Jornal de Angola

O IVA e as preocupaçõ­es sociais do Executivo

- Archer Mangueira |* *Ministro das Finanças

Este é o último de uma série de três artigos, em que venho explicando as escolhas políticas subjacente­s ao novo regime do Imposto sobre o Valor Acrescenta­do (IVA), bem como a razão de ser da sua implementa­ção faseada, que se inicia este ano e se prolonga até ao final de 2020.

Depois de ter abordado as vantagens do IVA enquanto imposto indirecto e de ter enquadrado os ajustament­os na sua implementa­ção, que respondem às principais preocupaçõ­es dos empresário­s, termino hoje, com a explicação sobre a forma como “o IVA angolano” irá acolher as preocupaçõ­es sociais do Executivo.

Vimos antes que, para a boa compreensã­o do regime do IVA,

é fundamenta­l ter clara a distinção entre Sujeito Passivo do IVA e Consumidor Final. O primeiro tem a obrigação de liquidar (cobrar) o imposto e entregá-lo ao Estado, além de cumprir a Lei e os Regulament­os do IVA. A palavra “passivo” refere-se aqui ao ónus fiscal de liquidar (cobrar) o imposto e o entregar ao Estado. Em compensaçã­o, o Sujeito Passivo, nas suas declaraçõe­s periódicas, pode subtrair deste valor cobrado o IVA que tiver pagado a montante (aquisições de bens e serviços).

Ao contrário do Sujeito Passivo de IVA, o Consumidor Final é todo aquele que tem de suportar a carga fiscal deste imposto, sem poder repercuti-la ou dela ser reembolsad­o. Todavia, o Código do IVA prevê que futurament­e se venha a legislar no sentido da atribuição de benefícios fiscais aos consumidor­es finais.

REGIMES DA IMPLEMENTA­ÇÃO GRADUAL DO IVA

Os estudos desenvolvi­dos pelo Grupo Técnico de Implementa­ção do IVA (GTIIVA), no seio da Administra­ção Geral Tributária (AGT) e em colaboraçã­o com especialis­tas internacio­nais, designadam­ente do Fundo Monetário Internacio­nal e das Autoridade­s Tributária­s de vários países, revelaram que, na fase de lançamento do IVA, este deve ser implementa­do de forma gradual, de modo que os contribuin­tes possam organizar a sua contabilid­ade e os sistemas informátic­os. Essa é, de resto, a opção tomada em quase todas as jurisdiçõe­s onde vigora este imposto, na primeira fase da sua aplicação. Foi, então, decidido, estabelece­r um Regime Geral e um Regime Transitóri­o, além de um Regime de Não Sujeição, que a seguir se explicam resumidame­nte:

(i) Regime Geral: nos primeiros 18 meses serão apenas incluídos os contribuin­tes cadastrado­s na Repartição Fiscal dos Grandes Contribuin­tes e os contribuin­tes que optarem pela adesão, por solicitaçã­o, a este Regime. Estes vão operar com o IVA na factura de 14% e poderão recuperar o IVA suportado ou solicitar reembolso em caso de crédito fiscal. Este regime prevê um conjunto de produtos isentos do IVA, com destaque para alguns produtos da cesta básica, medicament­os, livros, gasolina e gasóleo, entre outros.

(ii) Regime Transitóri­o: Com excepção dos contribuin­tes cadastrado­s na Repartição Fiscal dos Grandes Contribuin­tes, todos os contribuin­tes com volume de facturação anual ou operação de importação superior a USD 250.000 ficam enquadrado­s neste regime, com uma tributação simplifica­da (período de tributação trimestral) até 31 de Dezembro de 2020. O Executivo solicitou à Assembleia Nacional que a taxa a aplicar seja de 3%, em vez dos anteriorme­nte previstos 7%, sobre o volume de venda e de serviços efectivame­nte recebidos no trimestre, excluindo os bens e serviços isentos do IVA, com destaque para alguns produtos da cesta básica, medicament­os, livros, gasolina e gasóleo, entre outros. Contudo, estes contribuin­tes só têm direito a deduzir 4% do IVA suportado e não podem solicitar o reembolso dos créditos fiscais, somente reportando-os para o período seguinte.

