Ser ou não ser (patriota), eis a questão
Em abordagens simplórias ao meu pensamento, tenho-me interrogado sobre as razões que levam um cidadão normal a alimentar o desejo de ser rico, milionário, ou ter a ambição de ser figura pública, de ser ministro, governador ou presidente do seu país. Em princípio, aceito que todo o cidadão tenha esse direito. Noutra perspectiva, também me pergunto sobre os que, ultrapassando períodos de remanso, dão o salto para a ribalta e apresentam-se como profícuos comunicadores, dos mais conscientes e justiceiros cidadãos do mundo. Tais como os outros, esses têm igualmente toda a legitimidade de fazer o que fazem.
O que me preocupa, na verdade, são as intenções que subjazem das atitudes. Será, porventura, a defesa intransigente da terra, da pátria, da Nação, das populações, que movem as pessoas? Se devo acreditar que sim, tenho, por outro lado, todo o direito de duvidar. Porque me considero um privilegiado, por saber, de um modo prático, o que verdadeiramente move, motiva, a maioria das pessoas angolanas. São muitos anos de tirocínio que carrego, de convívio, que me possibilitam o conhecimento da espécie, a forma de ser da grande maioria dos nossos compatriotas. Daí que me atreva a pensar que só motivos fortes, posso adivinhar, levam a esgrimir com tamanha contundência e ligeireza, em tempo criteriosamente escolhido, palavras tão estudadas, só próprias de activistas, agitadores de massas, perturbadores, líderes contestatários, todas essas figuras do género. Repito a pergunta, o que moverá as pessoas para esse tipo de acção? Longe de mim a ideia de que não sejam nobres os propósitos que os norteiam. Mas, nas minhas pobres reflexões, permanece, legitimamente, a dúvida.
Analiso a actividade do candidato a político, como a do simples agitador, e verifico que ambos executam trabalhos desgastantes, desconfortáveis e perigosos, nalguns casos até, perfeitamente desajustados das capacidades de cada intérprete. Reitero. O que estará por detrás da motivação que leva a empreitadas de tal envergadura, aparentemente importantes para a sociedade, de facto, difíceis e complexas de serem executadas? Tenho-me perguntado sobre isso, e não descarto, à partida, a possibilidade de se tratar, para alguns casos, apenas e só, de simples vontade de provocar a confusão.
E partindo da tese de que o ser humano é um animal político, foco o modo prosaico da acção e os timings em que os indivíduos vão mostrando essas tendências para cultivar virtudes ético-políticas, actividades discursivas que atendem aos seus interesses, com peças elaboradas a preceito, para serem, como são, devidamente partilhadas. Nesse exercício, evidenciam (ou nem por isso) os seus dons de livrepensadores que passam assombrosamente ao palco das emoções, para espanto do público e até deles próprios. Mas, afinal de contas e vistas bem as coisas, tudo isto é perfeitamente natural. Vive-se a modernidade do tempo! Mas então, porque nunca foram esses atributos mostrados à sociedade em momentos que mais justificavam a acção contestatária? Que eu saiba, os grandes políticos mundiais fazem percursos bem definidos nas suas carreiras, e a sociedade vai acompanhando. Connosco, parece não ser assim. Os políticos fabricam-se sobre modelos duvidosos.
Voltando à vaca fria, cada indivíduo com capacidade intelectual e qualidade de discurso, com atitude séria e agindo de acordo com o que a sua consciência lhe dita, cada pessoa nessas condições, deve mostrar que exerce o seu direito de cidadania e pode, naturalmente, ser seduzida pelas luzes da fama (ou por aquilo com que se compram os melões, ou pelos dólares com que se sustentam fora do país, que projectam negócios e viagens para os concretizar). Pode ganhar notoriedade para se aproximar do grande público, do grande capital, de eventuais parceiros, quiçá, de futuros admiradores e, quem sabe mesmo, de putativos eleitores. Mas há, entretanto, no meio de tudo isso, uma verdade que não pode ser negada: este cenário democrático que nos tem levado ao delírio e ao êxtase, era impensável há dois anos atrás. Quem ousasse, e houve quem ousasse, sofria as consequências, sabemos muito bem.
