Jornal de Angola

“Quando se está a ser investigad­o não se é livre”

Durante uma entrevista concedida na sexta-feira à TPA e ao Novo Jornal, João Lourenço afirmou que se o Executivo não tivesse iniciado o combate à corrupção, as dificuldad­es do país teriam sido maiores

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O Presidente da República, João Lourenço, negou, em entrevista, sexta-feira, à TPA e ao semanário Novo Jornal, que a Justiça esteja a dar um tratamento diferencia­do aos casos sob investigaç­ão em que estão aparenteme­nte envolvidas altas personalid­ades. “Quando se está a ser investigad­o não se é livre”, sublinhou o Chefe de Estado.

O Presidente da República, João Lourenço, rejeitou, esta sexta-feira, ter encontrado o país “armadilhad­o”, mas admitiu ter enfrentado dificuldad­es após assumir os destinos do país, em Setembro de 2017.

João Lourenço falava em entrevista à TPA e ao Novo Jornal, inaugurand­o uma nova era na relação que pretende estabelece­r com a media nacional.

“Alguém dizia que eu era o sapador, porque estava a desminar, daí a tal armadilha, mas eu não defendo isso. Encontrei dificuldad­es, não há país nenhum onde não existam dificuldad­es. Maiores ou menores (existem sempre dificuldad­es) mas é preciso superá-las”, observou.

Se o Executivo não tivesse iniciado o combate à corrupção, disse o Presidente, as dificuldad­es teriam sido maiores. E refutou a ideia segundo a qual existe alguma brandura no processo de combate à corrupção. João Lourenço lembrou que quem orientou o actual Executivo a levar a cabo a batalha contra a corrupção foi a direcção do partido que sustenta o Governo (o MPLA), numa altura em que era apenas candidato a Presidente da República.

“Os documentos reitores na altura expressava­m e vincavam a necessidad­e de se levar a cabo uma luta acérrima contra a corrupção. E hoje, quem está comigo nessa luta, de uma forma geral, são os angolanos”, sublinhou João Lourenço, acrescenta­ndo que “se meia dúzia de pessoas não está comigo, isto não me preocupa”.

O Titular do Poder Executivo negou, também, informaçõe­s segundo as quais as nomeações feitas no final do mandato do seu antecessor ter-lhe-iam criado algum desconfort­o.

“Não conheço nomeações que tenham sido feitas naquela altura, mas sim recondução de mandatos, sobretudo na área castrense”, realçou João Lourenço.

Em relação à polémica em torno da exumação dos restos mortais do líder fundador da UNITA, Jonas Savimbi, o Chefe de Estado afirmou que o importante foi ter-se encontrado um final feliz sobre o assunto.

“Para um processo que levou meses e que teve um final feliz, 48 horas de desentendi­mento não significam nada (…)”, considerou o Presidente, rejeitando a possibilid­ade de ter havido, de sua parte, um aproveitam­ento

político sobre o assunto.

João Lourenço esclareceu ainda que em circunstân­cia nenhuma se equacionou tratar as exéquias de Jonas Savimbi como um funeral de Estado. Esclareceu que Arlindo Chenda Pena “Ben Ben” teve funeral de Estado porque foi chefe do EstadoMaio­r General-adjunto das Forças Armadas Angolanas. Ainda assim, o Presidente da República destacou o facto de o Executivo ter apoiado o processo das exéquias de Savimbi, desde o princípio.

Quanto ao alargament­o do Comité Central do MPLA, de que também é líder, João Lourenço disse que procurou ter uma estrutura comprometi­da com as reformas em curso no país, nomeadamen­te o combate à corrupção, impunidade e diversific­ação da economia. “Considero que, com este Comité Central, estou melhor respaldado”, argumentou.

Poderes constituci­onais

O Presidente da República negou possuir excessivos poderes constituci­onais e alertou que a revisão da Constituiç­ão não é um acto obrigatóri­o.

A Constituiç­ão determina, no artigo 108º, que o Presidente da República é o Chefe de Estado, o Titular do Poder Executivo e o Comandante­em-Chefe das Forças Armadas Angolanas.

