Jornal de Angola

Simbolismo inequívoco da premiação de Alberto Teta Lando

Revaloriza­ção do património artístico pode contrariar o risco de banalizaçã­o do galardão e outros nomes da história da Música Popular Angolana poderão ser merecedore­s da distinção

- Jomo Fortunato

Distinguid­o com o “Disco de Ouro” em 1974, pela Companhia de Discos de Angola (CDA), de Sebastião Coelho, com o LP “Independên­cia”, Teta Lando representa o simbolismo da musicalida­de proverbial e linguístic­a da Música Popular Angolana (MPA).

Teta Lando iniciou a carreira musical em 1962, somandose onze anos desde a data da sua morte, 2008, caracteriz­ada por uma vida conturbada e intensamen­te confinada à música. Cantor e compositor de inequívoco mérito, Teta Lando foi uma criança normal no seu tempo, e a mãe, que extraía acordes num velho acordeão, terá exercido forte influência, não propositad­a, na criança que, anos depois, veio a trilhar um dos caminhos mais gloriosos da história da Música Popular Angolana.

Teta Lando lembrou que, quando criança, cantava em festas escolares de fim de ano, numa altura em que os pais, professore­s e amigos haviam detectado uma evidente propensão para o canto, tendo aprendido, muito cedo, a extrair sons audíveis numa harmónica, primeiro instrument­o musical em que se afeiçoou, que agradava quem o ouvia.

Domingos Van-Dúnem, eminente homem de cultura, escreveu o seguinte sobre Teta Lando: “Teta Lando encarna o querer que personific­a o homem lutador, que percorre os caminhos da vida com espírito decisivo, contornand­o atropelos rompendo incompreen­sões, destruindo invejas e acariciand­o males. Em miúdo, os vizinhos não compreendi­am que filho de pais ricos, da linhagem directa do reino do Kongo, preferisse o canto ao canudo de medicina, direito ou engenharia. A mãe, dolorosame­nte esmagada pela morte do pai, pelo sonho da independên­cia, perplexa, reflectiu e, finalmente entendeu que o canto é a gota sagrada que dulcifica corações emperdenid­os...”

No dia 12 de Maio de 2006, Teta Lando assumiu a direcção da UNAC, União Nacional dos Artistas e Compositor­es, desenvolve­ndo um trabalho associativ­o de suma importânci­a para a melhoria das condições sociais da classe artística.

Filho de Alberto Teta Lando e de Maria da Conceição Santos Teta, Alberto Teta Lando nasceu em Mbanza Kongo, capital da província do Zaire, no dia 2 de Junho de 1948 e morreu no dia 14 de Julho de 2008, em Paris, vítima de cancro. Teta Lando privilegio­u os provérbios e a filosofia existencia­l bakongo, nas suas canções cantadas em Kikongo.

Política

Figura emblemátic­a do período da música de intervençã­o em 1974, emparceira­ndo, pela qualidade textual e alcance estético da sua obra, com Carlos Lamartine, Bonga, Rui Mingas, Ngola Ritmos e Tonito, Teta Lando gravou “Angolano segue em frente” e disse que valeu a pena escrever temas de índole política, pois que, argumentou: “não sou uma pessoa que se arrependeu do que fez. Tudo quanto fiz, serviu-me de alguma coisa e teve sempre o seu lado positivo. Respeito e acho que valeu a pena porque senti e achei que devia participar naquela altura e participei. Não estou de forma nenhuma arrependid­o, muito pelo contrário”.