Não havendo na vida bela sem senão, nestes tempos de liberdade, o busilis surge quando se coloca ao cidadão pretensioso, a questão que se situa para lá da sua retórica, da notoriedade que cada um deseja alcançar, da satisfação do ego e da vaidade pessoal que cada qual transporta e gosta de exibir. Quantas vezes, de que maneira! Caramba, quem não gostaria? Como deve ser porreiro ser ministro ou deputado, ser presidente da República deve ser o máximo! Nossa, quanto poder! Em bom rigor, o problema surge quando se questiona o que o indivíduo candidato pode oferecer, de facto, enquanto cidadão e patriota. Porque toda a energia posta nas causas defendidas em comícios, teses e em moções, nada tem a ver com a família, com o kimbo ou com a sanzala de cada um, com os interesses de cada partido político ou de cada um dos seus membros destacados, mas sim de um todo nacional, de um conjunto que aglomera milhões de pessoas a viver problemas de diversa natureza, de um todo chamado pátria, com o qual se comprometem ou deveriam comprometer. E nesse território imenso, ninguém, nem os mais seguros arautos da defesa dos legítimos interesses dos seus concidadãos, pode dar-se ao luxo de andar a passear-se, como quem vai à procura de oportunidades de negócio, ou à caça dos gambuzinos. Por essas razões, existem muitos ângulos pelos quais podem ser observados, avaliados e escolhidos os verdadeiros patriotas. Sejam eles vulgares cidadãos, candidatos a autarcas ou políticos de topo, simples “agentes económicos”, comerciantes, magnatas ou puros amantes da boa vida.
Em Angola, por experiências vividas e pelo preço que pagou e vem pagando, o cidadão comum aprendeu bem a diferenciar quem é ou não é o patriota. Tem plena noção de que quem se envolveu nas guerras, na de libertação como nas civis que se lhe seguiram, quem participou e lutou, com armas ou com ferramentas nas mãos, quem consentiu sacrifícios e deu parte da sua vida a lutar pela preservação dos valores nacionais; quem teve para além desses predicados, e tem na sua conduta exemplar e no seu nome limpo, não manchado por atitudes contrárias àquelas que a Constituição da República consigna, tem, sim senhor, os requisitos necessários para ser considerado um verdadeiro patriota. Contrariamente, todo aquele que só soube beneficiar da fartura, que se embrulha em assuntos turvos, evidencie ambições desmedidas e vestígios de participação em actos praticados ou tentados, por oportunismos manifestados, por apoio a actividades que se mostram atentatórias ao desenvolvimento da sociedade angolana e sejam contrárias à inclusão de todos na grande corporação, não pode, de modo nenhum, ser considerado um patriota. Daí que, em Angola, decerto, não se vão dar bem os que não derem provas evidentes de patriotismo. Tenham o poder político, o dinheiro, as habilidades, os cursos, os sistemas, as ideias, as espertezas e as inteligências que tiverem ao seu alcance e puderem manejar.
Em Junho de 2012, o jurista e docente angolano Zangue dos Santos, escreveu numa página deste jornal: “para construir uma sociedade mais humana é necessário que cada um diga que a nossa verdadeira nacionalidade é o patriotismo. Ser patriota é agir em defesa da pátria sem a exclusão de ninguém”. Subscrevo o seu pensamento. Para terminar com esta questão polémica, nada melhor que recordar a conhecida frase de “A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca”, de Shakespeare: ser ou não ser, eis a questão. Em inglês, to be, or not to be, that is the question.
“Para construir uma sociedade mais humana é necessário que cada um diga que a nossa verdadeira nacionalidade é o patriotismo. Ser patriota é agir em defesa da pátria sem a exclusão de ninguém”