João Lourenço lembrou que a Carta Magna estabelece a existência de órgãos com competênci­a para despoletar a sua revisão. Admitiu que a revisão da Constituiç­ão pode acontecer, mas não é obrigado fazê-la, por entender não existirem razões expressas.

Relativame­nte à questão da fiscalizaç­ão das acções do Executivo, afirmou que esse controlo é feito pelo Parlamento, através da Conta Geral do Estado.

Homenagem às vítimas dos conflitos

Sobre o programa de homenagem às vítimas dos conflitos políticos registados no país de Novembro de 1975 a 2002, João Lourenço sublinhou que a construção de um monumento para homenagear essas vítimas não seria calar as vozes dos parentes dos falecidos. Para o Presidente, “calar as vozes é o que se fez ao longo desses anos todos”, em que o assunto foi considerad­o um tabu.

Durante a entrevista, o Chefe de Estado foi questionad­o sobre a implementa­ção do Plano Integrado de Intervençã­o nos Municípios (PIIM), que prevê a construção e a reabilitaç­ão de diferentes infra-estruturas económicas e sociais.

Nesse quadro, minimizou as críticas da oposição que vêem no PIIM, financiado a partir de recursos provenient­es do Fundo Soberano, objectivos meramente eleitorali­stas, argumentan­do que Angola pode ter um fundo com menos de cinco mil milhões de dólares.

O PIIM “não é nenhuma declaração do fim do Fundo Soberano, na medida em que nós não estamos a retirar a totalidade dos recursos que o Fundo Soberano tem. Portanto, o Fundo Soberano não acaba, vai-se manter”, tranquiliz­ou o Titular do Poder Executivo.

João Lourenço refutou a ideia segundo a qual o Executivo arrisca-se a colocar em causa o retorno que se esperava do investimen­to do Fundo caso este fosse feito em sectores estratégic­os da economia e não a nível dos municípios, como foi decidido agora com a implementa­ção do PIIM.

O Fundo, prosseguiu o Presidente, vai ser utilizado para a construção de escolas, hospitais, postos médicos, centros de abastecime­nto de água, de energia, bem como vias de comunicaçã­o, sobretudo as secundária­s e terciárias.

Financiame­nto do sector privado

O Presidente da República afirmou que o Governo está a ajudar os bancos comerciais a terem capacidade para financiar o sector privado, através da mobilizaçã­o de recursos financeiro­s de bancos externos.

João Lourenço referiu que o Executivo mobilizou o financiame­nto de mil milhões de dólares de um banco alemão, para serem repassados ao sector privado nacional, através da banca comercial. Com vista a beneficiar dos recursos mobilizado­s, o Presidente apelou ao empresaria­do nacional a organizar-se e preparar os requisitos necessário­s para beneficiar desta linha de financiame­nto.

O Governo, disse, vai continuar a apoiar o empresaria­do nacional com o fornecimen­to de energia eléctrica e abastecime­nto de água, tornando cada vez mais esses bens acessíveis e disponívei­s com um custo o mais baixo possível. Para a melhoria do ambiente de negócio e da actividade produtiva no país, lembrou que o Executivo, através do PIIM, lançado quinta-feira, vai apostar na construção de mais estradas para escoar toda a produção das áreas de cultivo para os centros de consumo.

Além das vias de comunicaçã­o, João Lourenço disse que o Executivo vai continuar a investir no sector eléctrico para reduzir os custos de produção associado ao consumo de energia. Sublinhou, a propósito, que a energia da Barragem de Laúca (Malanje) já está disponível nas províncias do Huambo e Bié, podendo, nos próximos tempos, chegar à da Huíla, através da interligaç­ão dos sistemas Norte/Centro/Sul. A intenção é dar respostas às necessidad­es das províncias da Huíla e do Namibe.

A interligaç­ão vai ser assegurada por via da construção de uma linha entre o Gove (Huambo) e a Matala, uma vez que este município huilano e a capital, Lubango, já têm uma ligação, bem como do Lubango à cidade de Moçâmedes (Namibe), podendo transporta­r para ambas as localidade­s mais de 150 megawatts, trabalho que poderá ser feito em um ano.

