“Nguami Maka” em concerto no Espaço Chá de Caxinde
Jorge Mulumba assegura uma das formações mais importantes da nova geração de intérpretes da Música Tradicional Angolana, na continuidade do legado deixado pelo seu tio, Manuel Francisco dos Santos Rodolfo, o emblemático Kituxi
A Música Popular Angolana, actualizada no espaço urbano, tem a sua origem mais remota na tradicional e mais próxima nas turmas de Carnaval. Existe um segmento musical, que se configura no espaço rural, do qual o grupo Tradicional “Nguami Maka” herdou a estrutura e as canções, ritualizado por diversas práticas e costumes, dimensionado num quadro antropológico e cultural muito específicos.
A música tradicional influenciou o desenvolvimento da Música Popular Angolana e esta, por sua vez, absorveu, paulatinamente, as técnicas de execução dos instrumentos musicais ocidentais, por múltiplos processos de estilização e foi adquirindo a feição estrutural que hoje se conhece.
O legado de Manuel Francisco dos Santos Rodolfo, Kituxi, um dos mais importantes intérpretes do cancioneiro tradicional da região Kimbundo, está assegurado pelo seu sobrinho, Jorge Mulumba, filho do seu irmão mais velho, herdeiro da nova geração de instrumentistas da música tradicional angolana e fundador do grupo, “Nguami Maka”.
Jorge Mulumba, enquanto herdeiro da obra do seu tio, explicou o processo de herança, nos seguintes termos, “Entrei para o “Grupo Kituxi e seus acompanhantes” em Agosto de 2008, ocasião em que o Mestre Kituxi começou a dar sinais de problemas de saúde. Fomos a Portugal para inauguração de uma fábrica de azeite e a seguir nas comemorações do dia Independência de Angola em Pretória, África do Sul. O Mestre Kituxi recomeçou em Fevereiro de 2010 eem Dezembro do mesmo ano teve uma nova paralisação. Nesta data fui convidado a regressar mas por motivos de ocupação não pude preencher o vazio deixado por Lutuíma Sebastião Beni, do grupo “Kamba Dia Muenhu”. Depois do regresso do grupo da Expo Xangai, China, fui novamente chamado para interpretar as músicas mais conhecidas do Mestre para dar uma força que o grupo precisava. Quero agradecer e deixar expresso o apoio prestado por Raúl Tolingas, personalidade que muito contribuiu para o desenvolvimento do grupo, “Nguami Maka”, nos seus mais variados níveis”.
Filho de António João Henriques e de Victória Alfredo Januário, Jorge António Henriques, “Mulumba”, nasceu em Luanda, Bairro Marçal, no dia 12 de Março de 1978.
Fundação
Jorge Mulumba explicou como foi fundado o “Nguami Maka”, “Face a necessidade de contribuir para o engrandecimento da cultura angolana, eu e um grupo de jovens decidimos fundar o grupo “Nguami Maka”. No seu amadurecimento, fomos tendo apoios de pessoas singulares sensíveis a projectos desta índole, fomos desenvolvendo e conquistamos o nosso espaço. Fundado no dia 20 de Abril de 2002, o grupo “Nguami Maka”, expressão em kimbundu que significa, não quero problemas, integra, Jorge Mulumba, voz, hungo, puíta, lata e kissanji, fundador, Francisco Fernando, Nando, ngoma solo, Paulo Venâncio, Roma, ngoma base, João Manuel, Jojó, dikanza, Pascoal Gonga, Caminha, Mukindo, fundador, e Lolito da Paixão, vocalista e toca ngoma solo. Mingo, falecido, pertenceu ao grupo como vocal, tocava ngoma base, e foi, igualmente, um dos seus fundadores.
Caracterização
A música tradicional caracteriza-se, essencialmente, pela bitonalidade e o anonimato na composição, ou seja, a noção de autoria e propriedade intelectual é anulada pelo tempo, sendo as peças musicais aceites, de forma pacífica, como sendo de criação colectiva no interior das comunidades. Inversamente, a música popular tem sempre um ou vários compositores individualizados, claramente identificados e, regra geral, foge da bitonalidade, através de um desdobramento de múltiplos acordes musicais, socorrendo-se, quase sempre, da contribuição da música popular de outros países, constituindo uma música mais propensa a influências.
Instrumentos
Além da lata e do kissanji, o grupo “Nguami Maka” utiliza a ngoma, instrumento que teve uma função de suma importância ao longo da história e na origem da Música Popular Angolana. A ngoma, espécie de tambor cilíndrico ou de formato cónico, revestido com pele, preferencialmente de cabra, numa ou nas duas faces, é o instrumento do Amadeu Amorim, o célebre nacionalista do conjunto Ngola Ritmos.
A dikanza, executada de forma sábia, por Raul Tolingas, é um instrumento nobre de acompanhamento que, segundo José Oliveira de Fontes Pereira, dialoga, ritmicamente, com a concertina, a viola, o kibabelo e a percussão. José Oliveira Fontes Pereira insurge-se contra os que designam a dikanza de reco-reco, uma onomatopeia que associa o som do instrumento, quando friccionado pelo kixikilu (vara rítmica de fricção). “Ó hihi a i xanadikanza” é uma frase de Maria Martins dias dos Santos (Mutúri Marica), mãe de José Oliveira de Fontes Pereira e do Fontinhas do Ngola Ritmos, pronunciada em 1947. José Oliveira de Fontes Pereira, que além de executante, foi um exímio construtor de dikanzas, e possui um modelo construtivo, assente em dezoito passos, para se obter uma perfeita dikanza, o verdadeiro nome do reco-reco.
O hungo, instrumento monocórdico com formato de arco e flecha, é constituído por uma corda presa nos dois extremos do arco, com uma cabaça que serve de caixa-de-ressonância. O kissanji e a puíta são instrumentos muito presentes nos grupos tradicionais, o último dos quais constituído por uma caixa cilíndrica, com pele numa das faces, cujo som se obtém, por fricção, com os dedos húmidos num caniço colocado no interior da referida caixa.
Concerto
No concerto do dia 7 de Novembro, no espaço cultural, Chá de Caxinde, o grupo “Nguami Maka” interpretou os seguintes temas, “Amanhã”, do Duo Ouro Negro, “Dia ngo ué”, Ngola Ritmos, “Dingongenu”, Kitandakiá São Paulo” e “Rumba Minga, da autoria do Kituxe, “Camacove” e “Mona kungi xiça”, Bonga, “Nanhiuáxana”, “Kiá mu kamba” e “Se manhenu”, Nik, “Semba lamba” e “Semba Lekalu”, Urbano de Castro, “Vale, vale”, Grupo Teatral Ngongo, e “Em Angola”, canção de Dionísio Rocha.