China é o maior credor de África
Os empréstimos directos e os créditos comerciais da China em África aumentaram de quase zero, em 1998, para mais de 1,6 triliões de dólares, quase 2 por cento do PIB mundial, em 2018.
A relação da China - e do Partido Comunista Chinês (PCC) - com os países africanos arrancou com as lutas de libertação e prosseguiu em diversas direcções. Até hoje, a China coloca-se do lado dos países colonizados, o que, sendo aceitável, carrega uma enorme retórica de aproximação. Para João Carlos Mavimbe, director-geral do Centro de Pesquisas Nova Rota da Seda da Universidade Eduardo Mondlane, de Moçambique, “os chineses já fizeram o trabalho de casa”
Os empréstimos directos e os créditos comerciais da China aumentaram de quase zero, em 1998, para mais de 1,6 triliões de dólares, quase 2 por cento do PIB mundial, em 2018. Os empréstimos vão principalmente para países de baixa e média renda. Apesar de não haver recuo possível na relação dos países africanos com a China, é aconselhável não esquecer a agenda continental no diálogo com as grandes potências.
O regime político chinês manifesta-se em diversas representações diárias. É normal andar pelas ruas de Pequim e notar que as máquinas de filmar, estrategicamente localizadas, estão a disparar algo parecido com um flash.
Os números são sempre difíceis de confirmar devido à falta de informações oficiais, mas existirão cerca de 4 milhões de câmaras de segurança em Pequim. Para uma cidade de cerca de 20 milhões de pessoas, isto significa que existe uma câmara por cada cinco habitantes. Para controlar todo este sistema de segurança e de acompanhamento dos cidadãos em tempo real são necessários cerca de 300 mil trabalhadores.
Tudo isto só em Pequim, a capital do país, alimentado por tecnologias de inteligência artificial, que incluem os famosos mecanismos de reconhecimento facial. Ou seja, quando o flash dispara, o sistema pode reconhecer automaticamente a pessoa que está na rua.
São métodos com efeitos positivos sobre a criminalidade e fenómenos conexos. Mas que encontram enormes resistências ao nível da privacidade e das liberdades individuais. Também é um negócio multimilionário.
O investimento chinês em segurança assemelhase a uma paranóia nacional. Mas temas como as alterações climáticas, o impacto da industrialização desregulada, o combate à corrupção e o aprofundamento da democracia não tiveram, até há pouco tempo, respaldo do lado chinês.
Todas estas questões foram mesmo um nãoassunto resguardado na premissa da não-interferência chinesa nos temas internos dos países africanos. Se a não-interferência faz parte da retórica e transformou-se já numa formalidade, também não é possível descolar (nem mesmo com muita ingenuidade) os empréstimos directos da China da vertente política. Há sempre alguma consequência política no seio de uma relação oleada a interesses económicos.
Para João Carlos Mavimbe, director-geral do Centro de Pesquisas Nova Rota da Seda da Universidade Eduardo Mondlane, de Moçambique, “os chineses já fizeram o trabalho de casa”.
“Eles já sabem mais ou menos o que lhes interessa e em que gama de projectos devem investir - e nós não temos ainda essa clareza de pensamento”, disse o investigador ao Jornal de Angola.
A relação da China - e do Partido Comunista Chinês (PCC) - com os países africanos arrancou com as lutas de libertação e prosseguiu em diversas direcções. Até hoje, a China coloca-se do lado dos países colonizados, o que, sendo aceitável, carrega uma enorme retórica de aproximação.
A China não pretende ser vista como um império - apesar de o ser, até por causa da sua vertente expansionista - ou como uma grande potência com objectivos de dominação.
“Talvez faça sentido pensar numa terceira fase de cooperação África-China”, defendeu João Mavimbe, que fala mesmo em "recalibrar a relação”.
“A China tem sido muito criticada por causa da eventual usurpação de recursos. A gente sabe que é um bocado verdade. A maneira chinesa de pensar é muito agressiva. Se é para entrar num processo, eles entram a fundo e, se não impomos barreiras, podemos prejudicar-nos”, acredita o académico moçambicano.
Na relação com os países africanos, a China habituouse a despejar dinheiro em cima dos problemas para depois assumir que não é preciso fazer perguntas sob pretexto da não-ingerência.
Só que este modelo não correu bem: trouxe problemas de ineficiência em diversos países de África, projectos falhados que alimentaram caminhos de corrupção e falta de transparência e acusações de má qualidade dos investimentos que, no fundo, acabam por rebentar com a imagem da China.
“É por isso que estão a mudar de abordagem, que é boa para nós. Os chineses vão dizer que pretendem fazer isto e aquilo. Mas também chegou a altura de perguntarmos: será que não podemos chegar a um meio termo?”, defendeu João Mavimbe, que é médico de formação.