Sonoridades do Índico em Luanda
O músico moçambicano Deltino Guerreiro esteve em Luanda a convite da Alliance Française para dois concertos, no âmbito da Festa da Música, nos dias 21 e 22, respectivamente, no Elinga e no Tripalus-Clube de Jazz. O artista, que é um talento em ascensão no país da Marrabenta e da Pandza, apresentou-se, em trio, com os companheiros Stélio na bateria e Hélder Gonçalo no baixo e exploraram temas do seu álbum de estreia “Eparaka” (“Bênção”)
Deltino Guerreiro, que esteve em Luanda fruto da parceria que tem com o Centro Cultural Franco-Moçambicano, disse esperar que esta seja a primeira de muitas e que a sua música e a de outros artistas que fazem incursões em fusões rítmicas sejam mais conhecidos.
O músico assume-se como um artista de fusão, carregando a musicalidade do Norte de Moçambique e misturando sonoridades modernas como o Soul e o R&B à chamada World Music, baseada nas suas raízes rítmicas, como o Mampito e o Muxiro, dentre outras da sua região. Guerreiro considera que o lado percussivo da sua fonte original é uma mais-valia, por isso, quando se apresenta com a banda completa, não deixa a percussão, que é feita com batuques tradicionais moçambicanos. É dos poucos, senão mesmo o único, que transporta para o cenário musical moçambicano, na sua voz, as melodias e influências árabes, bem presentes no Norte de Moçambique. As letras são cantadas em português, inglês e macua.
O músico acredita que, no contexto actual da música mundial, os artistas devem fazer coisas diferentes, o que, no seu caso, faz com os sons do Norte de Moçambique, porque é assim que pretende identificar-se. “O mercado quer algo novo, mas com que as pessoas se identifiquem, porque se for totalmente desconhecido, as pessoas vão demorar a interpretar”, disse. Foi com esta novidade que nas duas noites, angolanos, moçambicanos e outros estrangeiros apreciaram Deltino Guerreiro, que, provando a preocupação com os seus ritmos, abriu homenageando uma das grandes vozes da sua região, e depois, claro, cantou as músicas do CD “Eparaka”, seu passaporte musical, com realce para os temas “Três Estações”, “Faith”, “Freedom” e “Sonho”, seu principal sucesso, que fechou a noite. Interessante foi a forma como os instrumentistas mostraram a sua versatilidade no tema “Duas Caras”, com Stélvio, o baterista, a segurar o baixo, enquanto Hélder tocava a viola acústica.
Deltino Guerreiro falou do seu disco, que surgiu depois de ter vencido um concurso numa televisão moçambicana, quando pretendia gravar um vídeo-clipe do tema que o consagrou, “Sonho”.
“Eparaka” é um álbum com temas de exaltação a Deus (mas sem a carga evangélica), com alusões à violência doméstica e outros conteúdos sociais, mas apolíticas. O álbum deu a Deltino prémios e presenças em grandes festivais em Moçambique e no estrangeiro, como o Festival AZGO, Festa da Música e Sakifo Festival (Ilha Reunião). "Eparaka" garantiu-lhe ainda o Prémio Voz Revelação Masculina no Ngoma Moçambique (2015) e Melhor Voz Masculina no mesmo concurso (2016). A música mais famosa de Deltino Guerreiro, "Sonho", levou-o a colaborar com a grande artista de origem inglesa Joss Stone, compositora de soul e R&B e actriz, vencedora de vários BritAwards e de um GrammyAward.
“A música é que me escolheu”, assim afirma Deltino Guerreiro. Ele recorda que, ainda miúdo, em Muncuege, distrito de Cabo Delgado, acompanhava as músicas que tocavam no rádio do avô. Mais tarde, em Nampula, com 12 anos, começou a escrever poemas de amor, que mais tarde transformava em músicas românticas, por influência da sua mãe que ouvia temas desta linha musical. Ainda em Nampula, onde o movimento Hip-Hop era muito forte, começa a fazer coros no grupo mais referenciado desta província, onde a cena do Rap era muito forte e, até certo ponto, revolucionou o estilo em Moçambique. Preocupado com as harmonias, frequenta uma escola de canto e vai fazendo Soul e R&B.
Procura outros horizontes, parte para Maputo, para frequentar a formação universitária em Economia e, em paralelo, fazer música, como ele afirmou, com uma sonoridade bem diferente, pois foi introduzindo outros elementos na Soul, com letras diferentes e a sonoridade do Norte de Moçambique.
O artista reconheceu que poderia “aparecer” antes, mas não encontrava pessoas que entendessem a sua proposta musical.
Actualmente, está a preparar o seu segundo disco, uma mega-produção, que, mais uma vez, será gravado em Moçambique, agora num estúdio inaugurado no ano passado e que é considerado um dos melhores do continente. Deltino Guerreiro diz que gostaria de trabalhar com os angolanos Totó ST, Aline Frazão e Totty Samed, que estão na mesma onda musical. E isso, segundo o próprio, só não se efectivou por falta de contactos. Ele não descarta parcerias com artistas fora da sua zona de conforto, já que, sustenta, “isso o levaria para um outro público e o seu público conheceria outras sonoridades”.
Assume ser um admirador de Totó ST, que considera ser uma das suas influências musicais, chegando algumas pessoas a achar, diz Deltino, que têm timbres vocais semelhantes.