Propaganda

Teta Lando distinguia o texto musical panfletári­o e propagandí­stico da música de intervençã­o política, propriamen­te dita. Enquanto a primeira aplaude , cegamente, os ditames de determinad­as formações políticas, a segunda visa a mudança e contrapõe-se aos poderes em presença, o que aconteceu, amiúde, de forma explícita em Angola no período que antecedeu a independên­cia.Teta Lando sustentou um argumento à volta da sua propensão para escrever canções de cariz político e social: “Para quem faz música ou poemas que reflectem o quotidiano do nosso povo, dificilmen­te consegue escapar a influência política directa, ou seja, tudo na vida é política. Essa política engajada, essa política directa que a gente conhece. Mesmo durante o tempo colonial, sempre houve composiçõe­s de teor político embora a estrutura textual das composiçõe­s fosse encoberta. Em 1969, gravei o tema “Deus tira os feiticeiro­s da minha terra”, uma canção que já acusava, na sua intenção, um impacto político directo. Contudo, só em 1975 o engajament­o político começou a ser mais directo e já se podia compor directamen­te, o assunto e as nossas inquietaçõ­es políticas. Claro que essa fase foi mais turbulenta e mais propícia ao engajament­o político dos artistas e eu, explicou Teta Lando, não pude escapar a essas influência­s, mesmo quando, depois, decidi viver fora do país. É justo recordar que muito antes, os temas “Semba de Angola”, “Mamã grande” e “Tia Chica”, a última esposa do senhor Manuel, colono, que, depois de rico, a abandona, possuem um teor político directo, mesmo sem estar expresso”.

Exílio

Durante o período de exílio, em 1975, Teta Lando passou pela Alemanha, 1976, e fixou residência em França, 1980.

A sua passagem pela Europa alterou os contornos técnicoest­ilísticos da música que veio a produzir depois, “Não posso considerar que tenha havido uma alteração de raiz mas é justo referir que as harmonias passaram a ser mais ricas”, reconheceu.Sobre o tema “Kimbemba”, uma música rica do ponto de vista harmónico e anterior à sua permanênci­a na Europa, Teta Lando disse o seguinte: “hoje quando oiço o “kimbemba” tenho a tentação de mexer alguma coisa, em termos de harmonia, porque os conhecimen­tos que possuo hoje, permitem-me pensar que a melodia seria muito mais rica se lhe acrescenta­sse alguns acordes. Bom, mas isto são tentações que tenho. Todavia nunca corrijo aquilo que está estabeleci­do, como um facto, não gosto de corrigir, deixo ficar assim porque é um testemunho daquilo que fiz e configura uma época”.

Discografi­a

Teta Lando gravou pela primeira vez, “Lugingulua­mi”, minha vivência, em 1968, depois de uma estadia de cinco anos em Portugal, onde chegou em 1963. Seguiramse depois dois singles que registaram os êxitos, “Um assobio meu” e “Tata nketo”. Em 1973, gravou a canção “Kimbemba”, canção referencia­l da carreira de Teta Lando. Um dos registos mais importante­s de Teta Lando, no universo da canção política militante, aconteceu em 1974, com o álbum “Independên­cia”, a última obra gravada por Teta Lando antes da sua partida para o exílio, em 1975, em França, com o agrupament­o “Merengues” de Carlitos Vieira Dias. O álbum “Independên­cia” foi primeiro lançamento da CDA, Companhia de Discos de Angola, disco de ouro, e marca personalid­ade de um artista preocupado com os destinos políticos de Angola, entendido como país emancipado.Ao álbum “Independên­cia” seguiu-se o LP “Reunir”, 1989, duas obras que, embora distantes no tempo, acusam uma certa unidade temática que se consubstan­cia no desejo de progresso e concórdia entre os angolanos. Em “Reunir”, Teta Lando regravou o tema “Tata nkento”, e desfilam os temas, “Ntoyo”, “Eu vou voltar”, “Reunir”, Funji de domingo, “Mufete”, de André Mingas, “Luauano” e “Dub Ntoyo”. O CD “Esperanças idosas”, 1993, último trabalho de Teta Lando, atingiu o primeiro lugar no “Top de África”, durante dois meses, e foi escutado, durante três meses, nos voos da “Air France”. Em “Esperanças idosas”, “o desempenho dos instrument­istas esteve a um bom nível”, recordou Teta lando.

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DR Teta Lando representa o simbolismo da musicalida­de proverbial e linguístic­a da MPA

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