Todos “irremediavelmente” rendidos ao gospel
Com a realização do Duetos N’Avenida que reuniu Bambila e Miguel Buíla, no feriado de motivação religiosa num Estado que é laico, aconteceu, literalmente, uma "boa invasão" ao CCB - Centro de Convenções de Belas. No local, no dia 2 de Novembro, aconteceu uma verdadeira convenção ecuménica, que incluiu muitos ateus, em torno da música gospel. Bambila e Miguel Buila, dos mais reconhecidos cultores desse género musical de louvor e exaltação a Deus, protagonizaram uma das mais ousadas e arriscadas parcerias do Duetos N’Avenida
Num dia tendencialmente triste, dado que é dedicado à memória dos que já partiram, o ambiente no CCB foi tomado por um certo arrebatamento espiritual e quase místico, e até mesmo de alegria. O show da dupla Bambila e Miguel Buila, montado com base nos principais sucessos de ambos, deu a impressão que a partilha de palco entre os dois é uma constante, tal foi o entrosamento e a naturalidade das vozes e dos gestos.
Diferente dos concertos anteriores, antes da dupla antecipada surgiram em palco outros nomes, que, pela reacção dos presentes, são bastante consumidos no mercado musical de “intervenção religiosa”. Aliás, o único aspecto que difere ou caracteriza o gospel no mosaico musical é a mensagem, pois este “género” musical é feito com as notas, as harmonias e os ritmos de qualquer estilo adoptado pelo cantor. É o mesmo que dizer que todos os estilos musicais - semba, kizomba, soul, reggae, rock, etc. - estão ao serviço do gospel.
Um dos exemplos mais dignos foi a proposta apresentada pelo irmão Medi, que surgiu com uma kizomba que não deve nada aos sucessos actuais deste género. O autor até referiu: “Não é uma Kizomba mundana, mas seguramente não é de abdicar um pé de dança.”
Os homens esperados, Bambila e Miguel Buila, subiram ao palco sob um manto de aplausos. “Quando te sentes lindo até pensas em levantar. E quando canto me sinto em pé", disse Miguel
Buila, brincando, implicitamente, com a sua condição de cadeirante. Foi com “Há um Deus” que a dupla MB2 - entenda-se Manuel Bambila e Miguel Buila - abriu o aguardado concerto. E, como é prática nas actuações de ambos, fizeram uma oração.
Ainda na fase inicial do concerto, surgiu o outsider Kyaku Kyadaff, músico com passagem nas escolas católicas e que chegou a pensar numa vida dedicada à religião. Ele mostrou que as bases ficam para sempre. Com o também católico Miguel Buila, “Seja Louvado”, um nkembo típico dos tocoistas, aqueceu o ambiente.
Neste tema o solista Texas demonstrou que existem jovens a tocar para bem kembelar. A lembrar o saudoso Matumona Sebastião, Jack, o baixista, fez uma perfeita marcação.
Com apelos à mudança de atitudes e incentivo à superação das adversidades, ao abandono das más práticas e à transformação pessoal e do ambiente em redor, seguiram-se temas motivacionais e de adoração como “Está na mão de Deus”, “Mergulha”, “Morreu na mão de Deus”, “Já não sou mais” e “Morreu por mim”, este último interpretado apenas por Bambila. Buila mostrou outra sua faceta, a de percussionista, em “Mankembo”, um tema onde a matriz tradição esteve presente, interpretado em kimbundu, umbundu, lingala e kikongo e que fez as pessoas viajarem mentalmente (espiritualmente?) para os ambientes das igrejas católicas dos ambundu, os templos evangélicos do Planalto Central e os cultos baptistas do Norte de Angola. O meio de “transporte” foram as vozes de Bambila e Buila.
“A vida da minha história”, original de Miguel Buila, também cantada em dueto, abalou os "alicerces" de todos. Transcrevemos a letra pungente da música: “Eu nasci para te adorar / tiraram as minhas pernas / o Senhor me deu asas / tiraram os meus trilhos / o Senhor me deu seus passos / tiraram a minha terra / o Senhor me deu o céu / mamãe orou para me ver a andar / e o diabo festejou com os pés quebrados”. A sala em uníssono repetiu o coro “Nasci para te adorar”.
Todas as músicas eram acompanhadas pela plateia em pé, facto bem comprovado em “Ele é o Cordeiro” e “Eu entrego a minha vida”, dois dos temas mais aclamados de Bambila. Na mesma onda, sucederam-se os temas “Deus me consola”,
“Visita o meu coração”, “Dupla Honra” e “Anguabeleye”.
Diversidade e abertura
Numa noite marcada pela presença, na plateia, de várias lideranças religiosas e de crentes de diferentes congregações religiosas, além de muitos não crentes ou ateus, o espírito de partilha da dupla, que abriu o palco a convidados seus, estabeleceu uma comunhão espiritual potenciada pela natureza do próprio gospel. Glória Silva, recentemente vencedora do African Entertainment Awards na categoria Gospel e Nsimba Rebooth, foram “repescados” na plateia e entraram no espírito da coisa fazendo uma canjinha em “Me dá só Samuel” e “Quero a minha bênção”.
Para o fim, ficaram os temas que não apenas circulam no circuito da música evangélica, e que, por sinal, são as mais dançantes e muito frequentes em encontros não religiosos. São os casos de “Vitória”, de Miguel Buila, que chegou a ser incorporado no repertório do grupo carnavalesco União Kilamba, e “Abençoa só”. Os temas vertidos numa kilapanga com muita garra, “Naquele dia foste aonde”, assim como “Segura a minha mão”, ajudaram a encerrar a viagem musical de quase três horas. Quase ninguém se deu conta do prolongar do tempo.
Destacamos o desempenho dos instrumentistas Texas (solo), Jack (baixo), José e Prince (nos teclados), Moniz (bateria) e do cubano Yasmane Santos (percussão), sem esquecer o quarteto Josafat, nos coros.