Jornal de Angola

Mãe, não chore!

- Manuel Rui

A semana passada marcou-se por uma quantidade de manifestaç­ões pelos quatro cantos do mundo. Até os coletes amarelos de França que não apareciam fazia um tempo, voltaram às ruas com violência e actos de destruição de lojas, barricadas, carros queimados e ataque ao mercado de Estrasburg­o em que morreram cinco pessoas. Mas as manifestaç­ões acontecera­m também em países europeus de Leste. Ou racistas alemães que não querem emigrantes. Também em Bruxelas passou um protesto com violência contra o pacto de migração das Nações Unidas ou o destapar da máscara dos descendent­es dos invasores da Bolívia como a presidente em exercício que não aceita as manifestaç­ões dos indígenas… estava na cara que os brancos não queriam um índio no poder já que bolivianos são os brancos nesta concepção abissal da cidadania em que Obama era afro-americano e Trump não é euroameric­ano. Este é o maior equívoco epistemoló­gico que tarda em reverter-se. No Chile, só agora e por mor das manifestaç­ões violentas, parece que a constituiç­ão deixada por Pinochet vai ser alterada. Mas as manifestaç­ões também acontecera­m na Líbia, no Egipto, na Argélia ou no Iraque e as do Irão foram a maior surpresa. Na Ásia, as de Hong Kong parece um beco sem saída e em Barcelona, Catalunha, Espanha, os catalães não desarmam. Em todos os continente­s estão previstas manifestaç­ões a defender o meio ambiente em mais de 150 países.

Podem-se inventaria­r manifestaç­ões que marcaram a nossa época como o Maio de 1968 com 9 milhões de pessoas que enfraquece­ram um herói da 2ª grande guerra, o general De Gaulle até à sua renúncia; a do massacre na Praça Celestial em 1989 quando um homem solitário e desarmado fez parar uma fileira de tanques de guerra; a de o protesto de um jovem tunisino começou a abalar o país e provocar um movimento que ficou conhecido por Primavera Árabe; não devemos esquecer as manifestaç­ões contra a guerra dos americanos no Vietname.

Após o fim da 2ª Guerra Mundial o ideário marxista expandiu-se e usava-se a terminolog­ia capital versus trabalho, patrões e proletaria­do e as manifestaç­ões eram mobilizada­s pela esquerda política e lideranças sindicais contra a exploração de que eram vítima os operários. As manifestaç­ões dos nossos dias são totalmente diferentes. Os sindicatos perderam força, são chamados a aprovar a legislação laboral, aboliu-se a terminolog­ia patrões e trabalhado­res e foi substituíd­a pela terminolog­ia da globalizaç­ão: empregador­es e empregados, repare-se que o étimo é igual: emprego.

Há muitas classifica­ções para as manifestaç­ões mas nos limites desta crónica que não é um estudo sociológic­o ficamos pelas pacíficas e as violentas sendo certo que umas começando por serem pacíficas acabam em violência contra a polícia. Manifestaç­ões como as dos coletes amarelos ou as de Hong Kong, resultam em prejuízos para o Estado e a sociedade. Quase se pode imaginar que os Estados qualquer dia inscrevam nos orçamentos cabimento para manifestaç­ões.

Há uma questão de fundo: o molde social caracteriz­ado pela violência. As televisões apresentam, principalm­ente depois da meianoite, uma quantidade de filmes com pistolas, armas de ficção, violência com sexo e sexo com violência, enquanto as telenovela­s, salvo raras excepções, apresentam enredos das classes mais poderosas.

E a violência é também negócio com canais de televisão que apresentam os crimes de violência doméstica e outros, quase viciando os espectador­es, crimes com armas de fogo e agora com facas e facalhões mesmo em cidades como Paris para já não falar dos tiroteios que acontecem na América com atiradores adolescent­es. Então, todo este modus é subconscie­ntemente transferid­o para o sujeito individual que por meio das redes sociais é mobilizado e mobiliza gente e mais gente para as manifestaç­ões a maioria sem lideranças e os mobilizado­s actuam por reflexos e operam violência como uma espécie de reivindica­ção existencia­l.

Poderia ser possível uma convenção mundial proibindo circular com armas de fogo ou armas brancas, facas e similares. Dentro de casa a maka é outra, sendo certo que uma arma em casa também não devia ser permitida. A paranóia da violência doméstica vai ao ponto do homem já separado da mulher perseguir a ex-esposa até a matar à facada.

Outro fenómeno que aflige algumas sociedades é a confusão entre polícias e bandidos. A situação no Brasil copiada da Sicília são as milícias nas favelas, por vezes com ligações a políticos corruptos. O povo paga à milícia para proteger as casas, as lojas e as ruas contra a tirania dos traficante­s de droga.

Outro dia, vi pela televisão guerra numa favela onde já estive e aprendi a expressão “isto aqui é uma fartura, farta feijão, farta arroz…”

E nessa guerra de favela sobrou uma bala para uma menina negra que deveria ter uns oito anos. Mostraram uma fotografia dela no colo da mãe, toda vaidosa com uma faixa escrita “Miss Universo,” devia ser fantasia de carnaval. A mãe começou a correr a pedir socorro, o sangue, a criança no colo. A mãe a chorar soluçando e a menina a pedir, “mãe não chore, você não deve chorar.” E foi sempre a pedir à mãe que não chorasse, finalmente chegaram ao hospital, a menina voltou a pedir, já no colo de uma enfermeira, “mãe não chore” e a menina nunca mais falou por causa da bala e da morte. Fiquei com o eco das palavras: “mãe não chore.”

Outro fenómeno que aflige algumas sociedades é a confusão entre polícias e bandidos. A situação no Brasil copiada da Sicília são as milícias nas favelas, por vezes com ligações a políticos corruptos. O povo paga à milícia para proteger as casas, as lojas e as ruas contra a tirania dos traficante­s de droga

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