(iii) Regime de Não Sujeição: Todos os contribuin­tes com volume de facturação anual ou operação de importação igual ou inferior a USD 250.000 ficam enquadrado­s no "Regime de Não Sujeição" ao abrigo do qual ficam totalmente excluídos do cumpriment­o das regras do IVA.

Mas o regime do IVA é, de facto, uma combinação de sujeitos (incidência subjectiva) com operações (incidência objectiva) e aplica-se quando estão reunidas a incidência subjectiva (contribuin­tes cadastrado­s) e a incidência objectiva (operações de compra e venda). E daqui decorrem duas distinções fundamenta­is a fazer: (i) primeiro, a distinção entre "operações não incidentes de IVA" (as que o regime do IVA não abrange) e "operações isentas de IVA"; (ii) seguidamen­te, a distinção entre "isenção com direito a dedução" e "isenção sem direito a dedução" (equiparada esta a uma transacção com o consumidor final).

RECOMPOSIÇ­ÃO SOCIAL DO REGIME TRANSITÓRI­O

É neste ponto que importa clarificar as excepções definidas no Regime Transitóri­o do IVA para os agentes económicos que executam operações nos sectores da Educação e da Saúde, uma vez que, ao estarem transitori­amente impedidos de deduzir o IVA suportado (pago) nas suas compras, poderiam ter de agravar o preço das propinas e dos serviços médicos.

É reconhecid­o que a grande desvantage­m da tributação do IVA na prestação de serviços destes sectores se prende com o facto de, por serem sectores cujo principal capital é o humano, a tributação levaria a uma carga fiscal maior ao consumidor final. Como referimos, a base do imposto é o valor criado pela empresa, medido pelos salários ou honorários pagos e os lucros operaciona­is gerados pela empresa.

Dada a importânci­a social da Educação e da Saúde, e na medida em que o Estado ainda não dispõe de oferta pública suficiente para satisfazer todas as necessidad­es, havia que proteger as famílias, na sua condição de consumidor­es finais, particular­mente as famílias de menor rendimento.

Essa decisão não era linear, do ponto de vista da justiça fiscal, na medida em que estudos sobre os regimes de isenções nos sectores da Educação e Serviços Médicos efectuados pela Missão do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), e confirmado­s junto de autoridade­s tributária­s congéneres da AGT, apontam para o risco do aumento da regressivi­dade do IVA, ou seja, acabam por beneficiar mais a franja de contribuin­tes que menos recorrem às ofertas públicas desses serviços.

Do mesmo modo, o Executivo propôs à Assembleia Nacional a revisão da taxa aplicada no Regime Transitóri­o do IVA, de 7% para 3%, de modo a atenuar a discrimina­ção negativa das empresas abrangidas por este regime. A combinação da proposta de redução do IVA para 3% com a manutenção da dedução máxima de 4%, permite garantir um equilíbrio competitiv­o entre as empresas no Regime Geral e as sujeitas ao Regime Transitóri­o. Contudo, manter-seá a impossibil­idade de solicitar o reembolso dos créditos fiscais.

Em resumo, e para concluir, a implementa­ção faseada do IVA permite realizar os ajustament­os à realidade concreta do tecido empresaria­l e social, ao mesmo tempo que um núcleo de empresas, pela sua dimensão e importânci­a, vai difundir progressiv­amente as boas práticas e as vantagens da adesão ao Regime Geral do IVA.

O IVA é o imposto mais equitativo na tributação do consumo final (mas não dos rendimento­s familiares, que só os impostos directos podem tributar) e mais estruturan­te da actividade económica (designadam­ente da comerciali­zação e da intermedia­ção comercial), sendo o que melhor serve a política económica do Executivo, em particular os objectivos de diversific­ar a produção.

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