Jornal de Angola

“Temos muitas obras que ainda não estão disponívei­s por falta de recursos humanos”

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A Biblioteca Nacional já teve 150 mil usuários por ano. Já chegámos a ter 200 pessoas durante o dia. Nos meses de maior pico, o número anda à volta de 10 a 15 mil leitores. Há períodos em que temos que ter alunos a esperar. Portanto, o espaço é pequeno para atender à crescente demanda. Há projectos neste sentido que já foram aprovados, em 2014, mas foram adiados devido à crise. A opção do Estado foi acabar o Arquivo Nacional, no Camama, e depois, tão-logo as condições estejam reunidas, começar a Biblioteca Nacional. A nossa preferênci­a é que seja no centro da cidade. Uma coisa é o arquivo, que tem leitores específico­s, e outra é a Biblioteca Nacional, cujo público é mais amplo. Enquanto isso não acontece, melhoramos a capacidade de infra-estrutura. Adquirimos estantes que nos permitem absorver mais livros, mas, ainda assim, a entrada de livros continua a crescer. Por exemplo, se a indústria gráfica conhecer um cresciment­o exponencia­l, ou seja, se for publicado um número de livros e jornais e revistas superior ao actual, vai chegar uma altura em que não teremos mais capacidade para aguentar.

No início do século XX produziu-se muita literatura científica sobre Angola. Estas obras estão conservada­s aqui?

Temos algumas colecções dessas revistas publicadas nesta época. Refiro aos trabalhos do Instituto de Investigaç­ão Científica e Tropical de Angola. Há ainda a colecção do Instituto de Investigaç­ão de Angola. Temos, igualmente, as revistas de especialid­ade, como é o caso da publicada pelo Instituto do Café, da Associação Industrial de Angola, ainda no período colonial. Portanto, a nossa colecção desse período é rica. E, claro, pode ser complement­ada com o que existe no Arquivo Nacional e na Biblioteca Provincial de Luanda. Daí, todo o nosso interesse em informatiz­ar o catálogo. Há muita coisa importante que temos cá, mas, como não temos os mecanismos actuais de os divulgar, fica-se sem se saber. Por exemplo, a colecção "11 Clássicos da Literatura", quer na primeira como na segunda edição, fez recurso ao nosso acervo. As obras foram tiradas daqui. Veja que muitos autores nem sequer os tinham. Tanto é que, em jeito de brincadeir­a, disse aos organizado­res que não fizeram menção que muitos dos livros foram tirados aqui...

Em jeito de agradecime­nto...

Isso (risos). Muitas vezes, a própria União dos Escritores Angolanos esgota os livros que publica e o último recurso é a Biblioteca Nacional. Em relação às aquisições de que estava a falar, conseguimo­s os primeiros números da revista "Claridade", que se publicou em Cabo Verde. Quem estuda a literatura cabo-verdiana sabe quão importante é essa revista. E adquirimo-la em Portugal. Conseguimo­s edições raras de Luandino Vieira, Agostinho Neto, António Jacinto, entre outros. Exemplares da revista Mensagem. Comprámos a um alfarrabis­ta em Portugal e ficou a volta de 80 mil euros como lhe disse. Tratou-se de uma orientação do ministério com base na nossa proposta.

As aquisições revelam que sempre há recursos financeiro­s...

Claro que também temos dificuldad­es. Falei-lhe do acervo que não está informatiz­ado, o que é um problema. Portanto, temos muitas obras que ainda não estão disponívei­s por falta de recursos humanos. É preciso dizer aqui que a nossa área técnica tem pouca gente e, ainda assim, todos os anos se reforma pessoas. O quadro geral da biblioteca é de 21 funcionári­os, quando cá cheguei. Estamos na casa dos 30. Mas, todos os anos, saem técnicos. Para ter uma ideia, a funcionári­a mais jovem da área técnica, em efectivida­de, está na casa dos 40. Neste momento, não temos funcionári­o efectivo com menos de 30 anos, ou seja, não estamos a fazer uma passagem de testemunho. O ideal seria termos um funcionári­o de 26 anos, por exemplo, um técnico recentemen­te formado, a aprender com alguém que tem 20 ou 30 anos de experiênci­a. Em cinco anos, teríamos um quadro com uma combinação perfeita entre a teoria que aprendeu na universida­de e os cinco anos de experiênci­a. E levaria uns 30 anos de trabalho competente.

É uma preocupaçã­o que tem sido apresentad­a à tutela?

