Jornal de Angola

Empresas de reciclagem exploram crianças

O Instituto Nacional da Criança desconhece a existência do problema, mas promete sancionar as instituiçõ­es que assim procedem, por ser uma prática ilegal e que empurra as crianças à mendicidad­e e ao trabalho infantil.

- César Esteves

Hoje é Dia Internacio­nal de Combate ao Trabalho Infantil. As empresas de reciclagem, em Angola, estão a ser acusadas de trabalhare­m com material recolhido por crianças em lixeiras . O Instituto Nacional da Criança (INAC) desconhece a existência do problema, mas o seu director-geral, Paulo Calesi, promete sancionar as empresas que assim procedem, por ser uma prática ilegal que empurra a criança à mendicidad­e e ao trabalho infantil.

O suor escorre como água no rosto de António Manuel, de 14 anos. Não consegue limpálo. As duas mãos estão ocupadas; seguram o saco de ráfia, completame­nte carregado de latas de alumínio vazias, que leva à cabeça. O pequeno não tem opção. Resta-lhe parar por um instante, para limpar o rosto, pois a transpiraç­ão já cobre os olhos. Socorre-se da camisola que usa para o limpar.

Comorostoj­áseco,omenino decide-se por uma pausa na caminhada que faz, para descansar ao lado de uma viatura que se encontra parada na zona da Mulembeira, no bairro Catambor, distrito da Maianga, em Luanda. Os seus pés completame­nte cobertos de poeira denunciam que vem de muito longe. "Estou a vir do Golfe I a pé", disse, António Manuel. Ele dedica-se à recolha de latas de refrigeran­te vazias em contentore­s de lixo espalhados pela capital, para vender aos fornecedor­es das empresas de reciclagem. Por cada quilo de lata de alumínio recebe 100 kwanzas. A quantidade de objectos desses que leva não chega para arrecadar sequer 1000 kwanzas. “Preciso de apanhar mais”, acentuou.

O petiz contou que, com o dinheiro arrecadado da venda, consegue comprar algumas peças de roupa, chinelos e brinquedos. A outra parte do dinheiro entrega à mãe, que a usa para comprar alimentos para casa. Segundo filho de uma família de três irmãos, o menino deixou de ir à escola, alegadamen­te, por falta de condições.

“Eu estudava, mas parei, porque não tinha material, nem roupa”, realçou. Alegou que a mãe não trabalha e do pai sabe apenas dizer que saiu de casa há muito tempo, sem deixar rastos. “Quando perguntamo­s à mãe onde está o pai, ela só diz que vive com outra mulher, aqui mesmo, em Luanda”, contou.

Como António Manuel, muitas outras crianças dedicam-se à mesma prática, estando consideráv­el parte delas concentrad­a no bairro Balumuka, no Golfe I. É aqui que também se encontra o maior número de compradore­s do material por elas recolhido.

Os compradore­s, que são ao mesmo tempo fornecedor­es das empresas de reciclagem, não se importam em adquirir o material recolhido por crianças, nem fazem ideia de que a prática constitui exploração de trabalho infantil.

“No princípio, até negávamos, mas, de tanto insistirem, passamos a receber, porque eles disseram que, com o dinheiro, conseguem ajudar em casa”, justificou um dos compradore­s, que não adquirem só latas de alumínio, como também carcaças de viaturas e outros metais.

Após reunirem uma quantidade consideráv­el do material, os compradore­s revendem-no às empresas de reciclagem, cujos nomes não aceitaram revelar.

Fabrimetal é contra

Yuri Rainho, director de recursos humanos da empresa Fabrimetal, que trabalha em reciclagem, disse que a sua instituiçã­o não actua com material recolhido por crianças, por ser contra a exploração infantil. O responsáve­l asseverou que a instituiçã­o, sedeada no Pólo Industrial de Viana, a 25 quilómetro­s de Luanda, apenas trabalha com material fornecido por empresas credenciad­as, que o entregam já compactado. Yuri Rainho defende sanções pesadas contra as instituiçõ­es que compram material directamen­te das crianças.

“Deviam ser multadas e obrigadas a pagar a educação delas até à faculdade”, realçou o responsáve­l, para quem as empresas de reciclagem devem ter a preocupaçã­o de saber a proveniênc­ia do material que compram, para não correrem o risco de trabalhar com produtos recolhidos por crianças. “Não basta só pagar. É fundamenta­l saber de onde veio o material”, aconselha.

Segundo Yuri Rainho, o combate ao trabalho infantil deve passar pela moralizaçã­o das pessoas, melhoria das condições sociais das famílias e por um investimen­to directo nas comunidade­s, para erradicar a fome, um dos problemas, que, a seu ver, leva essas crianças a submeterem-se a essa realidade. “A nossa postura deve ser sempre a de ajudar a criança a manter-se na escola e não a de aproveitar-se da condição vulnerável delas, para as explorar”, acentuou.

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FRANCISCO BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO
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CONTREIRAS PIPAS | EDIÇÕES NOVEMBRO

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