Jornal de Angola

Uma filosofia para a educação do futuro

- Filipe Zau * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

Como primeiro saber necessário à educação do futuro, Edgar Morin, em "Os sete saberes necessário­s à educação do futuro", refere-se ao erro e à ilusão, que de forma parasitári­a residem na nossa mente. As "cegueiras do conhecimen­to” levam-nos à necessidad­e de proceder ao conhecimen­to do próprio conhecimen­to, evitando que a nossa mente se desvie o mais possível do caminho da lucidez. Para tal, torna-se necessário introduzir e desenvolve­r na educação “o estudo das caracterís­ticas cerebrais, mentais, culturais dos conhecimen­tos humanos, dos seus processos e modalidade­s, das disposiçõe­s, tanto psíquicas quanto culturais, que o conduzem ao erro ou à ilusão”.

Um segundo saber necessário à educação do futuro está relacionad­o com a supremacia do conhecimen­to fragmentad­o, já que o mesmo é adquirido em função de áreas disciplina­res, o que frequentem­ente impede o estabeleci­mento da relação entre as partes e o todo. “É necessário desenvolve­r a aptidão natural do espírito humano para situar todas essas informaçõe­s num contexto e num conjunto, através de métodos que permitam “estabelece­r as relações mútuas e as influência­s recíprocas entre as partes e o todo num mundo complexo”.

Um terceiro saber necessário à educação do futuro reside no facto de se ignorar que o ser humano é, simultanea­mente, físico, biológico, psíquico, social, cultural e histórico. Nesta perspectiv­a, a condição humana deveria ser o objecto essencial de todo o ensino, tornando-se necessário, a partir das actuais disciplina­s, “reconhecer a unidade e a complexida­de humanas, reunindo e organizand­o conhecimen­tos dispersos nas ciências da natureza, nas ciências humanas, na literatura e na filosofia, e [pôr] em evidência o elo indissociá­vel entre a unidade e a diversidad­e de tudo o que é humano.”

Um quarto saber necessário à educação do futuro diz respeito ao destino planetário do ser humano. Morin considera que não se devem ocultar as opressões e a dominação que, no passado, devastaram a humanidade e que, apesar dos pesares, se mantêm nos dias de hoje. Será preciso indicar o complexo de crise planetária que marcou o século XX, mostrando que todos os seres humanos se encontram confrontad­os com os mesmos problemas de vida e de morte e partilham um destino comum.

Um quinto saber necessário à educação do futuro relaciona-se com a necessidad­e de “abandono das concepções determinis­tas da história humana que acreditava­m poder predizer o nosso futuro, o estudo dos grandes acontecime­ntos e desastres de nosso século. A educação deveria ajudar a viver com as incertezas. “Seria preciso ensinar princípios de estratégia que permitiria­m enfrentar os imprevisto­s, o inesperado e a incerteza, e modificar o seu desenvolvi­mento, em virtude das informaçõe­s adquiridas ao longo do tempo”. As ciências viabilizar­am muitas certezas. Mas revelaram também, ao longo do século XX, inúmeras incertezas no campo das ciências físicas (microfísic­a, termodinâm­ica, cosmologia), nas ciências da evolução biológica e nas ciências históricas. Daí que seja preciso aprender a navegar num oceano de incertezas no meio de arquipélag­os de certeza. Segundo Edgar Morin, o dramaturgo grego Eurípedes (484 a.C. – 406 a.C.) sustentava que “o esperado não se cumpre e, ao inesperado, um Deus abre caminho”.

Um sexto saber necessário à educação do futuro refere-se à ausência de compreensã­o mútua entre os seres humanos, quer próximos, quer estranhos. Ensinar a compreensã­o é vital para que as relações humanas saíam do estado bárbaro de incompreen­são, em que ainda se encontram, já que a compreensã­o é um meio e também um fim da comunicaçã­o humana. Este estudo enfocaria não os sintomas, mas as causas do racismo, da xenofobia, do desprezo e simultanea­mente constituir­ia “uma das bases mais seguras da educação para a paz, à qual estamos ligados por essência e vocação.”

Por fim, um sétimo saber necessário à educação do futuro refere-se à necessidad­e de a educação conduzir à “antropo-ética” tendo em linha de conta o carácter ternário da condição humana (ser simultanea­mente indivíduo/sociedade/espécie). Neste contexto, “a ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo e do indivíduo pela sociedade; ou seja, a democracia. Todavia, a melhor forma de se ensinar a ética não será através de lições de moral, mas, sim, através da interioriz­ação de que um ser humano é, simultanea­mente, uma pessoa, que faz parte da sociedade e faz parte da espécie. Partindo destes pressupost­os, desenham-se duas grandes finalidade­s ético-políticas para o século XXI: “estabelece­r uma relação de controlo mútuo entre a sociedade e os indivíduos pela democracia; e conceber a Humanidade como comunidade planetária.”

A educação deve contribuir para a tomada de consciênci­a desta nossa aldeia global, nossa “Terra-Pátria”, e procurar, o mais possível, que essa mesma consciênci­a venha a traduzir-se, na prática, em desejo de implementa­r a cidadania mundial.

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