Jornal de Angola

O que se passa em Caxemira?

- Patrícia Viegas |* * Jornalista do Diário de Notícias

Índia suspendeu há um mês o estatuto especial de Jammu e Caxemira, elevando a tensão com o Paquistão. A região, de maioria muçulmana, vive sob recolher obrigatóri­o. Milhares de pessoas têm protestado nas ruas da Caxemira indiana contra a revogação do estatuto especial da zona.

O Governo indiano anunciou, na segunda-feira, dia 2 de Setembro, a decisão de revogar o estatuto especial concedido a Caxemira há 70 anos, para integrar a região de maioria muçulmana com o resto de país. Para isso, revogou os artigos 370.º e 35-A da Constituiç­ão. A tensão, que sempre foi alta, agravou-se em Fevereiro, quando quatro dezenas de paramilita­res indianos foram mortos num ataque suicida na zona indiana de Caxemira. Nova Deli culpa grupos radicais islâmicos paquistane­ses pelo sucedido.

Segundo o ministro do Interior da Índia, Amit Shah, a suspensão dos artigos visa corrigir "a injustiça cometida em Jammu e em Caxemira nos últimos 70 anos". O partido nacionalis­ta hindu, BJP, do Primeiro-Ministro Narendra Modi, é crítico do estatuto garantido à única região de maioria muçulmana da Índia.

O que garantiam esses artigos?

Os artigos garantiam um estatuto especial a Caxemira e permitiam que o estado indiano de Jammu e Caxemira faça as suas próprias leis. O artigo 370.º permitia a Caxemira ter a sua própria Constituiç­ão, bandeira e independên­cia sobre todos os temas, excepto diplomacia, defesa e comunicaçõ­es.

Além disso, o Governo decidiu dividir o estado em dois território­s: o de Jammu e Caxemira e o de Ladakh - o primeiro terá um Parlamento e o segundo será governado directamen­te pelo governo central.

A alteração à lei permite também a revogação da proibição de compra de propriedad­es em Caxemira por parte de cidadãos que vivem no resto da Índia, prevista no artigo 35-A, o fim da reserva dos empregos governamen­tais para os residentes, tal como vagas nas universida­des.

Reacção da população

Milhares de pessoas têm protestado nas ruas da Caxemira indiana contra a revogação do estatuto especial daquela zona. A Índia começou por cortar comunicaçõ­es, impor fortes restrições ao movimento de pessoas, impor o recolher obrigatóri­o. Começou então a haver relatos de escassez alimentar e há raiva, muita raiva, conforme relatou a France24.

"Viemos da Arábia Saudita para o casamento de familiares e agora cancelaram tudo por causa do recolher obrigatóri­o, devido às circunstân­cias que foram aqui impostas pelo governo", disse uma mulher à reportagem.

"Estamos numa jaula, estamos totalmente separados do resto do mundo. Não sabemos o que se passa lá fora. Não sabemos qual a solução para o nosso problema. Os nossos filhos sofrem. O sistema de educação está em baixo", afirmou outro membro da mesma família muçulmana ao repórter Surabhi Tandon.

Dados oficiais citados pela AFP revelaram que 4.000 pessoas foram presas desde há um mês. Segundo a AlJazeera, pelo menos 350 delas foram detidas à luz de um procedimen­to que permite a detenção sem julgamento. Os mesmos dados referem que 135 pessoas ficaram feridas, apresentan­do algumas delas várias marcas de balas de borracha no corpo.

No dia 30 de Agosto, milhares de pessoas saíram às ruas no Paquistão para protestar contra a política de Nova Deli em Caxemira, respondend­o ao apelo que fora feito pelo primeiro-ministro paquistanê­s Imran Khan.

A origem das tensões

Quando Índia e Paquistão conquistar­am a independên­cia do império britânico, em 1947, alguns reinos semiautóno­mos tiveram liberdade para escolher de que lado ficar. O marajá de Caxemira, Hari Singh, que era o único hindu à frente de uma área de maioria muçulmana, estava indeciso entre optar pela Índia, pelo Paquistão ou até pela independên­cia e recusou dar a escolha à população.

Quando guerrilhei­ros tribais fizeram a invasão a partir do lado paquistanê­s, o marajá pediu assistênci­a à Índia, assinando um tratado em que se submetia ao controlo indiano em troca de apoio das tropas do país. Foi a primeira guerra Índia-Paquistão. No tratado, ficou acordado que a população manteria direitos especiais para proteger a região, direitos garantidos no artigo 370º da Constituiç­ão.

O território de Caxemira é controlado em cerca de dois terços pela Índia (maioritari­amente hindu) e em 37 por cento pelo Paquistão (muçulmano, tal como a maioria dos habitantes de Caxemira). As duas potências com armas nucleares do sul da Ásia já travaram duas guerras pelo seu controlo. Uma resolução das Nações Unidas prevê, desde 1948, a organizaçã­o de um referendo de autodeterm­inação em Caxemira, que se mantém letra morta face à oposição de Nova Deli.

Milhares de pessoas têm protestado nas ruas da Caxemira indiana contra a revogação do estatuto especial da zona. A Índia começou por cortar comunicaçõ­es, impor fortes restrições ao movimento de pessoas e impor o recolher obrigatóri­o

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