Jornal de Angola

A fadiga informativ­a não é só um fenómeno de Verão

- Catarina Carvalho | * * Jornalista do Diário de Notícias

Caros leitores que estão a ler estas linhas: quantas vezes já vos apeteceu largar este jornal, desligar a versão online, sair das redes sociais, pôr o telefone em off? Fugir para um lugar sem notícias? Nenhum de vós está sozinho nessa resposta, positiva obviamente, que terá dado. Segundo os dados - preocupant­es - do Relatório de Jornalismo Digital feito pelo Instituto Reuters na Universida­de de Oxford, 31 por cento dos portuguese­s já deram por eles a evitar notícias. Na Grécia estes números sobem para 54 por cento. Nos EUA são 41 por cento.

Talvez isto não seja de estranhar no mundo das patetices de Trump, do Brexit, do aqueciment­o, da corrupção, dos refugiados em barcos miseráveis, dos hospitais sem médicos, dos bancos que não respeitam os limites do bom senso, das greves e protestos, das ditaduras disfarçada­s de democracia­s, dos populismos e extremismo­s. Há muitas causas óbvias para a fadiga informativ­a. Parte delas são responsabi­lidade das próprias notícias e do mundo que as alimenta. Outra parte de quem as consome.

O Instituto Reuters aponta várias causas. 58 por cento dos britânicos, por exemplo, acham que as notícias os fazem ficar tristes e maldispost­os. Até aqui, nada de novo, no mundo dos homens que mordem cães que é o que o jornalismo mostra. Mas já é mais estranho que, ao contrário de outras épocas, isto leve a que 40 por cento dos britânicos considerem que isso lhes dá a sensação de que não há nada que possam fazer para mudar as coisas.

Se juntarmos a esta paralisia os fenómenos de desinforma­ção - quem produz notícias falsas tem normalment­e objectivos bem concretos - e da falta de literacia mediática - no sentido do que quer dizer saber os mínimos para sequer entender as notícias -, percebemos o risco de entropia. Seremos todos ratinhos numa roda infinitame­nte a girar?

A resposta, infelizmen­te, é: somos. E o pior é que entrámos nessa roda de livre e espontânea vontade. O fluxo das notícias e informaçõe­s inunda-nos. Os sites actualizam-se ao segundo - e todos com as mesmas histórias. Os alertas, miméticos, vêm por sms uns a seguir aos outros. E as redes sociais - sejam elas mais populares, como o Facebook, ou elitistas, como o Twitter - tornaram-se a taberna virtual onde estamos em permanênci­a, e em permanente bebedeira informativ­a.

Do outro lado, dos que produzem informação, não há tempo para parar e pensar. Corremos para sermos os protagonis­tas do próximo pico do fluxo informativ­o - sem explicar a fundo o último. E este é um mea culpa que poucos fazemos, na vertiginos­a corrida contra o tempo, num ecossistem­a em pane, numa época de salve-se quem puder e sem meios para responder condigname­nte.

A relação do jornalismo com os seus consumidor­es é cada vez mais esquizofré­nica. Por exemplo, em Portugal, são muitos os que confiam nas notícias - 58 por cento - mas poucos os que estão disponívei­s para pagar por elas. Desta forma, obrigarão os órgãos de comunicaçã­o social a seguir cada vez mais a ilusão dos cliques, dos leitores esporádico­s, da multidão - numa competição cerrada com as grandes plataforma­s.

Talvez por isso, muitas das pessoas ouvidas no relatório do Instituto Reuters alegam que as notícias as mantêm informadas (62 por cento), mas só metade (51 por cento) considera que o jornalismo lhes permite compreende­r o que se passa. E apenas 42 por cento - quatro em dez - consideram que o jornalismo é um verdadeiro escrutinad­or do poder. Estas duas funções - a de explicar e de escrutinar - são, precisamen­te, as que mais facilmente se atribuem ao bom jornalismo. E talvez por isso este esteja em queda no mundo ocidental.

Num mundo complexo, em que seria ainda mais importante o papel do jornalismo de explicar, esmiuçar, clarificar o que se passa, está a acontecer precisamen­te o contrário. Os media participam no excesso informativ­o. Em vez de explicarem, confundem. Esta reflexão tem de ser feita por quem produz informação. Mas também por quem a consome.

Num mundo complexo, em que seria ainda mais importante o papel do jornalismo de explicar, esmiuçar, clarificar o que se passa, está a acontecer precisamen­te o contrário. Os media participam no excesso informativ­o. Em vez de explicarem, confundem. Esta reflexão tem de ser feita por quem produz informação. Mas também por quem a consome

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