“Zonas Territoriais de Turismo”
Considero importante que, apesar da existência do Plano Nacional de Turismo, e, até pela importância do tema, se avance para um plano emergencial baseado numa visão de detalhe gradual, visão cirúrgica na criação de “Zonas Territoriais de Turismo” e não numa visão do todo nacional a alcançar num só quinquénio, do tudo ou nada. Todos entendemos que as finanças foram depauperadas para se ter uma visão de investimento global. As considerações que trago sobre essa estratégia, longe de serem considerações de grande escala nacional, têm o seu objecto nuclear e preferencial na identificação do que estou a chamar de “zona territorial de turismo”, deixando nesse ensaio o exemplo da região que é Luanda.
Assim, os investimentos para essa grande transformação urbana e paisagística deveriam ter um carácter excepcional, quer no seu montante, na celeridade de aprovação dos projectos que seriam submetidos a concurso público. Os recursos então empregados devem beneficiar a excelência dos perfis arquitectónicos, fugindo das soluções de estilo galinheiro que vão marcando o portfólio de obras públicas. O nosso país, para alterar a sua baixa capacidade de gerar riqueza, terá de incluir nas prioridades o vector do turismo, e, por essa via, fazer crescer os índices das contas das exportações e do emprego. Mas para que esse boom ocorra com sucesso, precisa de cuidar dos quatro “R”, em concreto: requalificação, reabilitação, regeneração e regulação ambiental, sem os quais não existirá turismo de peso que traga o turista sénior, que surge como consequência do envelhecimento demográfico.
Os europeus têm essa capacidade adicional de edificar a Indústria do Turismo, porque através da União Europeia têm substanciais linhas de financiamento para o efeito, um quadro comunitário de linhas que promovem a construção de hotéis, de novas zonas requalificadas, dando igual importância à coesão social. Os africanos, na falta de um mercado comum, infelizmente não têm como ter um suporte de financiamento mais barato, mais sólido e contínuo, uma posição que resulte de interesses comuns e possam preparar as bases para um turismo que melhore os países, já que têm um turismo que resulta e muito da exuberância da natureza que está aí, mas que corre o risco de dar lugar aos musseques e cavernas de exploração de inertes, estragos já visíveis no nosso litoral.
Eu proponho uma visão muito mais micro, e, nessa perspectiva, aponto como activos essenciais, os ovos de oiro de Luanda, as suas duas línguas de Ilhas, concretamente a velha Ilha de Luanda e a abandonada ilha da “Praia do Sol” (Chicala), e o território Ilha do Mussulo, zonas sitiadas pelo caos. A quarta zona corresponde às longas praias rasas ainda virgens de Cabo Ledo, um mar de mais de cem quilómetros ladeado de terra fina branca, cintada pela beleza estonteante das falésias, zona propícia à prática de pesca grossa e do surf. Atenção! Essa é uma zona que alguns “latifundiários” de bolsos vazios, com cercas de arame, privatizaram as melhores partes, como se tivessem usado arames presos em roldanas colocados em jeeps, para atingirem os milhares de hectares onde cabem por inteiro alguns países. A esse mal político, juntemos o espírito destrutivo das empresas de grandes obras, nacionais e estrangeiras, que no afã de lucro fácil, com camiões basculantes, destroem o que a natureza levara milhões de anos a consolidar: as areias brancas das praias desse belo litoral que, em muitas zonas, é seguida pela estrada asfaltada que divide o “longo musseque” na sua margem direita de segurança, uma fronteira que poderá ser rompida pela força da miséria que grassa nesses territórios sem fiscais.
São quatro pilares de turismo baseado na oferta de sol e mar, elementos essenciais que têm marcado o desenvolvimento das Ilhas Maurícias, Cabo Verde e Madagáscar. Nessas ilhas, os seus turistas são levados do aeroporto, sem direito a paragens, directamente para os resorts, verdadeiros oásis, onde podem desfrutar do sol e da tranquilidade quase virgens, deixando o quadro de feiura e de algum caos do percurso e vilas para os visitantes mais envolvidos nas leituras sociológicas e políticas. Esses turistas não procuram o betão envidraçado de grandes torres de 150 andares, das grandes avenidas lotadas de viaturas, é como se cada turista, proveniente de todos os quadrantes do mundo, só precisassem desse regresso à natureza idílica. Querem poder sentir na planta dos pés os formigueiros provocados pelas pedras da praia e a sinfonia do marulhar do mar.
