Jornal de Angola

Fome no Cuando Cubango

- Sousa Jamba

Entre Fevereiro e Março de 1976, estávamos no Cuando Cubango a passar muita fome. Fazíamos parte de várias famílias, na sua maioria ligadas à UNITA, que tinham abandonado o Huambo. O nosso grupo esteve no Cuito Cuanavale, depois passou para Mavinga e de lá andou a pé até à Zâmbia. Sobrevivía­mos comendo frutas silvestres, tortulho e lagartos. Nas aldeias em que passámos havia muito pouca comida; o povo cultivava apenas o mínimo para a sua subsistênc­ia. Esta prática fazia sentido: muitas destas aldeias estavam completame­nte isoladas. Chegámos à Zâmbia e lá não havia falta de comida. Através de uma rede de estradas, algumas de terra batida, havia um certo comércio a florescer; havia camiões que vinham do centro da Zâmbia para comprar os produtos no oeste do país.

Fiquei profundame­nte triste quando soube, recentemen­te, que há gente a passar muita fome em Mavinga — e que uma criança tinha falecido em Licua, no Cuando Cubango. Depois de oito anos na Zâmbia, regressei, em 1984, a Angola, vindo de Kinshasa num avião Dakota. Aterrámos em Licua, na altura uma das principais bases logísticas da UNITA, comandada pelo falecido general Altino Sapalalo “Bock.” Comemos arroz com carne de vaca; havia, também, bolachas que, se dizia, eram bastante nutritivas. Depois de uma longa viagem chegámos à Jamba, onde fomos alojados numa caserna com muitos jovens cabindense­s, alguns já falecidos, que incluía o Raul Danda, actual vice-presidente da UNITA. Estive no Cuando Cubango, no território controlado pela UNITA, por três anos e fartei-me de comer carne — incluindo enlatada.

No tempo que estive no Cuando Cubango, falava-se muito da importânci­a de “sobreviver pelos nossos próprios meios.” Na altura havia várias campanhas para aumentar a produção agrícola. Na área de Mavinga passou, até, a existir um vastíssimo complexo de agricultur­a, que findou em 1992, com o início dos Acordos de Paz. Vendo as imagens de pessoas cheias de fome em Mavinga e Licua, lembrei-me do que tinha visto em 1976.

Para se superar a má situação no Cuando Cubango, primeiro há a necessidad­e de acabar com o isolamento das comunidade­s. As autoridade­s vão ter que investir em viaturas capazes de atravessar aquelas rotas arenosas do sudoeste da província do Cuando Cubango, há alguns anos atrás, estive no leste do Chade, a caminho da região de Darfur, no Sudão. Lá, chove muito pouco; a agricultur­a era feita no solo dos rios intermiten­tes. Notei que as populações irrigavam as plantas, usando técnicas que maximizava­m o seu uso. Havia, por exemplo, vastas hortas a produzir tomate, cebola, cenouras, etc., usando muito pouca água. Parte da água era usada, também, para os animais.

Depois, há, também, a questão de ensinar os populares a identifica­r produtos que podem trazer algum dinheiro. Em Luanda, as frutas silvestres — lohengo, maboque, cambungo, etc. — dão muito dinheiro. No mercado de Saurimo, LundaSul, notei que havia uma espécie de peixe muito procurado chamado bream. Este peixe vinha da Zâmbia; há comerciant­es vindos dos lagos do norte da Zâmbia com este peixe para vender nas Lundas. Deve haver produtos (mesmo no interior do Cuando Cubango) que podem ser vendidos em várias partes do país; isto, claro, depois do fim do isolamento.

Depois há, também, a grande possibilid­ade do turismo. O isolamento de muitas áreas do Cuando Cubango significa que os animais e plantas selvagens não foram exterminad­os. O doutor Jonas Malheiro Savimbi tinha várias residência­s privadas ao longo dos vários rios naquela região. Há, por lá, muitos lagos pequenos; em 1985, vi o doutor Savimbi a pescar num dos lagos enquanto conversava com o meu falecido irmão Jaka Jamba. Rindo, os dois diziam que aquela região de Angola tinha mais lagos que a Suíça. É tempo de alguém construir pequenos chalés no interior daquela região e organizar excursões para que se apreciem os recursos naturais. No Botswana, há milhares de turistas que vêm anualmente para irem aos campos isolados ver elefantes, leões, búfalos, etc. Há, até, pequenas linhas aéreas no Botswana cuja especializ­ação é levar os turistas para o interior. A comida que os turistas consomem é produzida localmente. Imaginem só uma situação destas no Cuando Cubango: turistas a irem para o Licua, Mavinga, Jamba, Etalala, Mitaombamb­a, Rivungo, Kakuchi, etc., e estes não só terem que consumir os produtos agrícolas locais, mas também comprando produtos culturais na região!

Finalmente, terá que haver uma filosofia que ajude os camponeses a maximizar a sua produção. Os grandes projectos agrícolas com as multinacio­nais vão ter que esperar: a prioridade vai ter que ser acabar com a fome. Terá que haver peritos para ajudar o povo a gerir bem o seu solo — e não cair na ilusão que a solução são os fertilizan­tes e outros produtos químicos. Sei muito bem o que é uma região árida; já estive no Sahel e Corno de África. Para muita gente lá, a província do Cuando Cubango é um paraíso.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola