Kambas das mil e uma ideias
Os kambas da banda, pelos lados de Cacuaco, têm sempre muitas ideias. Boas, sem questionamentos, são mesmo algo que vem da cachimônia para atenção do planeta. Criar igrejas, escolas para o ensino de línguas e das tecnologias de informação, são daqueles toques de magia que mais sobressaem, com o objectivo de amealhar “algum” para a conquista do mundo. Infelizmente, muitos ficam-se pelas palavras; não transformam as suas ideias em projectos
Os iluminados cá do sítio apresentam o que pensam nos convívios onde a conversa é colocada sem regras, sem sequer ordem na fala. Quem tiver voz de Pavarotti chega primeiro aos ouvidos alheios e, por via disso, a sua mensagem atinge os presentes. Esta postura musculada nunca deu ao autor destas linhas o direito de ser “dono” do saber. Vezes sem conta ele é contrariado, e de que maneira!
Os verdadeiros donos do saber são os kambas, que em surdina escutam, escutam e, fartos de tanta impaciência, explodem, para pôr ordem e contrariar discursos desconexos, citando fontes credíveis. Via de regra, são pessoas experientes ou alguém entrado em anos, cujo respeito nunca foi posto em causa, mas, no meio da multidão, sente-se “contagiado” e não aguenta mais, alinha na discussão.
Os locais para a algazarra são variados, o muro da tia Santa, o beco do Nando Pobre, Santita da Saia, Vila, Sequele, Ufa, são tantos que chega a ser impossível rodálos num só dia. O que une o grupo, para além do parlapié, são o consumo daqueles líquidos agressivos, que nos tornam igualmente fortes em discursos fracos de conteúdo. Os mesmos líquidos tornam o gigante anão e derrubam a “saúde” do bolso, o cumbú.
Conversas sem ordem, quando até quem não domina o assunto vale-se da arrogância e dá largas à sua pretensa doutorice. Para estes, num instante o toque de ordem na conversa muda, porque iniciam um assunto, não o concluem e passam para outro. Os sub-17 estão na boca dos iluminados, conhecedores de todas as tácticas, os melhores treinadores de bancada. O berreiro:
“São putos e têm dom. Nós, no nosso tempo, também tínhamos. Joguei muito ‘zula contra zuata’ aos domingos”, defendeu um dos kambas, do alto da sua cátedra.
Outra conversa da semana recaiu para o IVA - Imposto sobre o Valor Acrescentado - que substituiu o Imposto de Consumo, a ser aplicado por empresas que aderiram e não afecta, principalmente, os produtos da cesta básica. Os nossos iluminados cá do sítio interpretam desta e de outras formas o novo imposto, mas foi consenso que os preços dos produtos de consumo alimentar, sobretudo, subiram de preço.
Desgraça do pessoal, alguns oportunistas de ocasião “tocaram” em produtos sensíveis de uso diário do pessoal da banda. A birita, loura tropical, subiu de 100 para 175. “Aqui até está barato. Ali na estalagem, em Viana, já está a 200 e dizem que vai subir mais.” Alarmes. Vozes femininas que, de quando em vez, povoam os locais de conversa e consumo; atentas ao comércio de Cacuaco, acompanham as informações que circulam pelos armazéns, mercados, lojas dos mamadu e outros, gritam em uníssono que a subida de preços já toca, igualmente, o saco de arroz, o óleo e o feijão, pertencentes à “sagrada” cesta básica.
Os palcos de conversa, cá pelos lados de Cacuaco, são espaços de muito mujimbo. A notícia não oficial mora lá. O que sai na net é por lá abordado como se fosse em primeira mão, dada a grandeza de pormenores, a destreza dos contadores de estórias em comunicar, depois de passarem largas horas a interagir nas redes sociais. Debates sobre os casos da morte do jornalista saudita Kashogghi ou da mais recente, a do Al Bagdadi, o líder do
ISIS, foram ouvidos com atenção, pela riqueza de detalhe.
Os palcos são espaços onde não reside a diversidade de género. Os frequentadores habituais são os machos que voltam da jornada laboral e os kunangas frequentadores habituais, à espera de uma rodada de borla. Quem paga vai avisando: “Agora com o IVA, a torra também é kixiquila. Hoje pago eu ao Manel, amanhã ele paga-me. Aqui ninguém perde.”
As senhoras não são habitué, preferem a discrição de um quintal fechado, para colocar a conversa em dia, com muita bebida a rodos, pois claro. O slogan “Proibido a venda de bebidas alcoólicas a crianças” tem defesa garantida. O que dói mesmo é a cobrança inoportuna, em público, de um kilápi antigo, esquecido, que tem de ser actualizado com um acréscimo de 14 por cento. IVA, o que nos fazes…