Toxicodependentes encaram luz no “fundo do túnel”
É franzino, de olhos acastanhados e com uma esperteza de águia. Trata-se do menino Janquenito de Freitas Chicomba, 15 anos, com uma altura aparente de 1,56 m. Oriundo do Lubango, entrou muito cedo, por influência de amigos, no mundo do álcool e das drogas. A reportagem do Jornal de Angola encontrou o “acampado” no Centro Provincial de Acolhimento e Aconselhamento dos Toxicodependentes, afecto à Cruz Azul de Angola, localizado no bairro Valódia, periferia da cidade de Moçâmedes, no Namibe
O adolescente conta que foi lá parar graças à coragem e determinação dos seus pais, que achavam que o filho “estava a se perder”, por causa das más influências dos companheiros.
“Bom” falante da língua veicular e destemido, Janquenito está ciente de que errou e, agora, surge-lhe o arrependimento. Diz que na altura contentava-se apenas a ver o ambiente e a “apreciar” o jeito como os amigos ficavam depois de consumir droga. Mas depois, “epá, deram-me para provar e provei, caí, e estou aqui, arrependido”, confessa, para depois afirmar que o lugar escolhido pelos pais para o reabilitar “é, de facto, ideal e continua a ser melhor para mim. Estou a me reabilitar e só espero que saia daqui bem”.
O menino das terras do Cristo Rei está no Centro Provincial de Acolhimento e Aconselhamento dos Toxicodependentes há sete meses, e, apesar dos pesares, tem recebido com frequência a visita dos progenitores. Já se sente curado e agora pensa regressar ao seu habitat e, com mais calma, dar continuidade à frequência da 8ª classe, que interrompeu, segundo as suas palavras, por “mero acaso”. Ele quer, no futuro, “ser alguém na sociedade”.
O ex-toxicodependente promete mudar de vida. “Como já vi que as amizades que tinha é que me destruíram e me trouxeram essa desgraça, pretendo deixá-las e ter uma nova vida”.
Alfredo dos Santos, 23 anos, deslocou-se de Luanda para o Namibe por intermédio da cunhada, pastora, que descobriu o centro onde se encontra há três meses mediante informações de terceiros.
“Conversaram comigo, sensibilizaram-me, até que aceitei, porque vi que precisava de uma mudança na minha vida”, diz.
Reconhece ter usado drogas, bebidas alcoólicas e fez mais coisas erradas na vida, na companhia do irmão mais velho.
“No princípio era uma simples curiosidade. Via pessoas a beber, a fumar, e quis ver como é que elas se sentiam. Mas, depois de provar, não foi de acordo com aquilo que eu pensava. Graças a Deus, agora já me sinto bem, sou uma nova pessoa, um novo Alfredo, e as coisas que eu fazia já não as penso nem as faço mais”.
O jovem agora humilde aproveita a oportunidade de estar a falar para o Jornal de
Angola para pedir desculpas às pessoas a quem causou danos morais, psicológicos e físicos, quando se encontrava no “outro mundo”.
“Já passei pelo processo de regeneração, estou reabilitado, e graças a Deus também as coisas têm corrido bem com a palavra”, salienta.
Quando regressar à procedência, ele pensa concluir o curso médio de engenharia informática, abandonado por “ilusionismo”, e posteriormente, dar sequência à sua paixão pela música. Ele diz ser um bom produtor e compositor.
“Quando sair daqui, gostaria de aperfeiçoar mais ainda a técnica, ter novos conhecimentos e fazer cursos de música especializados”, afiança.
Alfredo lamenta a ausência da família, embora entenda a distância que os separa. Porém, tenta matar as saudades por via telefónica. Os pais têm interagido com os responsáveis do centro ao telefone, para saber da evolução do seu rebento. Quanto à perspectiva da sua reinserção na comunidade, assegura: “Vou ser polícia de mim mesmo. Fugir dos amigos não é a solução. O importante é abster-me de algumas amizades”.
Já o mais graúdo do “ninho”, de 40 anos, é o enfermeiro Ângelo Lutucuta, proveniente do município do Cuito, província do Bié. Declara estar em Moçâmedes desde Outubro do ano passado, e no centro de acolhimento há quatro meses. O sanitarista diz que não se sentia bem, porque “estava mesmo exagerado em alcoolismo”. Como se apercebeu que “aquilo” estava a lhe causar transtornos mentais, concertou ideias com a irmã mais nova, que se encontra no Namibe. Foi ela que lhe deu a força para combater o flagelo.
Foi preciso dialogar com a sua entidade patronal (Direcção Provincial da Saúde), que entendeu por bem dispensar temporariamente o homem, até que se recupere na totalidade.
“Agora vejo as coisas de maneira diferente. O tratamento está a surtir os efeitos desejados. Já não tenho aquela vontade de continuar no álcool”, diz.
Centro modelo
O Centro Provincial de Acolhimento e Aconselhamento dos Toxicodependentes do Namibe clama por apoios. O grêmio presta socorro aos que caíram nas garras do álcool e das drogas, fazendo o seu acompanhamento até à recuperação.
