Angola mais africana
Angola foi vítima do esclavagismo mais demorado e mais tempo de ligação e dependência do invasor que insistiu em destruir os saberes antigos, nossas epistemologias diversas que mesmo assim, foram, semi-destruídas fazer sambas, blues e inventar fintas de futebol e grandes astros de basquetebol.
Os reinos que foram destruídos nesta parte de África haviam de ser “desenhados” para a designação de Angola. Os historiadores que contem. A movimentação de populações do planalto central para as plantações do café, do sisal, algodão ou pesca e seca de peixe, obrigou as populações a uniremse contra o invasor comum.
Os portugueses foram “aperfeiçoando” o sistema de exploração e acumulação de capital, construindo fortificações, cidades e, principalmente, destruindo a resistência bailunda com a abertura do Caminho de-Ferro de Benguela. Sempre que dividiu os angolanos uniram-se.
Não herdaram mas conquistaram a língua portuguesa como um dos elementos de unidade nacional.
Os países mais antigos do mundo mantiveram pilares, alguns, antes de Cristo, caso, por exemplo, das cidades de Atenas e Esparta na Grécia e de Roma em Itália ou do Cairo no Egipto.
No nosso caso houve um epistimícidio, a destruição contínua do conhecimento ancestral, o massacre do mais importante no ser humano, obrigando-o a desconhecer-se a si próprio como se sua existencialidade se tivesse esquecido de si própria.
Com a estúpida guerra civil importada da guerra fria mais as pessoas de diversas regiões se aproximaram. E, na hora da independência, já éramos UM SÓ POVO E UMA SÓ NAÇÃO. Tínhamos e temos o factor mais importante para um país escravizado durante quinhentos anos. Conseguíamos uma identidade nacional composta por diversas identidades regionais, religiosas e linguísticas. A diversidade valoriza a unidade e a música serve de exemplo.
No entanto, ficámos, penso, o país africano mais de costas viradas para África. No tempo da grade de cerveja como moeda, toda a gente viajava para Portugal ou Brasil. Houve uma viragem para a África do Sul e Namíbia. Mas no que toca a idiossincrasia, ficámos com o bacalhau, camisas de clubes de futebol português ou espanhol, penduradas para os miúdos comprarem…
Um amigo meu do Burkina convidou-me para visitar seu país. Ele comentava como é que eu andava sempre em congressos na europa e américa latina e não andava por África. Respondi-lhe que já havia estado em congresso na África do Sul, no “Time of writers” de Durban, por exemplo. Mas não era aí que ele queria chegar. Era que os africanos costumam passar férias noutros países africanos que se conhecem e trocam livros e se traduzem reciprocamente.
Tinha razão. Caímos no novo cordão umbilical da CPLP e a mística da lusofonia. Eu conheço alguns países africanos: Zimbabwe (desde o tempo em que havia flores), Botswana, Namíbia, etc. Na África do Sul tentei a troca de tradução literária com a sul-africana em swali. Perdi. Faltavam as estruturas do Estado. A nossa União de Escritores, conseguiu algumas conquistas nas trocas de traduções. Mas não é só isso. Os milionários sabem que a legalidade na África do Sul tem um valor herdado do direito anglosaxónico. Lavagem de dinheiro ali é difícil. Então vão comprar os palácios em Portugal, lavam dinheiro, corrompem magistrados e mostram que é a única colónia que dá bafos ao ex-colonizador obrigandoo a remeter um processo judicial para aqui. De resto, a classe média vai às sardinhas a Portugal e professores universitários angolanos, aqui, mandam os filhos estudar para a América ou Inglaterra… e ficamos todos contentes porque as europeias sem bunda entram em transe no kuduro!
Afinal, nem ao menos se conseguem excursões regionais. Estudantes daqui passarem um mês em Moçambique. Estudantes sul-africanos virem passar férias aqui. Organizar-se uma antologia literária, para o 2º nível com textos de grandes escritores africanos. Livros com receitas gastronómicas de outros países, pelo menos da nossa região, desamarrando-nos um pouco do bacalhau. Só agora um supermercado de um amigo, a meu conselho, foi aprender estufa para carne seca que já vende e tenho comido depois de ter comido quizaca e óleo de palma importado da indonésia… e demorou a bebermos água das nossas cacimbas, tratada e engarrafada, porque bebeu (quem podia) muita água importada enquanto nas nascentes da antiga “pedra de água” se lavavam carros.
Temos de ser mais África o que não significa desprezar os horizontes difíceis da globalização que se interroga a si mesmo nem da era da digitalização que implica uma velocidade que não pode ser omitida na nossa maneira de estar no mundo, e a digitalização joga papel importante com aquilo a que pertencemos: África, antes da lusofonia, antes da CPLP.
Vi, com orgulho, na televisão portuguesa, um quadro angolano dando aula soberana sobre a nossa região austral e sua economia em tratamento horizontal. Ainda lhe perguntaram se seria como a comunidade europeia. Disse que não. Horizontal e com o princípio fundamental do consenso uma das bases da resistência ancestral. E viva África, os zimbos e os espíritos que atravessaram o mar para o outro lado.