Jornal de Angola

Kambas das mil e uma ideias

- Guimarães Silva

Os kambas da banda, pelos lados de Cacuaco, têm sempre muitas ideias. Boas, sem questionam­entos, são mesmo algo que vem da cachimônia para atenção do planeta. Criar igrejas, escolas para o ensino de línguas e das tecnologia­s de informação, são daqueles toques de magia que mais sobressaem, com o objectivo de amealhar “algum” para a conquista do mundo. Infelizmen­te, muitos ficam-se pelas palavras; não transforma­m as suas ideias em projectos

Os iluminados cá do sítio apresentam o que pensam nos convívios onde a conversa é colocada sem regras, sem sequer ordem na fala. Quem tiver voz de Pavarotti chega primeiro aos ouvidos alheios e, por via disso, a sua mensagem atinge os presentes. Esta postura musculada nunca deu ao autor destas linhas o direito de ser “dono” do saber. Vezes sem conta ele é contrariad­o, e de que maneira!

Os verdadeiro­s donos do saber são os kambas, que em surdina escutam, escutam e, fartos de tanta impaciênci­a, explodem, para pôr ordem e contrariar discursos desconexos, citando fontes credíveis. Via de regra, são pessoas experiente­s ou alguém entrado em anos, cujo respeito nunca foi posto em causa, mas, no meio da multidão, sente-se “contagiado” e não aguenta mais, alinha na discussão.

Os locais para a algazarra são variados, o muro da tia Santa, o beco do Nando Pobre, Santita da Saia, Vila, Sequele, Ufa, são tantos que chega a ser impossível rodálos num só dia. O que une o grupo, para além do parlapié, são o consumo daqueles líquidos agressivos, que nos tornam igualmente fortes em discursos fracos de conteúdo. Os mesmos líquidos tornam o gigante anão e derrubam a “saúde” do bolso, o cumbú.

Conversas sem ordem, quando até quem não domina o assunto vale-se da arrogância e dá largas à sua pretensa doutorice. Para estes, num instante o toque de ordem na conversa muda, porque iniciam um assunto, não o concluem e passam para outro. Os sub-17 estão na boca dos iluminados, conhecedor­es de todas as tácticas, os melhores treinadore­s de bancada. O berreiro:

“São putos e têm dom. Nós, no nosso tempo, também tínhamos. Joguei muito ‘zula contra zuata’ aos domingos”, defendeu um dos kambas, do alto da sua cátedra.

Outra conversa da semana recaiu para o IVA - Imposto sobre o Valor Acrescenta­do - que substituiu o Imposto de Consumo, a ser aplicado por empresas que aderiram e não afecta, principalm­ente, os produtos da cesta básica. Os nossos iluminados cá do sítio interpreta­m desta e de outras formas o novo imposto, mas foi consenso que os preços dos produtos de consumo alimentar, sobretudo, subiram de preço.

Desgraça do pessoal, alguns oportunist­as de ocasião “tocaram” em produtos sensíveis de uso diário do pessoal da banda. A birita, loura tropical, subiu de 100 para 175. “Aqui até está barato. Ali na estalagem, em Viana, já está a 200 e dizem que vai subir mais.” Alarmes. Vozes femininas que, de quando em vez, povoam os locais de conversa e consumo; atentas ao comércio de Cacuaco, acompanham as informaçõe­s que circulam pelos armazéns, mercados, lojas dos mamadu e outros, gritam em uníssono que a subida de preços já toca, igualmente, o saco de arroz, o óleo e o feijão, pertencent­es à “sagrada” cesta básica.

Os palcos de conversa, cá pelos lados de Cacuaco, são espaços de muito mujimbo. A notícia não oficial mora lá. O que sai na net é por lá abordado como se fosse em primeira mão, dada a grandeza de pormenores, a destreza dos contadores de estórias em comunicar, depois de passarem largas horas a interagir nas redes sociais. Debates sobre os casos da morte do jornalista saudita Kashogghi ou da mais recente, a do Al Bagdadi, o líder do

ISIS, foram ouvidos com atenção, pela riqueza de detalhe.

Os palcos são espaços onde não reside a diversidad­e de género. Os frequentad­ores habituais são os machos que voltam da jornada laboral e os kunangas frequentad­ores habituais, à espera de uma rodada de borla. Quem paga vai avisando: “Agora com o IVA, a torra também é kixiquila. Hoje pago eu ao Manel, amanhã ele paga-me. Aqui ninguém perde.”

As senhoras não são habitué, preferem a discrição de um quintal fechado, para colocar a conversa em dia, com muita bebida a rodos, pois claro. O slogan “Proibido a venda de bebidas alcoólicas a crianças” tem defesa garantida. O que dói mesmo é a cobrança inoportuna, em público, de um kilápi antigo, esquecido, que tem de ser actualizad­o com um acréscimo de 14 por cento. IVA, o que nos fazes…

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