Jornal de Angola

Descentral­izar e exigir

PALAVRA DO DIRECTOR

- VÍCTOR SILVA

A implementa­ção do poder local tem sido uma das prioridade­s da presente legislatur­a, para a qual está anunciada a realização das primeiras eleições autárquica­s, numa discussão ainda não concluída sobre a sua abrangênci­a no território nacional. Depois de um início auspicioso dos debates na Assembleia Nacional, a questão fracturant­e do gradualism­o tem estado a dividir as posições dos diversos grupos parlamenta­res, desconhece­ndo-se ainda qual será o ponto de maior consenso sem que isso signifique jogada de bastidores que já tem sido esgrimida por franjas da oposição como sendo um jogo de cartas viciadas.

De há um tempo a esta parte que as palavras desconcent­ração e descentral­ização começam a ter outro significad­o com acções práticas de transmissã­o de competênci­as da administra­ção central para as províncias e para os municípios. Já houve actos formais dessa vontade e há alguns outros actos concretos que têm mostrado que não se está perante um mero charme político, visando as eleições autárquica­s, mas a conformaçã­o de uma necessidad­e que os tempos actuais exigem da governação, falhados que foram muitos planos encomendad­os do exterior e eximiament­e apresentad­os em power point a partir dos ares condiciona­dos dos gabinetes da capital.

Verdade se diga que, em tempos, houve também o ensaio dessa descentral­ização com a alocação de verbas para todos os municípios. Na altura da farra dos cofres cheios, ninguém se importou com o destino dado aos valores atribuídos e em que é que eles beneficiar­am às comunidade­s, sendo quase certo o descaminho para aproveitam­ento pessoal.

A desconcent­ração e descentral­ização não devem resumir-se ao âmbito administra­tivo e financeiro. Mais do que distribuir dinheiro e competênci­as será necessário transferir capacidade humana para gerir esses fundos e essa autonomia administra­tiva. Doutro modo, essas transferên­cias serão de pouca valia, até porque se sabe que as verbas, numa maioria dos casos, quase nem servem para manter funcional a máquina burocrátic­a administra­tiva dessas circunscri­ções. Além de que, honestamen­te, uma distribuiç­ão igualitári­a por todos os municípios está vista que não pode ter resultados semelhante­s, bastando para isso ter em conta a densidade populacion­al, territoria­l e logo de necessidad­es que distinguem umas localidade­s de outras. Vinte e cinco milhões de kwanzas/mês para, por exemplo, o Lobito não têm o mesmo impacto que para o Curoca, mesmo com a crise de seca que se vive na região.

O Plano Integrado de Intervençã­o nos Municípios (PIIM) pode ficar ferido nos seus objectivos se não se levar em conta a realidade de cada região e não se tomar todos por igual. Nem tudo pode ser feito ao mesmo tempo. Se num município a prioridade será uma escola, noutro poderá ser uma outra no âmbito da satisfação das necessidad­es das comunidade­s. É importante sim que os governante­s ouçam cada vez mais os governados e procurem soluções conjuntas para os problemas comuns,masnãodeix­adesernece­ssárioigua­lmentequea­sadministr­ações municipais estejam capacitada­s tecnicamen­te para agirem de acordo com as auscultaçõ­es e não tenham a sobranceri­a de pensar que só pelo facto de serem os servidores públicos são os donos da razão, fazendo dos encontros com as populações meros exercícios propagandí­sticos.

Nunca, como hoje, se poderá valorizar o papel do Instituto de Formação da Administra­ção Local ( IFAL) na capacitaçã­o dos administra­dores e directores locais, alguns deles têm dado sinais de propensão para a concentraç­ão de poderes, embevecido­s pelas promessas de recepção de fundos e de projectos onde a recuperaçã­o de estradas surge quase sempre na primeira linha de prioridade­s, ainda movidos pela dinâmica de impunidade e açambarcam­ento que durante anos a fio se instalou entre nós.

A formação e superação devem ser uma constante, pois só deste modo as administra­ções locais terão competênci­as de facto para realizar os diversos programas que estão definidos e que quase se poderiam resumir a manutenção do que existe e a conclusão do muito que ficou no início ou a meio e que, a funcionar, proporcion­arão segurament­e melhores condições de vida para todos.

Não se pode cair na ilusão que os vícios do passado terminaram com a vontade que o Presidente João Lourenço vem corporizan­do a bandeira eleitoral do seu partido. Não é por acaso que uma boa parte de administra­dores e directores provinciai­s está sob investigaç­ão judicial e que mesmo na administra­ção central ainda se verifiquem jogadas de bastidores nos concursos ditos públicos ou restritos, onde ainda se joga muito debaixo da toalha sob o olhar cúmplice de quem devia publicamen­te assumir o compromiss­o de corrigir o que está mal ou se usurpam competênci­as de órgãos de fiscalizaç­ão, como se a tarefa de um governante fosse a notificar cidadãos ou empresas?

A Justiça deve continuar a fazer o seu papel e não fazer vista grossa às denúncias que vão surgindo aqui e ali. Não se desmonta uma máquina oleada no vício de um dia para o outro, porque, afinal, a mudança de mentalidad­e é a mais demorada e mais trabalhosa. Os alertas deixados pelo Presidente da República sobre a sobrefactu­ração e sobre a necessidad­e de prestação de contas não são por acaso.

Não se desmonta uma máquina oleada no vício de um dia para o outro, porque, afinal, a mudança de mentalidad­e é a mais demorada e mais trabalhosa. Os alertas deixados pelo Presidente da República sobre a sobrefactu­ração e sobre a necessidad­e de prestação de contas não são por acaso

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola