Tudo parece conspirar contra a aldeia Kavissi 2
No mesmo dia em que o Presidente João Lourenço inaugurava e visitava diversas estruturas no Lubango, Kavissi 2 parecia noutra frequência; a vida passeava normalmente nos sulcos de uma picada mal cuidada, rebentada pelas chuvas
Tudo parece conspirar contra a aldeia Kavissi 2, comuna de Chicuaqueia, município de Cacula, província da Huíla. Sobre os sonhos da Associação Tulivunguende, criada em 2011, falam Adão Kassoma e Dionísia Ngueve. Investiram em meios de transporte, numa moageira e num centro de transformação de batata-doce em bolos, que chegou a fornecer a merenda escolar. Hoje, está tudo parado. No mesmo dia em que o Presidente João Lourenço inaugurava e visitava diversas estruturas no Lubango, Kavissi 2 parecia noutra frequência. Longe do rebuliço da política, a vida passeava normalmente nos sulcos de uma picada mal cuidada, rebentada pelas chuvas e pela falta de manutenção.
Quando chegámos à aldeia Kavissi 2, comuna de Chicuaqueia, município de Cacula, província da Huíla, estavam quatro cadeiras azuis de plástico dispostas em círculo debaixo de uma árvore. Depois trouxeram mais, onde falámos com Adão Kassoma e Dionísia Ngueve, sobre os sonhos da Associação Tulivunguende, criada em 2011. Desde essa altura que investiram em meios de transporte, numa moageira e num centro de transformação que chegou a fornecer a merenda escolar. Está tudo parado.
No mesmo dia em que João Lourenço inaugurava e visitava diversas estruturas no Lubango, Kavissi 2 parecia noutra frequência. Longe do rebuliço da política, a vida passeava normalmente nos sulcos de uma picada mal cuidada, rebentada pelas chuvas e pela falta de manutenção. Naquela manhã, o frio do Cacimbo tinha levantado o pé e o sol rasgava um céu azul imaculado.
Ao visitar a moageira, construída pela associação, em parceria com a equipa local da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), no âmbito do projecto Kumosi (financiado pela União Europeia e pela organização alemã Pão Para o Mundo), Dionísia Ngueve aponta para a máquina que deveria pisar o milho para transformá-lo em fuba. Como é a base alimentar das famílias da região, a fuba de milho pode ajudar a aumentar os rendimentos no meio rural, devido à elevada procura e consumo generalizado.
“Neste momento, é necessário substituir algumas peças que estão com problemas. A máquina deixou de trabalhar e para reparála precisamos de cerca de 50 mil kwanzas. Necessitamos de apoio para repará-las”, disse Dionísia Ngueve, que afirma ter 40 anos. Mas parece ter muitos mais.
Também fora de linha está o centro de transformação, construído em 2013, que é capaz de transformar a batatadoce alaranjada e a abóbora em bolos, bolinhos e sumos naturais e ainda fabricar pãode-ouro (produzido com batata-doce). Ou seja, duas das grandes conquistas da Associação Tulivunguende, que começou com 80 membros e agora conta com 138, sofrem com problemas técnicos, no caso da moageira, e com a falta de clientes, no caso do centro de transformação. Para agravar a situação, a caleluia da associação também está avariada. Nas aldeias vizinhas há outras moageiras operacionais.
O centro de transformação, que também foi construído nos mesmos moldes da moageira, começou por servir uma função social, prevista nos estatutos da Associação Tulivunguende: fornecer a merenda escolar às crianças da aldeia Kavissi 2. Adão Kassoma, 50 anos, explicou por quê.
“Naquela altura, entre 2013 e 2014, as crianças estavam a passar fome devido à seca. As crianças estavam a fugir da escola e decidimos fornecer a merenda escolar como forma de mitigar os problemas e motivar a sua presença nas aulas”, disse o fiscal da Associação Tulivunguende.
A iniciativa transformouse numa oportunidade económica. Ficou claro que a própria comunidade pode ser prestadora de serviços, nomeadamente, ao nível da merenda escolar, que é um projecto com inúmeras deficiências: atinge apenas uma pequena percentagem das escolas do país, privilegia a relação com grandes fornecedores (que não estão presentes em determinadas zonas, dificultando e encarecendo a logística de entrega dos alimentos) e fornece um conjunto de produtos sem relevância nutricional.
Especialmente no meio rural, até pelas suas características ao nível da produção de alimentos (as escolas estão nas imediações das lavras), a solução pode estar à porta de casa.
Os agricultores estão descapitalizados, por falta de financiamento, apoio técnico, pelas dificuldades de escoamento dos produtos e pela inexistência de uma rede comercial que una o campo e a cidade. Caso fornecessem a merenda escolar, estaria resolvida parte dos problemas de escoamento e de rendimento, já que as administrações municipais pagariam pela prestação de serviços.
Seria uma forma de promover as iniciativas económicas locais. A picada de acesso à aldeia acaba por ser a única ligação ao mercado. É por ali que entram as carrinhas que compram a produção camponesa para revender no Lubango ou em Benguela.
“É verdade que, no presente ano lectivo, a associação não está a fornecer a merenda escolar. Quer dizer, de vez em quando ainda prestamos este serviço, só que continuamos à espera de uma resposta da administração. Quando recebemos a visita do ex-vice governador da Huíla, Sérgio Cunha Velho, prometeu que iríamos ser incluídos na lista de fornecedores da merenda escolar. Mas até agora nada foi concretizado”, explicou Adão Kassoma.
Os bolos e bolinhos de batata-doce e abóbora já se transformaram numa marca da aldeia. Até João Lourenço recebeu um exemplar de oferta durante os festejos do 11 de Novembro de 2017, que aconteceram no município huilano da Matala.
Inclusivamente, a receita tem sido exportada para o mercado da grande cidade, por via das participações na Expo Huíla (um bolo do tamanho de uma forma normal é vendido a 2.000 kwanzas) e do Boca-a-Boca.
A fama é tanta, que membros de outras comunidades da região deslocam-se a Kavissi 2, para conhecer os truques necessários à sua confecção. O centro de transformação tornou-se numa atracção da vida rural nas imediações de Cacula. Marcas da guerra O preço de um bolo inteiro é o equivalente a uma deslocação à cidade, seja Benguela ou Lubango. Ir e voltar a Kavissi 2 são 4000 kwanzas por pessoa, um valor significativo para uma família do meio rural. A falta de uma