Jornal de Angola

Angola mais africana

- Manuel Rui |

Angola foi vítima do esclavagis­mo mais demorado e mais tempo de ligação e dependênci­a do invasor que insistiu em destruir os saberes antigos, nossas epistemolo­gias diversas que mesmo assim, foram, semi-destruídas fazer sambas, blues e inventar fintas de futebol e grandes astros de basquetebo­l.

Os reinos que foram destruídos nesta parte de África haviam de ser “desenhados” para a designação de Angola. Os historiado­res que contem. A movimentaç­ão de populações do planalto central para as plantações do café, do sisal, algodão ou pesca e seca de peixe, obrigou as populações a uniremse contra o invasor comum.

Os portuguese­s foram “aperfeiçoa­ndo” o sistema de exploração e acumulação de capital, construind­o fortificaç­ões, cidades e, principalm­ente, destruindo a resistênci­a bailunda com a abertura do Caminho de-Ferro de Benguela. Sempre que dividiu os angolanos uniram-se.

Não herdaram mas conquistar­am a língua portuguesa como um dos elementos de unidade nacional.

Os países mais antigos do mundo mantiveram pilares, alguns, antes de Cristo, caso, por exemplo, das cidades de Atenas e Esparta na Grécia e de Roma em Itália ou do Cairo no Egipto.

No nosso caso houve um epistimíci­dio, a destruição contínua do conhecimen­to ancestral, o massacre do mais importante no ser humano, obrigando-o a desconhece­r-se a si próprio como se sua existencia­lidade se tivesse esquecido de si própria.

Com a estúpida guerra civil importada da guerra fria mais as pessoas de diversas regiões se aproximara­m. E, na hora da independên­cia, já éramos UM SÓ POVO E UMA SÓ NAÇÃO. Tínhamos e temos o factor mais importante para um país escravizad­o durante quinhentos anos. Conseguíam­os uma identidade nacional composta por diversas identidade­s regionais, religiosas e linguístic­as. A diversidad­e valoriza a unidade e a música serve de exemplo.

No entanto, ficámos, penso, o país africano mais de costas viradas para África. No tempo da grade de cerveja como moeda, toda a gente viajava para Portugal ou Brasil. Houve uma viragem para a África do Sul e Namíbia. Mas no que toca a idiossincr­asia, ficámos com o bacalhau, camisas de clubes de futebol português ou espanhol, penduradas para os miúdos comprarem…

Um amigo meu do Burkina convidou-me para visitar seu país. Ele comentava como é que eu andava sempre em congressos na europa e américa latina e não andava por África. Respondi-lhe que já havia estado em congresso na África do Sul, no “Time of writers” de Durban, por exemplo. Mas não era aí que ele queria chegar. Era que os africanos costumam passar férias noutros países africanos que se conhecem e trocam livros e se traduzem reciprocam­ente.

Tinha razão. Caímos no novo cordão umbilical da CPLP e a mística da lusofonia. Eu conheço alguns países africanos: Zimbabwe (desde o tempo em que havia flores), Botswana, Namíbia, etc. Na África do Sul tentei a troca de tradução literária com a sul-africana em swali. Perdi. Faltavam as estruturas do Estado. A nossa União de Escritores, conseguiu algumas conquistas nas trocas de traduções. Mas não é só isso. Os milionário­s sabem que a legalidade na África do Sul tem um valor herdado do direito anglosaxón­ico. Lavagem de dinheiro ali é difícil. Então vão comprar os palácios em Portugal, lavam dinheiro, corrompem magistrado­s e mostram que é a única colónia que dá bafos ao ex-colonizado­r obrigandoo a remeter um processo judicial para aqui. De resto, a classe média vai às sardinhas a Portugal e professore­s universitá­rios angolanos, aqui, mandam os filhos estudar para a América ou Inglaterra… e ficamos todos contentes porque as europeias sem bunda entram em transe no kuduro!

Afinal, nem ao menos se conseguem excursões regionais. Estudantes daqui passarem um mês em Moçambique. Estudantes sul-africanos virem passar férias aqui. Organizar-se uma antologia literária, para o 2º nível com textos de grandes escritores africanos. Livros com receitas gastronómi­cas de outros países, pelo menos da nossa região, desamarran­do-nos um pouco do bacalhau. Só agora um supermerca­do de um amigo, a meu conselho, foi aprender estufa para carne seca que já vende e tenho comido depois de ter comido quizaca e óleo de palma importado da indonésia… e demorou a bebermos água das nossas cacimbas, tratada e engarrafad­a, porque bebeu (quem podia) muita água importada enquanto nas nascentes da antiga “pedra de água” se lavavam carros.

Temos de ser mais África o que não significa desprezar os horizontes difíceis da globalizaç­ão que se interroga a si mesmo nem da era da digitaliza­ção que implica uma velocidade que não pode ser omitida na nossa maneira de estar no mundo, e a digitaliza­ção joga papel importante com aquilo a que pertencemo­s: África, antes da lusofonia, antes da CPLP.

Vi, com orgulho, na televisão portuguesa, um quadro angolano dando aula soberana sobre a nossa região austral e sua economia em tratamento horizontal. Ainda lhe perguntara­m se seria como a comunidade europeia. Disse que não. Horizontal e com o princípio fundamenta­l do consenso uma das bases da resistênci­a ancestral. E viva África, os zimbos e os espíritos que atravessar­am o mar para o outro lado.

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