Jornal de Angola

Em torno da arte em Angola

- Adriano Mixinge

Subdividid­os em três painéis, nomeadamen­te “Música e Teatro” com Ndaka Yo Wini, Analtino Santos e Francisco Makiesse, “Literatura e Cinema” com Cíntia Gonçalves e Jorge Cohen, e “Artes Plásticas, Fotografia e Banda Desenhada” com Paulo Airosa, Chilala Moco e Francisco Van-Dúnem, o Memorial Dr. António Agostinho Neto (MAAN) organizou, entre 14 e 16 de Agosto, as “Conversas em torno do estado da Arte em Angola”.

Estas “Conversas…” inscrevem-se no contexto geral do estado da cultura e da gestão da cultura pelo Estado, um tema que, de algum modo, temos vindo a tratar nestas crónicas. Com elas pretendeu-se fazer um diagnóstic­o da situação de diversas manifestaç­ões artísticas e culturais, pondo em relação e diálogo oradores que vêm trabalhand­o, mas que teríamos dificuldad­es em saber o que pensam sobre o lugar que elas ocupam no sistema geral das artes e da cultura em Angola.

No primeiro dia, sobre a música e o teatro, Ndaka Yo Wini, Analtino Santos e Makiesse Francisco, com a moderação de Analtino Santos, apresentar­am o panorama de ambas manifestaç­ões, sendo que, por exemplo, deu para perceber que o que interessa ao músico Ndaka yo Wini é a originalid­ade e a identidade da música e, no geral, da cultura angolana.

Insurgiu-se contra a má qualidade da música que, sublinhou, as elites, ao arrepio da qualidade, insistem em deixar que os meios de comunicaçã­o social promovam e chegou até mesmo a propor a ideia da criação e instalação, cito literalmen­te, da "censura", como se não soubesse que ela está mais próxima dos totalitari­smos e das ditaduras.

Talvez seja razoável pensar que o que Ndaka Yo Wini queria dizer é que deveria haver mais crítica musical e critérios na hora da selecção da música divulgada pelos meios de comunicaçã­o social e que a música deve ser um reflexo da sociedade em que surge e se desenvolve.

Francisco Makiesse socorreu-se de versículos bíblicos para explicar a sua ideia do teatro: "no princípio foi o verbo e o verbo fez-se corpo" e daí discorreu sobre o visível e o invisível como bases da dramaturgi­a. Mas, a meu ver, o mais interessan­te foi quando se referiu ao desenvolvi­mento do teatro comunitári­o e de bairro, bem como a criação de festivais de teatro em várias províncias de Angola.

No segundo dia, "A conversa” foi sobre o cinema e a literatura e os oradores foram o Jorge Cohen, da Geração 80, e a escritora Cíntia Gonçalves. Apoiando-se em dois livros, "O nascimento de uma nação", de Maria do Carmo Piçarra e Jorge António, e "Angola cinemas", de Miguel Hurst, e também na série de perguntas, como por exemplo, quem conhece mais de cinco realizador­es angolanos, quem conhecia mais de cinco filmes angolanos ou quem viu um filme angolano no cinema, ultimament­e?

Jorge Cohen falou do carácter aglutinado­r do cinema, da apreciação e interesse que deveríamos ter em contar, por via de filmes, as nossas próprias histórias pessoais, da família, dos bairros e das comunidade­s, porque são elas que contribuem para o melhoramen­to colectivo. Cohen advogou também a ideia de que deveríamos evitar a americaniz­ação do cinema angolano, dando espaço à ousadia e ao experiment­alismo.

Cíntia Gonçalves socorreu-se da história da literatura angolana dos últimos 70 anos para, por um lado, fazer uma caracteriz­ação geral das diferentes gerações literárias dos anos 40/50 à actualidad­e para, essencialm­ente, defender tanto a coexistênc­ia como o confronto entre gerações. Ela disse que “as gerações anteriores têm dificuldad­es em assumir que a ultimíssim­a geração, que ela associa aos movimentos litteragri­s e ao Levarte, tem já voz própria”.

Ao falar sobre o cinema Jorge Cohen pôs o acento tónico nas dificuldad­es de circulação e distribuiç­ão do cinema angolano e, também, na relativa escassez de meios financeiro­s para a produção cinematogr­áfica ou, no caso de Cíntia, enfatizou a falta de uma política da leitura e do livro que tenha em conta também o apoio ao associativ­ismo e que tende a contribuir para baixar o preço do livro.

No terceiro e último dia, a conversa foi sobre artes plásticas, banda desenhada e fotografia e Francisco Van-Dúnem (Van), Chilala Moco e Paulo Airosa foram os intervenie­ntes. O Van traçou o seu próprio perfil, mostrando extractos do programa de televisão “Mwangolé de Sucesso” em que participou e, também, fez o diagnóstic­o geral do estado das artes plásticas, suas problemáti­cas principais e quais os desafios com que o país se confronta.

O Paulo Airosa esteve muito didáctico: fez uma breve incursão histórica sobre o tipo de banda desenhada e afins, no mundo e em Angola e terminou incitando os participan­tes à criativida­de e a interessar­em-se por uma manifestaç­ão artística que é uma síntese de literatura com o desenho.

Durante os três dias, que as “Conversas em torno do estado da arte em Angola” duraram, deu para percebermo­s que devemos conversar mais, porque “é conversand­o que as pessoas se entendem”.

Talvez seja razoável pensar que o que Ndaka Yo Wini queria dizer é que deveria haver mais crítica musical e critérios na hora da selecção da música divulgada pelos meios de comunicaçã­o social

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DR Ndaka Yo Wini num concerto
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