e mais uma senhora. Francisco ia atrás no meio dos tijolos.

A viagem para o Bié corria tranquilam­ente, quando foram intercepta­dos por um grupo armado. Para não chamar a atenção, conta, o grupo desviou a carrinha para o matagal e, depois de breve conversa com os ocupantes da cabine, matou a sangue frio o motorista, feriu a perna do ajudante e tentou violar sexualment­e a senhora.

“Assisti a tudo. Estava na carroçaria e o grupo não deu pela minha presença. Não sei, mas, naquela hora, os outros ocupantes da viatura esqueceram-se de mim”. Explica que ficou em estado de choque. Só levantou a cabeça quando, mais tarde, apareceram os capacetes azuis da Missão de Paz das Nações Unidas, que retiraram a viatura do matagal.

“Daí apanhei uma outra coluna que me levou até ao Cuito, onde cheguei doente. Foi um momento emocionant­e da minha vida”, sublinha.

Traumatiza­do, Francisco Silva volta a Luanda. Aqui, junta-se a um amigo pedreiro e a uma senhora, já falecida, e criam a empresa de construção civil Dizima Perfil. Segundo ele, o amigo era bom técnico, mas não tinha visão de negócio. “Eu, na altura, junto-me a ele para arranjar clientes. Eu virei ajudante dele”, diz.

Para conseguir clientes, Francisco pegava em folhas A4, cortava ao meio e escrevia: “Faz-se aplicação de mosaico e pintura”. Com esses anúncios em mão, ia de casa em casa e deixava por baixo das portas, para os moradores.

“Antigament­e, não havia telemóveis. Depois de deixar os anúncios, voltava para saber se precisavam de algum trabalho”, lembra. Numa das casas, conta, encontrou uma senhora que precisava fazer obras numa campa no cemitério da Sant´Ana.

Durante quatro anos, trabalhou nos cemitérios da Sant´Ana e do Alto das Cruzes, só a construir campas. “A mesma senhora contratou a nossa empresa para remodelar a sua vivenda. Surgiram depois alguns trabalhos de construção civil, mas eram coisas pequenas”, refere.

Sempre a pensar em grande, Francisco Silva propõe aos sócios a aposta na construção de casas de madeira na ilha do Mussulo. Sem dinheiro para fazer anúncios, arranja uma fotografia de casas de madeira no Brasil, de autoria de Jorge da Costa, e foi ter com o director de um semanário privado, para fazer anúncio nesse jornal.

“Ele perguntou-me como ia pagar o anúncio. Disse que não tinha dinheiro, mas, como pagamento, podia pintar as instalaçõe­s do semanário. Ele aceitou”, recorda.

Três dias depois do anúncio ser publicado, Jorge da Costa contactou-o, reclamando a autoria da fotografia. “Disse que a foto era dele e questionou por que estava a fazer publicidad­e dela? Eu respondi que nunca disse que a foto era minha, mas que podia fazer a casa da foto. A partir daquele momento, ficámos amigos, até hoje”.

Encontrar clientes não foi fácil, devido, segundo ele, ao preconceit­o de que era vítima. Revela que houve quem recusasse que ele construiss­e a casa de madeira no Mussulo, pelo simples facto de “ser angolano, miúdo e negro”. Embora insatisfei­to com a recusa, Francisco não desistiu. Conta que foi a uma instituiçã­o em Luanda, procurou um senhor branco e propôs-lhe um acordo.

“Disse que lhe pagava 200 dólares e comprava um fato completo se ele aceitasse ir comigo a uma reunião, onde devia fazer-se passar por meu patrão. Aceitou. Fomos à Samirana Comercial e comprámos um fato de 80 dólares”, descreveu.

Francisco, acompanhad­o do suposto patrão, procurou novamente a pessoa, que, ao vê-lo com um “branco todo barrigudo”, sem delongas, aceitou assinar o contrato e pagou numa única tranche o valor total da casa.

“Eram mais de 200 mil dólares. Pagou em dinheiro, sem conhecer o senhor branco. Mas só o facto de ele dizer que era o dono da empresa foi o suficiente para o homem lhe dar o dinheiro”, recorda.

Depois de conseguir o contrato, tal como combinado, Francisco Silva pagou os 200 dólares ao “patrão” de ocasião e colocou mãos à obra. Construiu a casa de madeira do senhor, cujo nome não quis revelar. “No dia da entrega da casa, o cliente perguntou pelo senhor branco. Respondi-lhe que era eu o patrão e não aquele a quem tinha dado o dinheiro”, revelou.

Pai de dois filhos, Francisco Silva lamenta que em Angola seja mais fácil o empresário estrangeir­o falar com um governante do que um nacional. “Estamos diante de uma situação em que não acreditamo­s em nós mesmo”, considera.

Durante 4 anos, trabalhou nos cemitérios da Sant´Ana e do Alto das Cruzes, só a construir campas. “A mesma senhora contratou a nossa empresa para remodelar a sua vivenda. Surgiram depois alguns trabalhos de construção civil, mas eram coisas pequenas”, refere. Sempre a pensar em grande, Francisco Silva propõe aos sócios a aposta na construção de casas de madeira na ilha do Mussulo

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MOTA AMBRÓSIO | EDIÇÕES NOVEMBRO

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