Limpam fossas por necessidade e esperam por algum respeito
Se na Kilunda as famílias batem-se por uma casa de banho, em Luanda, os profissionais que se dedicam ao trabalho de desobstrução de tubos de fossas sofrem com a discriminação e a desvalorização.
Paulo Nataniel, 42 anos, Celestino António (41) e João Praia (44) decidiram abraçar o trabalho de saneamento por não terem outra alternativa. Disseram que o trabalho, apesar de constituir a principal fonte de sustento das famílias, lhes tem custado muito caro.
“Ainda vivemos numa sociedade bastante ignorante, que chega a pensar que o único trabalho digno de ser feito é do escritório”, lamentou um deles.
Há oito anos a fazer o trabalho, que envolve também, em alguns casos, a limpeza de fossas, João Praia referiu que, certa vez, ao desentupir o tubo da fossa de uma instituição, foi barbaramente discriminado por uma mulher, por sinal empregada de limpeza, nos seguintes termos: “Se o meu namorado aceitasse fazer esse trabalho, ainda que me desse uma mesada de mil dólares, o deixaria no mesmo dia”, lembra, com tristeza. Embora já se tenha passado algum tempo, desde que ouviu o insulto, o cidadão diz estar ainda traumatizado. Confessou ter dificuldade para falar do trabalho que faz, porque teme ser discriminado. João Praia apontou o cheiro das fezes como o principal problema do trabalho. “Apesar de já estar a fazer este trabalho há um tempo, ainda não me acostumei ao cheiro”, frisou. Muitos colegas que faziam o mesmo trabalho, prosseguiu, encontram-se actualmente em casa, acometidos de infecção pulmonar. Ele acredita que a doença dos colegas foi provocada pelo trabalho que fazem.
Celestino António faz o mesmo trabalho há 12 anos e, diferente do seu colega, disse não ter receio de o assumir, porque parte do princípio de que não está a roubar a ninguém.
“É o único pão que tenho. Não posso me envergonhar dele”, realçou, reconhecendo que também já foi alvo de discriminação.
Paulo Nataniel, por sua vez, confessa não ter sido fácil nos primeiros dias, devido à especificidade do trabalho.
“Não é fácil ver dejectos alheios. Só mesmo a necessidade de sustentar as nossas famílias nos leva a fazer isso”, sublinhou.
Paulo Nataniel contou que, certa vez, enquanto limpava a fossa de uma casa, um dos membros da família decidiu usar a sanita.
“Se não estivesse atento, o dejecto cairia todo por cima de mim”, lembrou. Neste dia, continuou, ponderou colocar um ponto final naquele trabalho. “Não foi fácil”, acentuou.
Miguel Ricardo dedica-se à limpeza da casa de banho de uma instituição comercial no centro da cidade. Disse estar nisso há nove meses. Contou que muitos usuários do espaço não o respeitam, apesar de ser a pessoa que garante a higiene do lugar que eles utilizam.
“Há pessoas que entram aqui e não se preocupam, sequer, em oferecer um bom dia. É como se eu fosse invisível”, lamentou.
Como agravante, salientou, há muita gente que faz uso das casas de banho e não coloca água, tarefa que depois acaba por sobrar para eles.
“É uma autêntica falta de respeito. Apesar de trabalhar nessa área, também merecemos ser respeitados”, frisou.