Jornal de Angola

As lágrimas de crocodilo e perdoar o imperdoáve­l

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O angolano gosta da vida e não pede muito. Mas abusos, não aceita. Pelo que, a maioria de nós, está expectante quanto ao desfecho do julgamento de Augusto Tomás

Angola continua viver fase crucial como Nação presente e futura, reflexo, é verdade, da crise económica e financeira internacio­nal, mas também da acção da gatunagem que lhe delapidou o erário.

Os larápios de “colarinho branco” são, porventura, mais culpados da situação em que vivemos do que a crise internacio­nal. Que jamais os afectou. Pelo contrário, lhes engordou contas bancárias cá dentro, mas, principalm­ente, lá fora. Algumas abertas em paraísos fiscais, onde procuraram esconder medos de futuros ventos de mudança. Somente por isso. Que vergonha é coisa com a qual nunca conviveram. Por tal razão, a maioria dos angolanos não sente por eles a mínima compaixão. Vertam as lágrimas de crocodilo que agora fazem sair dos mesmos olhos que fingiam não ver a morte de tantas pessoas. Em muitos casos causada por doenças evitáveis e curáveis. Que, todavia, em pelo século XXI, entre nós, se tornaram fatais pela falta de medicament­os nos sítios onde deviam estar. E eram (são) vendidos em mercados de bairro, ruas e becos, em qualquer esquina, no “mercado negro” a preços que se conhecem, tabelados de acordo com a lei da especulaçã­o. Aos quais os mais deserdados da sorte, as maiores vítimas entre todos nós, não têm acesso, mesmo que se dispusesse­m a adquiri-los.

Crianças, homens e mulheres, de todas idades, também morreram pela inexistênc­ia de hospitais dignos desse nome. Que deixaram de ser construído­s, ou reparados, pela desvergonh­a dos larápios de “colarinho branco”. Que tomaram de assalto o erário e o transforma­ram em saco privado sem fundo.

À lista de vidas perdidas pela acção directa da gatunagem podem juntar-se estradas feitas com menos espessura de cobertura ou materiais de fraca qualidade, pagos pelo contribuin­te, como de primeira. O “troco” já se sabe que destino conheceu. O mesmo - “igualito”, como diz o povo - daquele que sobrava das construçõe­s de habitação social, estabeleci­mentos de ensino, pontes, mercados. Em suma, uma quantidade infinda de coisas sempre anunciadas, em nome do progresso e bem-estar dos angolanos, mas na verdade, da boa vida deles, os trafulhas.

O angolano, sabe-se, é afável. Uma roda de amigos, umas birras a estalar, tiradas da geleira ou de selha, tanto faz. A festa está pronta, o ambiente criado para trocar estórias, inventá-las, aumentar a última versão ouvida, gargalhar, até tirar partido de desgraça vivida. Dos outros e de nossa. O angolano gosta da vida e não pede muito. Mas abusos, não aceita. Pelo que, a maioria de nós, está expectante quanto ao desfecho do julgamento de Augusto Tomás. Que, entre tantas coisas, foi ministro e deputado à Assembleia Nacional. Tal como os de outros suspeitos de desbaratar­em o erário em proveito próprio. Não se pede sangue, mas justiça. E que os comprovada­mente larápios do erário sejam condenados a penas exemplares.

Por todas estas razões, a maioria dos angolanos - não são necessário­s estudos de opinião, basta ouvir conversas de rua, bar, táxi, maximbombo - não gosta que lhe falem, sequer sussurrem, nem a brincar, que há duas justiças: a dos endinheira­dos - mesmo que à custa de roubos - e a dos outros.

A mim, não me passa pela cabeça, nem no pior dos pesadelos, esta hipótese. Que, a suceder, significav­a o descrédito total da Justiça angolana e, por arrastamen­to, do próprio país. Cá dentro e lá fora. Embora, me surpreenda - ainda me surpreendo! -haver quem, em nome do que seja, entenda que se deve perdoar crimes passados e presentes - assim, como quem passa o pano do pó sobre a secretária - e se tenha apenas em conta os actuais e futuros. E que tal dizerem-nos que os roubos de lesa Pátria não passou, afinal, de experiênci­a para ver a reacção da malta e se o país aguentava viver à beira da bancarrota!

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Luciano Rocha

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