Claro, mas enquanto a situação financeira do país não melhorar...

Há quadros formados no ISUCIC aos quais podia recorrer para preencher essa lacuna?

Existe cooperação com o ISUCIC ao nível de formação. O instituto envia os técnicos para o estágio e nós colocamo-nos à disposição para acompanhar. Fazem práticas. Mas, terminado esse período, são avaliados e termina o compromiss­o de estar aqui. Os que ficam fazem-no por vontade pessoal e dedicam-se ao voluntaria­do. Ora, para os termos no quadro técnico da biblioteca, teríamos de fazer concurso público. E, neste momento, não temos capacidade para o fazer.

Olhando para o catálogo, ainda manual, nota-se que o acervo bibliográf­ico contém poucas obras recentes publicadas, por exemplo, no Brasil, Portugal ou mesmo aqui nos países africanos.

Aqui, temos um défice muito grande. São das tais dificuldad­es que lhe iria dizer. Aquilo que se publica sobre Angola no Brasil, por exemplo, uma das nossas referência­s, não é adquirido regularmen­te. Refiro-me igualmente às obras publicadas sobre o país em inglês, francês, etc. Ainda não temos capacidade financeira para tal. O que acontece, às vezes, é que, por iniciativa pessoal, podemos comprar para nós e para a biblioteca. Mas não temos, digamos, um orçamento definido anualmente que nos permita fazer essa aquisição abrangente e regular. Fazemos simplesmen­te de forma ocasional.

Porquê a Biblioteca Nacional ainda não implemento­u o ISBN (Internatio­nal Standard Book Number), sistema de identifica­ção dos livros, que actualment­e tem que se pagar em Portugal?

Infelizmen­te, ainda não podemos fazer. E isso deve-se a razões de ordem técnica. A Biblioteca Nacional já apresentou uma candidatur­a à agência internacio­nal e cumprimos todos os passos. Mas, há um que não depende de nós. Tem a ver com a atribuição do código de barras. Não temos capacidade técnica para isso e, mesmo no país, ainda há essa dificuldad­e. Adquirem-no fora. Enquanto não houver capacidade técnica para emissão do código de barra, não podemos ser uma agência para atribuir o ISBN. Os livros têm que ter um código de barra. Portanto, a nossa candidatur­a avançou e, quando nos foi colocada a questão do código de barra, não soubemos responder positivame­nte. Sei que há instituiçõ­es ligadas à indústria que têm a intenção de resolver o problema; inclusive, há uma comissão que trabalha nisso. Então, só com o código de barra é que poderemos passar a atribuir o ISBN. E, enquanto isso, nos limitamos a atribuir o número de depósito legal.

Como é que a Biblioteca Nacional se adapta para atender a questão das acessibili­dades e promover a inclusão?

Estamos comprometi­dos com várias causas. E uma delas é o alcance dos objectivos de desenvolvi­mento sustentáve­l, sobretudo o objectivo 17, o acesso à informação. Por isso, esse ano, começamos com um novo projecto que visa dotar a Biblioteca Nacional de uma capacidade que visa atender os estudantes com necessidad­es especiais. Começamos a formar os nossos técnicos em matéria de linguagem gestual. Fizemos uma formação com dois técnicos indicados do Instituto Nacional do Ensino Especial do Ministério da Educação (MED). Neste momento, os técnicos estão em estágio na escola de ensino especial nas "BÊS". Todas as semanas, os colegas vão fazer prática. Em pouco tempo, queremos que aquelas pessoas que não têm possibilid­ade de ir ao ensino especial possam vir alfabetiza­r-se aqui; vamos criar turmas para o aprendizad­o com o apoio do MED. Ainda este ano, vamos fazer também formação em linguagem braille com o apoio do INEE e da Escola Óscar Ribas. Temos livros em braille, mas estamos a fazer solicitaçã­o às nossas congéneres do Brasil e de Portugal. Queremos, por exemplo, promover encontros entre escritores e estudantes com necessidad­es especiais, em que os técnicos traduzem em linguagem gestual. É o nosso grande projecto para promovermo­s a inclusão e cumprirmos com os direitos constituci­onais, já que somos um serviço público. A meta é termos tudo a funcionar em 2020.

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ALBERTO PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO João Pedro Lourenço reconheceu que o acervo bibliotecá­rio não tem obras publicadas recentemen­te em Portugal
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Com o aumento do acervo e o crescente número de utilizador­es, como se está a equacionar um novo espaço para acolher a Biblioteca Nacional?

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