O lugar do ruído e o dos debates
Enquanto confundirmos ruído e debate seremos reféns dos devaneios, das indecisões e da ignorância.
Eles deveriam ocupar lugares diferentes e, de certo modo, até o ocupam. Confundimos um com o outro com relativa facilidade, sobretudo quando os intervenientes não têm pudor de, a priori, expor-se sem assumir as suas limitações e alguns deles sem ter o reflexo de declinarem os convites aos debates para dar espaço a quem possa pôr sobre a mesa questões e argumentos mais sólidos, documentados e esclarecedores.
Muitos dos que deveriam intermediar e ou moderar os debates fazem-no, consciente ou inconscientemente, promovendo, incitando o ruído ou, caso contrário, optando pelo silêncio – não há pior coisa que ver um painel de pretensos experts que não percebam tão bem do tema a tratar ou que, simplesmente, o enfoquem de pontos de vista ultrapassados ou mesmo incorrectos.
Também, entristece saber de quem deveria rebater qualquer postura, enfoque e ou informação absurda e prefira ficar calado, ignorando a bazófia: é o tipo de silêncio que deixa o ruído a seu bel-prazer.
No geral, temos a impressão de que há instituições e cidadãos a furtarem-se do que deveria ser a sua responsabilidade por temor a ficarem associados aos debates vazios ou broncos.
Em parte, a atitude deles é compreensível, mas mau é deixar que a sem razão impere. Resultado: temos imensa dificuldade para saber quando termina o ruído e onde começa realmente o debate sério e útil.
A indistinção e a ausência de limites entre o ruído e o debate é, com toda probabilidade, um mal susceptível de proliferar nas sociedades em vias de democratização, onde os outros contrapesos, como o conhecimento académico e científico, o labor dos grupos de reflexão, as fundações que realizem estudos para influir nas políticas públicas em vários domínios, a apresentação de dados e provas que sustentem a argumentação e, portanto, o dissenso responsável, ainda não flui devidamente entre os cidadãos, no espaço público, na sociedade.
É verdade que, antes de 2017, nos órgãos de comunicação social do Estado, os debates eram os da conveniência do status quo e ele impunha os seus limites, ditava o que considerava razoável mesmo não o sendo realmente, o que deixava a noção de serviço público muito aquém do aceitável. Actualmente, a abertura é maior, mas ainda estamos muito longe do desejável.
O ideal seria que debates como, por exemplo, o das semanas passadas entre Filipe Zau e José Luis Mendonça, a propósito da Lusofonia e o ser Bantu ou não, ou, também, o debate entre Rosa Cruz e Silva e Carlos Pacheco, sobre a história do MPLA, tivessem uma ressonância maior, atraíssem intelectuais, políticos e académicos. Há inúmeros temas e assuntos que requerem ser publicamente debatidos. Os debates sérios escasseiam entre nós, e, por isso, os ruídos nos atordoam.
O ruído tem, na nossa sociedade, um lugar nada negligenciável e não é só uma questão estritamente sonora: é, também, qualquer coisa que está relacionada com a gestão do conhecimento e da informação e a maneira como eles são expostos no espaço público e nos centros de decisão política.
Pelo menos nas zonas urbanas, no centro e nos subúrbios da cidade de Luanda, a maior parte da população produz e, por conseguinte, vive submersa em muito ruído: não é só que as casas e os edifícios não estejam construídos com materiais e técnicas que permitam estar suficientemente bem isoladas, nem tão pouco que as estradas e as vias de circulação dos automóveis estejam muito próximas das áreas de residência, o que acontece mesmo é que, nós toleramos a conversa em voz alta e o alto volume dos rádios, televisores, gravadores e aparelhagens como se fossem normais.
Para além de outras carências, em geral, o barulho não nos permite colocar o silêncio, o debate e a reflexão no seu devido lugar.
Não está demais recordar que, falar muito e durante muito tempo, não é, necessariamente, sinónimo de debater: há oradores muito famosos que chegaram a fazer discursos de mais de cinco horas e, no entanto, nunca debateram nada, as suas ideias nunca foram confrontadas e, talvez, por isso, quando o mundo mudou eles nem sequer se aperceberam: sem o saberem, eram reféns do ruído da sua própria voz e dos seus delírios.