“Informatização de todo o acervo bibliográfico é a prioridade”
Os mais de cem mil registos do acervo da Biblioteca Nacional (livros, jornais e revistas) vão ter os catálogos divulgados online. O director da instituição, João Pedro Lourenço, disse, em entrevista ao Jornal
de Angola, que dentro de “poucos anos”os utilizadores vão poder consultar as publicações a partir de casa.
Os mais de cem mil registos do acervo da Biblioteca Nacional, entre livros, jornais e revistas, terão os seus catálogos divulgados online ao longo dos próximos anos. Em entrevista, o seu director, João Pedro Lourenço, assume ser um desafio indiscutível, já que vai permitir a consulta das publicações disponíveis a partir de casa antes de alguém se deslocar. O historiador, à frente da instituição criada em 1969, ainda na era colonial, fala, entre outras questões, dos dez milhões de kwanzas investidos este ano na compra de livros, da necessária renovação de quadros, do seu projecto de inclusão dos estudantes com necessidades especiais. E, mostrando ser a depositária das publicações locais, assegura: "nós temos as primeiras edições do "Folha 8" e do "Angolense."
Que balanço se pode fazer do desempenho da Biblioteca Nacional ao longo dos últimos anos?
Ora, não vou fazer um balanço pessoal, mas posso descrever a evolução da instituição, pelo que será natural combinar elementos da gestão anterior. Houve um aumento da procura pelos utentes nos últimos anos. Na verdade, a tendência crescente já vinha da gestão anterior, ou seja, é o resultado da sequência do trabalho que foi feito. Se em 2012 registámos perto de 40.000 usuários, hoje, já passamos dos 100.000; e houve altura em que já chegamos a ter quase 150.000 leitores num determinado ano. Constatamos assim que o nosso público-alvo, que tem vindo a crescer, está entre os 15 e os 30 anos. São maioritariamente estudantes do ensino secundário e universitário. Mas temos igualmente outro tipo de público, no caso os menores de 10 anos e outros na casa dos 60.
Além da mera consulta que traz os estudantes à Biblioteca Nacional, há alguma iniciativa da instituição de incentivo à leitura?
Sim, claro. Há um projecto que denominamos "A Biblioteca e as Escolas", que funciona em dois sentidos: nós recebemos os estudantes em coordenação com as escolas para visitas ou actividades; e, noutro sentido, nós vamos às escolas. Já trabalhámos com escolas de Viana, Cazenga, daqui do centro da cidade. E costuma ser com a ajuda dos professores que realizamos concursos de leitura e de redacção. Os professores orientam o concurso e a Biblioteca Nacional, com o apoio do Instituto Nacional das Indústrias Culturais (INIC), premia os estudantes com livros. É um trabalho para a promoção da leitura que, com o tempo, acaba por trazer leitores.
A Biblioteca Nacional é, estatutariamente, a coordenadora da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas. Como anda o vosso desempenho neste aspecto?
É uma das tarefas que levamos a cabo regularmente. O nosso trabalho com as bibliotecas públicas locais consiste essencialmente na formação de técnicos. Organizamos formações aqui ou nas instalações locais. Muitas vezes, fazemos formações só para uma determinada província ou mesmo a nível regional. Por exemplo, recentemente, fizemos uma em Malanje, em que tivemos técnicos das Lundas Norte e Sul. Tivemos igualmente uma formação regional na Huíla, em que participaram quadros do Cunene.
E qual é a periodicidade dessas formações?
O nosso objectivo é cobrir todo o país. Temos uma última formação regional agendada para este ano, que será em Cabinda, que incluirá Zaire e Uíge. Quanto às capacitações ao nível provincial, ainda este ano, já neste mês de Outubro, temos em carteira uma no Cuanza-Norte, no município do Bolongongo, que contará com técnicos de toda a província.
Além da formação dos técnicos das bibliotecas locais, não há medidas para enriquecer ou apetrechar os seus acervos bibliográficos?
Nós apoiamos as bibliotecas, como lhe disse, no âmbito da formação de quadros. É que muitas começaram a funcionar sem a preparação técnica. E sim, também apoiamos em termos bibliográficos. Ainda agora, recebemos, por via da direcção do Ministério da Cultura, livros que vamos distribuir. Em 2013, quando realizámos a Feira do Livro da CPLP, adquirimos cerca de 10.000 livros, que foram distribuídos pelas bibliotecas públicas, mas não só. Também apoiamos as comunitárias, das associações particulares, as escolares... Muitas solicitam e nós damos. O objectivo é a promoção do livro, independentemente do carácter da instituição. Portanto, o nosso apoio é metodológico, ou seja, orientar como devem trabalhar.
Os livros, adquiridos pelo Ministério da Cultura, foram comprados no país?
Sim; mas se trata de livrarias cujos fornecedores são estrangeiros. E importa referir que, depois de avaliar os catálogos dessas livrarias, adquirimos maioritariamente livros técnicos. É uma aquisição feita para atender a Biblioteca Nacional e as restantes públicas. Vamos distribuí-los em todo país. Não se trata de um grande acervo, mas vai permitir que tornemos acessíveis obras técnicas em várias áreas do saber.