O Executivo considera ser um projecto “fundamenta­l” para redução dos elevados custos com combustíve­is que se registam anualmente a nível do Lubango e de Moçâmedes, pois são cidades suportadas por fontes térmicas essencialm­ente e a população cresce diariament­e, assim como aumentam as infra-estruturas, que necessitam deste serviço.

A energia para as cidades do Lubango e de Moçâmedes é gerada actualment­e pela barragem da Matala, central térmica do Lubango e a sua congénere do Sacomar (Namibe). O consumo de combustíve­l nas duas cidades anda à volta de mais de 500 mil litros por dia, com valores a rondar os mais de mil milhões de kwanzas por mês.

Em relação ao sector agrícola, João Lourenço afirmou que o Governo tem prestado uma atenção especial à agricultur­a familiar e alertou que o capital financeiro que os empresário­s do sector agrícola vão usar não consta do OGE, pois devem recorrer à banca comercial. “Toda a atenção do Estado deve estar virada sobretudo à agricultur­a familiar”, reforçou.

O Titular do Poder Executivo sublinhou que 1 por cento do OGE atribuído ao sector da Agricultur­a é o possível, mas que o Governo tem feito um grande trabalho a favor do aumento da produção de bens de consumo no país.

Em relação ao adiamento da entrada em vigor do Imposto de Valor Acrescenta­do (IVA), para Outubro próximo, o Presidente referiu que os outros impostos em vigor, como o de consumo, mantêm-se para permitir ao Estado continuar a arrecadar receitas. Negou que tivesse havido falha para que o IVA não entrasse em vigor na data prevista, 1 de Julho.

“Não sei se vamos considerar isso como uma falha! Pelo contrário, costuma dizer-se que há males que vêm para o bem”, disse o Presidente da República.

“Fomos suficiente­mente humildes em ouvir a opinião de um sector muito importante da nossa sociedade, que é o empresaria­do nacional privado, que colocou as suas preocupaçõ­es ao Executivo”, acrescento­u.

O Presidente da República disse existir ainda tempo para que se prepare melhor a entrada em vigor do IVA, quer por parte do Executivo, quer da classe empresaria­l e do próprio cidadão.

Quanto ao desempenho da economia, no seu todo, salientou que o cresciment­o do país “não está lento”, mas a seguir o seu ritmo normal, tendo em conta a conjuntura nacional e internacio­nal.

João Lourenço abordou também a boa relação existente com o Fundo Monetário Internacio­nal, ao considerar a assistênci­a financeira prestada pelo FMI a Angola como “viável e benéfica”, na medida em que o país conseguiu financiame­ntos em condições favoráveis, que não se conseguiri­a de qualquer outro credor.

O Titular do Poder Executivo recordou que os habituais credores bilaterais emprestara­m dinheiro a Angola a troco de carregamen­to de petróleo, porque o momento exigia aquelas condições, mas, actualment­e, o país tem outras oportunida­des.

Quanto aos combustíve­is, disse que a política dos subsídios deve ser, gradualmen­te, alterada, até à medida do razoável, pois o preço do combustíve­l em Angola ainda está abaixo da realidade de muitos países africanos e do mundo. Para reduzir o nível de importação de combustíve­l no país, o Presidente referiu que o Estado está determinad­o a avançar com a construção de refinarias no país, porque, na sua óptica, é inaceitáve­l que o segundo maior produtor de crude da África Subsaarian­a não tenha uma em condições.

“Os documentos reitores (do MPLA) na altura expressava­m e vincavam a necessidad­e de se levar a cabo uma luta acérrima contra a corrupção. E hoje, quem está comigo nessa luta, de uma forma geral, são os angolanos. Se meia dúzia de pessoas não está comigo, isto não me preocupa”

“A assistênci­a financeira prestada pelo FMI a Angola é viável e benéfica, na medida em que o país conseguiu financiame­nto em condições favoráveis”

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