“Vamos colocar a Física no seu devido lugar”
A par da Matemática, é a Física uma disciplina basilar na formação de engenheiros, esses profissionais que tanta falta fazem ao desenvolvimento de Angola. Presidente da Sociedade Angolana de Física (SAF), chefe do Departamento de Ensino e Investigação em Ciências Exactas e coordenador dos mestrados em Ensino das Ciências no ISCED/Huíla, Jorge Mayer fala do estado actual do ensino da Física em Angola Participou, recentemente, no município da Humpata, província da Huíla, nas primeiras jornadas científicas de Física. Qual foi a essência do certame? E qual é o papel da Física para o desenvolvimento do país?
Realizámos as primeiras jornadas da Sociedade Angolana de Física. Mas antes de falar sobre o certame, gostaria de dizer que a SAF é uma organização sem fins lucrativos, de âmbito nacional e com sede na cidade do Lubango, província da Huíla. Congrega físicos, engenheiros, professores de Física, estudantes e interessados.
Então, qual é o objectivo geral da Sociedade Angolana de Física?
Temos vários objectivos gerais. Um deles é desenvolver actividades que congreguem físicos, engenheiros, professores e estudantes de Física, e outros interessados, para melhorar o processo de aprendizagem do curso de Física. Um outro objectivo é incentivar, inovar ideias em Física com aplicações sociais, científicas, tecnológicas e ambientais. Os objectivos gerais da Sociedade Angolana de Física enquadram-se no lema “Física para o desenvolvimento equilibrado”, adoptado pela 3ª Conferência de Física dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que decorreu de 30 de Maio a 1 de Junho último, em São Tomé e Príncipe. A SAF esteve na comissão de organização e na comissão científica deste evento. Participei na conferência como membro da comissão científica e como prelector de uma das plenárias. Falei de um conceito simples, o de “movimento mecânico”.
Porquê essa abordagem?
O movimento mecânico é um conceito a que as pessoas não dão importância ou valor, mas é fundamental para o desenvolvimento equilibrado, já que tudo passa por ele. A geração de energia eléctrica, por exemplo, é um fluxo ordenado de electrões numa determinada direcção. Ainda mais, o movimento das águas, como é, por exemplo, o caso da barragem da Matala, na Huíla, é também um movimento mecânico, que faz actuar as turbinas e gerar a energia eléctrica. O conceito de movimento mecânico tem de ser tratado como tal. E deve ser abordado a partir do ensino primário, onde o aluno tem de saber, desde já, que é um conceito-chave para o desenvolvimento sustentável das sociedades. Abordei o tema na conferência e a reacção dos participantes foi bastante positiva, porque perceberam que o conceito de movimento mecânico estava presente na abordagem de todas as comunicações.
Quais são as recomendações saídas da conferência, em benefício de Angola?
A nossa participação foi bastante proveitosa. Além dos membros de Luanda, a maior representatividade da delegação de Angola foi dos físicos do Lubango, membros da SAF. Isso ficou bem patente. Tanto mais que as sociedades de Física do Brasil e de Portugal evidenciaram o ganho e parabenizaram a nossa participação. Como uma das recomendações, na qualidade de presidente da SAF, fui indicado para participar na Comissão Instaladora da União dos Físicos dos Países de Língua Portuguesa. A primeira reunião dessa comissão realiza-se em Portugal, em Novembro deste ano, para tramitação da legalização da União dos Físicos.
E o que tem a dizer sobre as jornadas científicas decorridas no município da Humpata?
A SAF tem um leque de actividades para o quadriénio 2019-2022 e uma delas foi a comemoração do Dia Internacional da Física, celebrado a 19 de Maio. A ideia da Sociedade Angolana de Física é instituir o 19 de Maio como Dia do Físico Angolano. Aproveitámos para exprimir essa intenção.
Qual é a importância da Física?
A Física proporciona um desenvolvimento equilibrado e sustentável. Ou seja, todos os conhecimentos de Física devem ser utilizados para o benefício da sociedade. Nessa perspectiva, os professores de Física, e outros interessados, estão nesta dinâmica de apresentar as suas intenções a nível nacional, para que a sociedade perceba qual é o papel da Física. É também intenção da Sociedade de Física saber qual é o tipo de Física que é dada a partir do ensino primário até à Universidade, para sugerir opções.
A Física tem um papel múltiplo no desenvolvimento das sociedades. Veja que nos aeroportos, nos estabelecimentos comerciais, e não só, não encontramos ninguém à porta. Mesmo assim, ao nos aproximarmos, as portas abrem-se. Isto é Física. O exame de ressonância magnética, nos hospitais, também é Física. É bom que as pessoas percebam isto e, a partir daí, podemos apresentar os aspectos mais elementares da Física do ensino primário ao secundário, para que os alunos percebam a importância da Física para o desenvolvimento e que optem em formar-se nessa área, já que ela toca todas as esferas da sociedade.
O perfil de entrada de muitos estudantes que optam pelo curso de Física é aceitável ou ainda têm muitas debilidades?