A Biblioteca Nacional tem competência, nos termos do seu estatuto orgânico, para adquirir livros. Porquê o Ministério da Cultura?
Não há impedimento nenhum para que a Biblioteca Nacional adquira livros. Mas, dentro das limitações financeiras, se pode notar que a capacidade do ministério de tutela não é a mesma que a da Biblioteca Nacional. Por exemplo, este ano, definimos como prioridade a informatização do acervo bibliográfico. Quer dizer que a cabimentação do OGE está a ser usada somente para a informatização. Assim, os recursos que tínhamos para aquisição de livros foram destinados a esse projecto. Adquirimos os computadores, estamos a trabalhar com os fornecedores do software e também já temos a anuência do ministério para contratarmos técnicos. E pretendemos contratar quadros do Instituto Superior de Ciências da Comunicação (ISUCIC), licenciados em Ciências da Informação. Na verdade, já temos alguns como colaboradores, ou melhor, voluntários. Primeiro, fizeram o estágio curricular e depois de terminar a formação decidiram continuar como voluntários. E, no âmbito da informatização do acervo, contrataremos alguns para essa tarefa específica. Não é um vínculo definitivo, pois, claro, teriam de passar por um concurso público.
.... Ou seja, com os recursos destinados à compra anual de livros a serem aplicados num outro projecto, coube ao ministério a aquisição das obras.
Claramente. Os nossos recursos estão a ser destinados à informatização do acervo e o ministério adquiriu os livros para reforçar a capacidade das bibliotecas. É a estratégia que se usou na ausência de verbas.
E qual é o valor anual cabimentado para aquisição de novas obras?
O valor varia em função da capacidade financeira do país; mas varia entre um e dois milhões de kwanzas. Ao contrário do que conseguimos fazer agora com o ministério, em que, este ano, houve dez milhões para a compra dos livros. Como vê, é uma diferença substancial. No caso da informatização do acervo, destinámos então cerca de dez milhões de kwanzas. É um projecto para ser implementado ao longo dos anos. Este ano, recebemos do OGE dez milhões de kwanzas. Comprámos os computadores, software e vamos contratar os técnicos, mas as tarefas vão prolongar durante anos, já que estamos a falar de um acervo que tem mais de 100 mil registos. Portanto, é um trabalho a ser feito ao longo de cinco a sete anos.
Não acha que, por exemplo, ao abrigo de uma Política Nacional do Livro, se a Biblioteca Nacional adquirisse os livros de autores nacionais e os distribuísse na rede pública dinamizaria o mercado livreiro?
Sim, ajudaria; mas a Biblioteca Nacional tem várias formas de aquisição. Por exemplo, pelo Depósito Legal, de tudo o que se publica em Angola são depositados seis exemplares cá. Nós não compramos estes; é a lei que assim estabelece. E desses seis exemplares, um é entregue à Biblioteca do Arquivo Nacional, um à Biblioteca da Assembleia Nacional, dois ficam aqui e os outros são distribuídos pelas demais bibliotecas públicas. Como lhe disse, nós costumamos fazer aquisições pontuais. Às vezes, as próprias bibliotecas locais também fazem as suas aquisições, ou seja, há governos provinciais e administrações municipais que potenciam as suas próprias bibliotecas.
Há exemplos?
Posso dar-lhe o exemplo da Biblioteca Provincial de Malanje que foi equipada e apetrechada pelo governo local. Isso porque as bibliotecas provinciais e municipais dependem directamente dos governos e administrações locais, que têm que prever verbas. Falei-lhe da Biblioteca Municipal do Bolongongo, que foi inaugurada em Julho, num espaço reabilitado com as verbas do governo provincial e da administração municipal (trata-se do Fundo Municipal de Investimentos Públicos, que destinou 40 milhões de kwanzas para a construção e apetrechamento). A bibliografia básica foi adquirida pela administração. O que fazemos em parceria com o INIC é, simplesmente, agregar novas obras. Nós não temos capacidade financeira para abastecer todas as bibliotecas do país. Neste momento, a Biblioteca Nacional controla, metodologicamente, uma rede de 30 instituições, desde bibliotecas provinciais, municipais e salas de leitura. Portanto, tem que envolver governos central e local. Em Luanda, por exemplo, a Comissão Administrativa colocou em funcionamento seis bibliotecas distritais e adquiriu a bibliografia básica. Estou a falar de uma na Ingombonta, duas no Rangel, uma no Sambizanga, na Samba, no Kilamba Kiaxi. Foram construídas e apetrechadas pelo município. É a estratégia adoptada, porque só a Biblioteca Nacional não daria conta de tudo.
A informatização que está em curso limita-se simplesmente ao catálogo?
Sim, numa primeira fase. Nós temos catálogos manuais e o que se quer é informatizá-los. E vamos disponibilizá-los paulatinamente. Não vamos colocar em pouco tempo os mais de cem mil registos bibliográficos que temos, mas vamos fazê-lo faseadamente. Isso vai permitir que um indivíduo em casa possa, no mínimo, saber o que tem na BN. Ora, não vamos ainda colocar os livros em formato digital, pois falta capacidade técnica para isso.