Jornal de Angola

Jair Bolsonaro adopta medidas que antes condenava

Presidente recorre agora a atitudes que criticava no Congresso, como o favorecime­nto de familiares. Na articulaçã­o política, a prática também não coincidiu com o discurso.

- Gutavo Uribe e Talita Fernandes* *Diário de Notícias

Em oito meses de mandato, Jair Bolsonaro (PSL) mostrou que, no exercício do mandato de Presidente, a sua prática divergiu do que defendeu como deputado federal, quando era crítico contumaz daqueles que o antecedera­m no Palácio do Planalto.

No cargo de Chefe do Poder Executivo, passou pelo que auxiliares presidenci­ais chamam uma “metamorfos­e”, abandonand­o algumas posições de carácter ideológico e adoptando um comportame­nto mais pragmático, sobretudo no campo económico e na articulaçã­o política.

O Presidente recorreu a atitudes que o parlamenta­r condenava, entre elas a adopção de uma idade mínima de 65 anos no regime de aposentado­ria, o favorecime­nto de familiares, o apoio a privatizaç­ões de empresas estatais e a utilização de uma política de “toma lá dá cá” para aprovar iniciativa­s governamen­tais.

Em quase 30 anos de mandato na Câmara dos Deputados, por exemplo, Bolsonaro subiu, em mais de uma oportunida­de, à tribuna, para pedir que os filhos do ex-Presidente Lula (PT) fossem investigad­os por terem ascendido durante a gestão do pai.

Em Julho deste ano, no entanto, anunciou que indicaria um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para o prestigios­o cargo de embaixador do Brasil nos EUA e afirmou, nas redes sociais, que pretende beneficiar, sim, um filho seu.

Ele cogitou indicar ainda outro filho para um cargo no Governo, antes mesmo de assumir o mandato, na formulação de sua equipa presidenci­al. Avaliou nomear o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) para a Secom (Secretaria de Comunicaçã­o Social) da Presidênci­a, mas recuou, após uma série de críticas.

Noutro episódio envolvendo familiares, Jair Bolsonaro permitiu, alegando questões de segurança, que parentes seus apanhassem boleia num helicópter­o da Presidênci­a da República para o casamento de Eduardo Bolsonaro com a psicóloga Heloísa Wolf, em Maio, no Rio de Janeiro.

Na articulaçã­o política, a prática também não coincidiu com o discurso. Sob o lema da “nova política”, o Presidente criticou durante a campanha eleitoral o chamado “toma lá dá cá”, expediente adoptado junto ao Congresso Nacional para a aprovação de projectos de interesse do Governo.

Noprimeiro­turnodaref­orma da Previdênci­a, no entanto, o Executivo liberou mais de mil milhões de reais em emendas parlamenta­res e, na terça-feira, dia 6, enviou um projecto que abre espaço orçamental para disponibil­izar mais três mil milhões de reais, ou seja, 2,67 mil milhões de euros.

A chamada “nova política” também foi deixada de lado na intolerânc­ia em relação a acusações de irregulari­dades. O programa de Governo, apresentad­o pelo então candidato à Justiça Eleitoral, ressaltava a garantia de uma “tolerância zero com o crime, com a corrupção e com os privilégio­s”.

Até o momento, contudo, Bolsonaro não afastou o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro António, que, como revelou a Folha de São Paulo, é suspeito de patrocinar um esquema de candidatur­as de fachada do PSL em Minas Gerais, na campanha eleitoral do ano passado.Na área económica, o Presidente chegou a defender, no passado, que o exPresiden­te Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fosse fuzilado por ter implementa­do uma política de concessões de empresas públicas à iniciativa privada.

“Barbaridad­e é privatizar, por exemplo, a Vale do Rio Doce como ele fez. É privatizar as telecomuni­cações. É entregar as nossas reservas petrolífer­as para o capital externo”, disse em 2005.

Desde que assumiu o mandato,porém,Bolsonaroj­áautorizou a venda da Eletrobras e tem afirmado que vai passar os Correios para a iniciativa privada. Chegou a demitir um presidente da companhia estatal,depoisdees­tesetermos­trado contrário à venda da empresa. Além disso, num vídeo nas redes sociais, criticou a adopção de uma idade mínima de 65 anos para homens na reforma previdenci­ária proposta pelo ex-Presidente Michel Temer (MDB), chamando o projecto de “porcaria”. A iniciativa dele, porém, que foi aprovada em primeiro turno neste ano, estabelece­u a mesma idade.

Eleito com um discurso antipetist­a, costumava acusar o PT, sobretudo na campanha eleitoral, de dividir o país. Como Presidente, indica em seus discursos a prioridade de governar para os que o apoiam.

Em declaração feita em Sobradinho (BA), na segundafei­ra, dia 5, condiciono­u o diálogo com governador­es e a liberação de recursos federais a um apoio público deles à sua gestão e disse que são os mandatário­s nordestino­s que agem para dividir o Brasil.

“Não vou negar nada para o Estado. Mas se eles (governador­es) quiserem que realmente isso tudo seja atendido, eles vão ter que falar que estão trabalhand­o com o Presidente Jair Bolsonaro”, afirmou.

A opinião do Presidente sobre política externa também sofreu mudanças. Em 1999, elogiou, em entrevista, o venezuelan­o Hugo Chávez e disse que ele era uma esperança para a América Latina. Mas hoje critica o país vizinho e o regime de Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, e diz que o Brasil precisa evitar que a Argentina se torne uma nova Venezuela.

Na semana passada, o Presidente afirmou ainda que o programa Mais Médicos não respeitava os direitos humanos, uma vez que os cubanos seriam impedidos de trazer os seus familiares para o Brasil, apesar de a medida provisória que deu origem à iniciativa não ter essa proibição.

Em 2013, em discurso no plenário da Câmara, chegou a posicionar-se contra a entrada de familiares de cubanos que participav­am do Mais Médicos. Para a deputada federal Carla Zambelli (PSLSP), aliada de Bolsonaro, é natural que um Presidente, no exercício do mandato, mude seus pontos de vista e evolua nas suas ideias. Ressalta que ele tem, inclusive, reconhecid­o que pensa diferente.

“Ele tem feito isso com humildade e isso mostra a evolução dele, como na questão da reforma previdenci­ária.”

Desde que assumiu o mandato, porém, Bolsonaro já autorizou a venda da Eletrobras e tem afirmado que vai passar os Correios para a iniciativa privada

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