O lar enfrenta grandes dificuldades, mormente de alimentação. Sobrevive de doações e da contribuição das famílias dos internados. O sustento depende da comparticipação dos familiares, mas a mensalidade de 10 mil kwanzas é considerada “ínfima” por Domingos Moisés Chimuco, director do centro. “A nossa despensa está mesmo vazia”, lamenta.
O responsável afirma haver famílias muito vulneráveis que chegam ao ponto de ficar “totalmente depenadas” pelo seu ente querido e acabam por “não comparticipar com um tostão sequer”.
Mas, assegura Domingos Chimuco, “como o nosso objectivo não é o dinheiro, entendemos a situação e ajudamos a ultrapassar as dificuldades”.
O director do centro revela que o trabalho realizado “não está sendo em vão, é reconhecido por todos, principalmente pelo Executivo local”.
Dentre as várias inquietações que apoquentam a direcção do centro, e que já foram apresentadas ao governador Carlos da Rocha Cruz, durante uma visita de constatação, Chimuco enumera a falta de água canalizada e de um posto de socorro ou consultório médico. A falta de um psiquiatra para avaliar os internados é outro problema, aliado à necessidade de uma viatura e de construção de espaços para artes e ofícios e para albergar os pacientes do sexo feminino. A direcção queixa-se, também, do não acabamento da vedação e dos portões e janelas por substituir depois de terem sido vandalizados.
O governador Carlos da Rocha Cruz prometeu dar resposta positiva às questões mais relevantes, mas salientou que o foco das atenções são os afectados pela seca que arrasa o Sul. Carlos da Rocha Cruz conversou demoradamente com os pacientes, maioritariamente adolescentes e jovens entre os 15 e os 40 anos, tendo-os aconselhado, reiteradas vezes, a saírem da vida que levavam, procurando inserir-se na sociedade voltando-se para os estudos, que, segundo disse, garante um futuro risonho, próspero e mais seguro.
Domingos Chimuco reforça que não obstante o centro desempenhar o papel de cura, a responsabilidade maior recai sobre as famílias, que devem evitar que os filhos caiam na dependência do álcool.
Visitantes “fumados”
O mais caricato, conta, é que há familiares que vão visitar os filhos, mas em estado de embriaguez e, às vezes, “fumados”. Nessas situações, os responsáveis do centro evitam que estes familiares tenham contacto directo com os filhos internados, porque, sublinhou, “nós estamos a ensinar as pessoas a não beberem e não o contrário”.
O Centro de Acolhimento e Aconselhamento dos Toxicodependentes é de carácter filantrópico e cristão, primando pela solidariedade social sem fins lucrativos. Mas não é uma denominação religiosa. O seu objecto social é a recuperação dos indivíduos mergulhados no uso de bebidas alcoólicas e outras drogas. Depois de considerados reabilitados, os pacientes são reintegrados na sociedade.
O vice-presidente do centro, António Francisco, revela que a sua criação partiu dos trabalhos efectuados pelos membros da Cruz Azul, sedeados na cidade de Moçâmedes. Começaram o trabalho nas ruas e bairros, com a sensibilização, acompanhamento e prevenção alcoólica.
A construção do centro foi implementada em 2011. A sua inauguração ocorreu no dia 20 de Setembro de 2014 e o início dos internamentos de toxicodependentes concretizou-se, efectivamente, no primeiro trimestre de 2015. O centro tem a capacidade de internar cerca de 50 alcoólatras e o período de recuperação vai de seis meses a um ano, em função da gravidade do caso.
António Francisco frisa que cuidar de um toxicodependente “não tem sido tarefa fácil”, pois, adianta, muitos deles habituaramse a viver fora da família bebendo, fumando, roubando, drogando-se... Logo, a actividade de cura baseia-se em acções diárias de oração, estudo bíblico e pregação. Os internados ocupam-se também a fazer exercícios físicos e a praticar desporto, além de assistirem a palestras sobre temas diversos.
O co-responsável da instituição filantrópica lembra que no primeiro dia em que um toxicodependente entra em contacto com a instituição torna-se bastante agressivo e danifica tudo o que lhe aparece pela frente, como se de um demente se tratasse. Mas, com a “ajuda de Deus” e dos especialistas, a situação acaba por se normalizar.
“Eles vêm agressivos, mas, usando as nossas técnicas de trabalho, encontramos a solução”, diz António Francisco.
De 2015 a 2018 foram internados no Centro 286 indivíduos e recuperados 262, dos quais 221 homens e 41 mulheres. Um total de 24 internados desistiram do tratamento. Neste primeiro semestre de 2019 o centro controla 28 jovens, todos do género masculino. Alguns dos actuais professores eram pacientes do próprio centro, que também já tratou toxicodependentes enfermeiros, jornalistas, mestres-deobras, e outros profissionais.
“Todo aquele que bate a nossa porta não é rejeitado, independentemente da sua classe social, credo religioso ou outra condição”, enfatiza o director do centro.
O internamento de mulheres alcoólatras foi interrompido, até que se ergam instalações próprias, separadas das dos homens. No passado, duas mulheres acabaram por ficar grávidas, o que, compreensivelmente, causou frustração no seio das respectivas famílias e da direcção do centro.