O fomento do turismo e a decadência do português
As frases publicitárias do Banco de Fomento Angola (BFA): “O FOMENTO AO TURISMO PASSA POR AQUI”, “O FOMENTO À INDÚSTRIA PASSA POR AQUI” e “O FOMENTO À AGRICULTURA PASSA POR AQUI”, reproduzidas em vários formatos e espaços sensoriais, nas agências do BFA, nas páginas da imprensa e em outdoors, repetem à exaustão um erro crasso de gramática da língua portuguesa.
A palavra fomento está associada ao verbo fomentar, que é um verbo transitivo directo, não pedindo, pois, complemento indirecto, introduzido pela crase "à". Deve-se escrever: “O FOMENTO DO TURISMO”, “O FOMENTO DA INDÚSTRIA” e “O FOMENTO DA AGRICULTURA”, pois quem fomenta, fomenta algo, não fomenta a alguma coisa e o caso vertente tem analogia com “o pagamento dos impostos”. Ninguém diz “o pagamento aos impostos”.
Já a frase “CRÉDITO À INDÚSTRIA” está correcta, porque o nome crédito está associado à acção verbal de “dar crédito”, quer dizer é uma acção dominada pelo acto verbal de “dar”, tal como a palavra “resposta” é um prolongamento activado pelo verbo “dar”. Daí que se escreve “em resposta à carta…” com crase. O mesmo se aplica ao “crédito”: quando se dá crédito, dá-se crédito a alguém ou a alguma coisa, é um verbo que pede complemento indirecto, introduzido pela crase "à" ou a contracção "ao", porque a expressão é regida implicitamente pelo verbo “dar”. Nunca no caso do substantivo “FOMENTO”.
Agradeço, portanto, aos gestores do BFA que a corrijam com urgência, pois pode levar os nossos estudantes a gravarem nas suas mentes a mesma frase dessa publicidade e a utilizarem noutros casos em que empreguem a palavra FOMENTO. Os vossos agentes publicitários lançaram essa frase por analogia com a palavra “crédito”, mas gramática é gramática e ainda não conhecemos nenhum acordo ortográfico que tenha dado por expirada a regência dos verbos transitivos directos e seus correspondentes nominais na língua de Camões. O correcto é redigir: “O FOMENTO DA INDÚSTRIA PASSA POR AQUI”, “O FOMENTO DO TURISMO PASSA POR AQUI”, etc.
Abuso da preposição “a”
O que acabámos de analisar no capítulo precedente poderá estar intrinsecamente relacionado com as incontroláveis e imperceptíveis mutações históricas da língua. Pode ser. Os estudiosos da língua deverão estar atentos a estas mutações para ajudar os governos da CPLP a decidirem se as adoptam, por normalidade, ou rejeitam, por incompatibilidade com a norma culta da língua.
Temos notado, nas duas últimas décadas, um atropelo às regras da norma da língua portuguesa que atinge já as raias do absurdo e do abuso, de tantas pedradas lançadas a despropósito e por ignorância contra o vitral multifacetado da língua de todos nós. Como exemplo, temos o caso do abuso da partícula “a”, que muita gente não sabe quando se trata de preposição simples, palavra invariável, ou quando é um pronome pessoal oblíquo directo, ou ainda um artigo definido, nestes dois casos categorias variáveis da morfologia da língua. Também há muito se perdeu o tino da acentuação desta letra quando inserido no contexto sintáctico de uma frase, o que me levou, num seminário organizado pelo Ministério da Educação, realizado este ano no Talatona, a sugerir ao Governo a eliminação da crase em Angola, pois só se está a utilizar o acento (grave ou agudo) onde menos ele é admitido e onde nem sequer é admissível em língua portuguesa. Por exemplo: “Tirase cópia á cores”, ou “Chegou à Malanje”. O primeiro exemplo é uma autêntica “aberratio linguae”. Na língua portuguesa, não existe em nenhuma circunstância a letra “a” isolada e com acento agudo. As pessoas confundem essa acentuação com a do verbo haver (“há”) ou com outras formas de pronominalização (ênclise), como em “dar-lhe-á”, mas isto é derivado do desconhecimento da conjugação dos verbos e, no seu todo, da ignorância do funcionamento da língua, uma lacuna do nosso ensino.
No segundo exemplo, “Chegou à Malanje” estamos perante um caso de má acentuação da preposição simples “a”, pois Malanje é um substantivo neutro, em termos de género, portanto, quando exerce a função sintáctica de complemento circunstancial (neste caso de lugar), não requer a crase (à), mas simplesmente a preposição “a”, sem acento. O mesmo acontece com “Luanda” e “Benguela”, mas não acontece com Huíla, por este ser um nome de género feminino e então, escrever-se-á “Chegou à Huíla”.
Porém, o que nos trouxe hoje aqui, além da publicidade mal parada em termos de crédito linguístico do BFA, é outra expressão que nos chega do final das novelas e programas da televisão portuguesa. Aqui ilustramos com a frase que vem sempre apenas no fim desses programas de entretenimento: “Este programa teve ajuda à produção de...” e, a seguir, vem a lista das empresas patrocinadoras.
A correcção desta frase leva-nos aos fundamentos normativos da língua seleccionados para o primeiro caso. Tem a ver com a acção verbal implícita no nome “ajuda”, que vem a reboque do verbo “ter”, pois “teve ajuda”, é ter algo fornecido por alguém para concluir alguma coisa nesta vida. Portanto, sendo o verbo “ter”, um verbo transitivo directo não exige preposição. “Tenho uma dor de cabeça”, ou “Tenho um carro”, nunca “Tenho a um carro”. Isto, como primeira forma de entendimento do erro. A segunda forma assaca-se do nome “ajuda”, derivado do verbo “ajudar” que também é transitivo directo (sem preposição), quando significa ajudar alguém, ou seja, prestar ajuda, auxiliar: “Ajudou o pai”. Já com o sentido de ajudar alguém a (seguido de outro verbo no infinitivo) é transitivo directo e indirecto: “Ele ajudou a mãe a conseguir emprego”. Nunca com crase “à”!
Quando, porém, tem o sentido de ajudar alguém em (este verbo é também prepositivo) seguido de substantivo é transitivo directo e indirecto: “Ajudei a minha mãe na cozinha”. De igual modo, jamais se agrega a crase “à”, mas sempre a preposição simples “em”, que se contrai com o artigo (“na” ou “no”).
Portanto, senhores da televisão portuguesa, a frase correcta é “ESTE PROGRAMA TEVE AJUDA NA PRODUÇÃO DE…” Ponto final.
Quando se dá crédito, dá-se crédito a alguém ou a alguma coisa, é um verbo que pede complemento indirecto, introduzido pela crase "à" ou a contracção "ao", porque a expressão é regida implicitamente pelo verbo “dar”