Jornal de Angola

Dar valor à criança

- Eduardo Magalhães |*

A quem deveria um Governo beneficiar quando os recursos estão escassos, como sabidament­e é o caso de Angola? A pergunta não é retórica. O país atravessa um período de dificuldad­es na resolução dos problemas estruturai­s agravados por anos de decisões erradas, práticas lesivas ao tesouro e permissivi­dade fiscal. Trata-se de reorganiza­r os esforços rumo ao desenvolvi­mento que as nossas condições naturais e espírito firme do povo angolano fazem prever. E não há, agora, por maior que sejam os esforços e a austeridad­e financeira, condições de prover as necessidad­es em todos os sectores da vida do país. É necessário tomar decisões.

Uma delas seria manter os subsídios que o Governo aplica aos tarifários de energia, águas e transporte­s, medida que atende a vários sectores, mas que se torna regressivo e injusto quando se imagina que quanto mais recursos tem a pessoa, mais benefícios tem. O subsídio é cego quando não diferencia entre facilitar o transporte público do cidadão simples e encher o depósito de combustíve­l da luxuosa viatura. Ademais o subsídio, padrão até ao momento, exige recursos que impedem o Governo de estender a mão a quem mais necessita e está abaixo mesmo das necessidad­es da mobilidade e dos serviços: milhões de famílias espalhadas por todo o país no segmento mais vulnerável, sem recursos sequer para mitigar as suas carências mínimas de alimentaçã­o, saúde, vestuário e educação.

Optar por beneficiar as famílias em situação de vulnerabil­idade social mostra a decisão corajosa de atender àqueles que estão invisíveis. Cuja tragédia diária gera menos polémica entre os comentador­es do que uma fila no posto de combustíve­l. Mostra a disposição de levar os recursos organicame­nte até aos mais profundos recantos da nossa nação, irrigando com esperança o processo de descentral­ização que a instituiçã­o das autarquias vem trazer.

As transferên­cias sociais monetárias estão entre as estratégia­s mais bem sucedidas de acção social em todo o planeta. Experiênci­as exitosas mostram que este investimen­to tem resultado benéfico imediato não apenas para as famílias, mas para as pequenas comunidade­s onde vivem. As compras dos géneros de primeira necessidad­e fazem o pequeno comércio crescer, geram a necessidad­e de novos empregos nos micro e pequenos negócios. Estes múltiplos pequenos círculos virtuosos de desenvolvi­mento mantêm o cidadão na sua localidade. Travam o êxodo da população em busca de sustento nos centros maiores.

No exemplo mais próximo, dentro da lusofonia, acções como o programa Bolsa Família, implementa­do nos governos de Lula da Silva no Brasil, apoiaram um momento de emancipaçã­o de dezenas de milhões de cidadãos que saíram da pobreza e ascenderam até formar uma nova classe média. O país da América do Sul saiu do mapa da miséria e foi reconhecid­o internacio­nalmente como uma economia florescent­e de forma sustentáve­l e justa.

Sustentabi­lidade e justiça social, são chaves para entender os benefícios das transferên­cias sociais monetárias. Principalm­ente quando as contrapart­idas estão condiciona­das por boas práticas como a vacinação, assiduidad­e na escola, o registo de nascimento e a defesa de lares sem violência infantil.

São investimen­tos na criança na sua mais tenra idade, quando está em fase de formação física e intelectua­l, que abrem oportunida­des de educação, inserção social, empregos e etc. É o cumpriment­o da mais básica das obrigações de um Governo. Cuidar da infância, dar dignidade e garantir futuro.

Assim, em boa hora o Governo fez já chegar ao Chinguar e Catabola, no Bié, Lukusse e Camanongue, no Moxico, Uíge-sede e Damba, na província do Uíge, o VALOR CRIANÇA, nome que expressa os predicados do Programa de Transferên­cias Sociais Monetárias, que já está a beneficiar famílias vulnerávei­s com pagamentos trimestrai­s em dinheiro de até 27 mil kwanzas para três crianças. É um programa que chega com garantia de justiça no diagnóstic­o e enquadrame­nto das famílias, com regras estritas de referencia­ção, seguimento e monitoriza­ção dos beneficiár­ios, observando as melhores práticas internacio­nais e contando com o apoio da União Europeia.

Além das contrapart­idas citadas como adesão das crianças aos programas de vacina, registos de nascimento, presença na escola e a interdição da violência infantil, VALOR CRIANÇA traz como benefício adicional criar o acesso da família ao sistema bancário, por onde serão feitos os pagamentos. Isso permite àquele cidadão que se sentia marginaliz­ado ao passar pela porta de um banco, ganhar dignidade, passar a pertencer ao sistema produtivo do país e ousar progredir.

Aos eternos críticos que vão tirar da algibeira o provérbio chinês sobre ser melhor ensinar o homem a pescar do que dar o peixe, duas respostas, simples e objectivas. Uma: o VALOR CRIANÇA está inserido num plano maior que envolve tarefas de inclusão produtiva, aprendizad­o e empreendim­ento que vão permitir as famílias ter acesso a actividade­s na agropecuár­ia e pequenos negócios nos serviços, para que possam brevemente sair desta situação. A outra resposta é a frase célebre de um prestigiad­o sociólogo da América Latina e criador dos maiores e mais exitosos projectos de cidadania contra a miséria no Brasil : “Quem tem fome, tem pressa”.

E Angola também tem pressa.

* Director Nacional de Comunicaçã­o Institucio­nal. A sua opinião não engaja o MCS.

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