A nível nacional, e mesmo mundial, há muito poucos físicos, porque este curso é muito exigente. Exige muitos conhecimentos de matemática, química, geografia e de outras disciplinas. E muitos candidatos não gostam dessas exigências. É preciso gostar da Física para perceber isto. Sendo um curso muito exigente, é lógico que tenhamos poucos formados nessa área.
O que tem a dizer sobre os programas de ensino da Física?
Há muitos problemas em termos de programas. Temos de saber que a Física é dada a partir do ensino primário ao secundário do II Ciclo, e no ensino técnico profissional. Daí que tem de haver uma relação lógica de sistematização dos conteúdos. Há determinados conteúdos que deviam ser dados do ensino primário até ao secundário e isso não acontece. Esses conhecimentos são a base para a percepção dos conhecimentos de Física no ensino superior. Logo, há uma rotura e, em função disso, problemas de consolidação dos conhecimentos de Física.
E como é vista a questão dos laboratórios?
A SAF pauta pela existência de laboratórios. Temos de ter laboratórios, dos mais simples aos mais complexos. No ensino primário e no secundário é preciso ter laboratórios sociais de salas de aula, para realizar as experiências mais fáceis. Por exemplo, os alunos do ensino primário utilizam balões quando comemoram os seus aniversários. É preciso que saibam porquê que o balão voa e, no ensino secundário, ele vai já obter conhecimentos que sustentam essa experiência tão simples, que pode ser feita na sala de aula. Depois, ele vai aprofundar e sistematizar tais conhecimentos em laboratórios, porque a Física é uma ciência puramente experimental.
Por que é que a Física é uma ciência experimental?
Tudo que se diz na Física tem que ser comprovado experimentalmente. E isso exige condições. É preciso ter laboratórios. Não podemos ter um ensino paliativo da Física, isso não funciona. É uma das tarefas da Sociedade Angolana de Física estabelecer parceria com o Ministério da Educação, principalmente com o INIDE (Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação), por ser uma instituição de desenvolvimento e investigação em educação. Vamos fazer parcerias com o Ministério da Educação, o Ministério do Ensino Superior e com centros de investigação. Também é intenção da SAF, quiçá dentro de alguns anos, criar um centro de investigação. Para isso, vamos andar, realizar actividades sobre a importância da Física no quotidiano e, a partir daí, mobilizar sensibilidades para nos apoiarem. A Física tem de ser entendida como um factor de desenvolvimento. Mas deixa-me dizer que a SAF convidou o secretário de Estado para o Ensino Técnico-Profissional, Jesus Baptista, para falar sobre a Física em Angola, nas Primeiras Jornadas de Física, realizadas na Huíla. O secretário de Estado gostou, mas, por força de calendário, esteve ausente. Estamos a envidar esforços para perceber como a Física está em Angola, para criarmos parcerias e tentar mudar o quadro. Primeiro vamos diagnosticar e saber como está, para depois tentar colocar a Física no seu devido lugar.
Qual é a importância da Física nos hospitais?
Temos professores de Física e de Matemática que estão a fazer o seu doutoramento na Universidade da Beira Interior, em Portugal, exactamente ligados à área da Física na saúde. Um dos temas de doutoramento tem a ver com o nível de radiação nas águas e no ar que a gente respira. Isto é Física na área da saúde. Temos uma doutorada no Brasil, precisamente em Ressonância Magnética.
Em Angola fala-se muito da Física?
Nem por isso. Fala-se mais da Física nas escolas ou cursos. Mas quanto a abordar a Física de uma forma ampla, ainda há lacunas. É importante que determinadas organizações mostrem isso. É uma tarefa difícil, em que todos temos de apostar.
Na qualidade de responsável do Departamento de Física do ISCED da Huíla, é positiva a relação entre estudantes candidatos e apurados ao ensino superior?
Há sempre muitos candidatos, mas em termos de números são poucos os que entram. É o que eu dizia, há problemas nos programas de Física do ensino secundário e constatamos isso nos exames de acesso.
E qual é a recomendação que faz?
É necessário que a universidade saiba o tipo de Física que é dada no ensino secundário, para que não haja problemas quando um estudante tenta ingressar no ensino superior.
Como é que o ISCED está, quanto a laboratórios?
Em termos de laboratórios estamos mal. Temos no ISCED duas salas, uma delas funciona como laboratório de Física, mas não é um laboratório como tal. Obtivemos uma informação de que o Governo Provincial da Huíla comprou laboratórios de Física, Química e de Biologia, que vão ser entregues ao ISCED. Temos material completo de laboratório de Química em armazém e estamos a ver onde colocar esses equipamentos. Além disso, temos uma sala de Química, com equipamentos para realizar as experiências mais elementares, que são programadas através de cada uma das disciplinas, nomeadamente Métodos Experimentais e Análises Químicas. Também temos tido muitos problemas em realizar experiências em electricidade, bem como na área de electrónica, já que estamos desprovidos de materiais. De uma maneira geral realizam-se experiências elementares de Física, que são a base para que os estudantes compreendam as experiências que realizaram no ensino secundário, por serem similares.