A quinta zona territorial deve corresponder à região mais interior da Foz do Rio Kwanza e o Parque da Kissama, por excelência zonas de turismo ecológico, parques e reservas naturais que estão a ser revitalizadas e em áreas pouco habitadas, onde o rudimentar é preponderante. Merece ainda ser destacada a imponência do Rio Kwanza, que se atira veloz e esguio contra o Oceano Atlântico, mas é protegido pelas margens de mangais e árvores imponentes que levam o nosso imaginário para o como terá sido a origem do mundo.
Porque as primeiras quatro zonas territoriais de turismo têm muitos casebres e musseques, proponho, como primeira medida, que o Executivo atribua o direito de propriedade às famílias titulares das casas, mesmo que seja numa condição jurídica precária, numa relação ainda de força, para que prevaleça o direito de confiscos dos talhões, naturalmente sem os factores especulativos e se tornem esses espaços urbanos como partes dessas zonas territoriais de turismo, mas construindo com boa arquitectura os prédios sociais nas zonas requalificadas, cujos apartamentos servirão de troca e respeitarão o número nuclear da família como um trespasse equilibrado e digno das grandes visões de inclusão social.
Não interessa que esse processo venha a provocar o confinamento em guetos dos moradores que ganhem os títulos de propriedade. É um grave erro social que tem sido alimentado por políticas públicas pouco sensíveis em empurrar, todos os deserdados dessas zonas, para as zonas do Zango ao Panguila, potenciais cancros sociais das zonas periféricas. Em Toronto e muitas outras capitais, 30 anos depois, é hoje tarefa dos Executivos desses belos países destruir os guetos que só foram geradores de desequilíbrios sociais, e geradores até de discriminação e de focos de insegurança. Essas nações fortes espiritualmente lutam por ter uma carta de cidadania que integra prédios sociais nos melhores espaços urbanizados, partilhando os melhores jardins e equipamentos com a elite.
Um outro “R”, que deve merecer uma forte prioridade, é o saneamento básico, já que Luanda, infelizmente, deita ainda as suas águas putrefactas dos WC e cozinhas para a linda baía, que deveria ter uma água límpida, tornando-se numa zona para os desportos náuticos, surf e mergulho, desportos que fazem parte dos pacotes de preferências dos turistas. A cidade, infelizmente, tarda em pensar construir a sua ETAR como um desiderato inadiável. Todos os dias, ao cair da tarde, diante de nossos olhos, o triste cenário de toneladas de garrafas de plástico, fezes e outros lixos que são levados pelas ondas para as calçadas da marginal e outras tantas toneladas para as praias. É um sinal claro de que os nossos banhistas, restaurantes e habitantes agem todos contra o ambiente. Registamos uma gritante falta de cultura ambiental e se não formos educados, algo que deve ser passado nas escolas, efectivamente não teremos turistas que queiram ter os banhos de sol nessas condições.
Para que os turistas internos entendam que é possível, em cinco anos, alterar para melhor as línguas de duas Ilhas, desafio-vos a visitar a zona requalificada, localizada perto do antigo Hotel Panorama, no âmbito do “Projecto Baía”, cuja estratégia deveria ser ainda inspirativa para que sejam criados os micro territórios do turismo. Essa nova zona é convidativa, tem zonas pedonais e terá o devido equilíbrio paisagístico. A sua moldura arquitectónica puxa pelo belo, é cosmopolita. Imaginem se esse exemplo se multiplicasse em cada hectare das ilhas paupérrimas de Luanda, através de uma visão que recuperasse a ousadia do projecto e pudesse o Executivo ser até mais ambicioso retirando a Base Naval da Ilha. Essa visão, sem dúvida, poderia transformar as ilhas no primeiro espaço urbano sem os endémicos musseques, com ilhéus felizes, integrados e hospitaleiros, porque o turismo implica isso mesmo, é também gerador da coesão social que tanto faz falta ao país.