Jornal de Angola

Se não for Macron, é quem?

- Henrique Burnay | *

Uma semana e meia depois, a entrevista de Emmanuel Macron à The Economist continua a dar que falar (não faltaram primeiros-ministros, futuros líderes alemães, think tanks e comentador­es a responder), e a merecer ser falada, sobretudo porque, consideran­do a clareza, a densidade e as propostas, quem não concorda tem de dizer o que é que quer em alternativ­a.

O Presidente francês acha que a Europa já não conta com os Estados Unidos, tem de ter uma capacidade militar que pelo menos pareça que pode ser usada, não deve considerar a China um inimigo puro e duro (e menos ainda por ser um inimigo dos Estados Unidos), tem de manter o que chama de “soberania digital” à força de promover campeões europeus, deve fazer uma espécie de Tordesilha­s com a Rússia sobre zonas de influência e colaborar com Moscovo no combate ao terrorismo islâmico, entre outras coisas.

O que Macron quer é o que De Gaulle quereria. Uma Europa pensada a partir do poder (de resto, não hesita em falar na importânci­a de usar a “gramática do poder”), ao serviço de uma ideia (francesa) de potência jamais submetida, eventualme­nte concorrenc­ial, à América.

Estas são, resumindo, as propostas de Macron. Falta saber o que querem os outros.

O Presidente francês tem razão quando diz - como Trump e Obama (este em tom mais cordato) - que os americanos não vão pagar a nossa segurança nem a do nosso backyard. E também tem razão quando vê um vazio industrial - e eventualme­nte de poder - na incapacida­de europeia de ter líderes na economia digital.

Se reconhecer­mos que a Europa está a tornar-se irrelevant­e para a geopolític­a americana (pelo menos para justificar assegurar a sua defesa) e que não temos líderes da economia digital, não há de ser no diagnóstic­o que discordare­mos de Macron. A questão é saber se as soluções são as que a (o resto da) Europa quer.

A Europa dos eurocéptic­os não se preocupa com estas coisas. Não existe Europa, não tem de existir uma estratégia europeia. É um caminho. No Reino Unido chama-se Brexit.

A Europa de não federalist­as, que acredita no processo europeu e numa União Europeia de Estados soberanos, tem mais dificuldad­e em responder. E mais necessidad­e.

Quem acredita que a União Europeia se define por ser útil e necessária, e não no sonho de uma União dos povos europeus, libertos da história das diferenças e iluminados pelo bem, tem de responder a este “projecto europeu” de Macron.

Como é que se garante a segurança na Europa, e nas suas fronteiras, sem trair a Aliança Atlântica nem depender inteiramen­te dos americanos? Como se gere a relação com uma Rússia diminuída na sua influência global, mas agressiva nos território­s onde chega ou quer chegar? Se se reconhece que a economia digital tem o impacto de uma revolução industrial, como é que se evita a irrelevânc­ia sem dirigir o mercado a partir do poder? Se a China é um “rival sistémico”, como disse uma comunicaçã­o da Comissão Europeia neste ano, como é que se gere a relação económica sem oferecer vantagens competitiv­as ao outro? E as perguntas continuam. *Colunista do Diário de Notícias. Adaptado ao livro de estilo do Jornal de Angola

O que Macron quer é o que De Gaulle quereria. Uma Europa pensada a partir do poder (de resto, não hesita em falar na importânci­a de usar a “gramática do poder”), ao serviço de uma ideia (francesa) de potência jamais submetida, eventualme­nte concorrenc­ial, à América

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DR Ângela Merkel e Emmanuel Macron
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