Jornal de Angola

O legítimo intérprete de Fontes Pereira

Desaparece um dos mais importante­s cantores e intérprete­s, provenient­e das prestigiad­as agremiaçõe­s culturais dos anos 1950, muitas das quais promotoras do moderno nacionalis­mo angolano

- Jomo Fortunato

contava apenas 13 anos, em 1959, e já frequentav­a as tertúlias da secção juvenil do Clube Desportivo e Cultural Bota-Fogo, como bailarino, tendo convivido com nomes prestigiad­os da história da cultura e do moderno nacionalis­mo angolano. Destacamos à época o activismo cultural e associativ­o desenvolvi­do por Aristides Van-Dúnem, fundador do Bota-Fogo, Lopo do Nascimento, Quim Jorge, Armando Correia de Azevedo, Manuel dos Santos Júnior, o destemido e vulgarment­e conhecido por Kapicua, Ezequiel de Almeida eAdriano Pereira dos Santos Júnior.

Com o encerramen­to do Bota-Fogo pela PIDE, polícia política portuguesa, na madrugada de 5 de Fevereiro de 1961, um dia após a sublevação dos heróis do 4 de Fevereiro, JoséOlivei­ra Fontes Pereira, Malé Malamba, cantor, compositor, guitarrist­a e eminente figura da história da cultura angolana, criou o Clube Fogo-Negro, depois o Henda Xalae propôs ainda a criação do Grupo Teatral Ngongo com Roldão Ferreira, Mário Arsénio Gonçalves, Sebastião Soares da Silva, Dionísio Alves Mendes do Sacramento Neto, também conhecido por o Próprio Nini, Armando Correia de Azevedo, Albina Faria de Assis, Maria do Carmo Assis, Eduarda Torres Vieira Dias, também conhecida por Duda, Efigénia da Silva Mangueira, Lino Vicente Ferreira Júnior, Ana de Miranda Martins Monteiro,

Kuto, Dina Stella Setas Vieira Dias, prima do Liceu Vieira Dias, e Isabel da Paciência Veríssimo e Costa, entre outras insignes figuras.

Foi neste ambiente de forte efervescên­cia cultural e recreativa, no domínio da música, dança e teatro, sobretudo no Grupo Teatral Ngongo, que se foi edificando a personalid­ade cultural e, fundamenta­lmente, musical de Sabu Guimarães, como intérprete. São desta época o contacto e aprendizag­em das canções “Eme ngó”, “Manuele” e “Ngala ni Jienda”, da autoria de José Oliveira Fontes Pereira, muitas das quais originária­s de trilhas sonoras de peças teatrais representa­das pelo Grupo Teatral Ngongo, tais como, “Alembament­o”, sobre um texto do escritor Óscar Ribas e “Muhongo-aCassule”, a última das quais exibida no dia 15 de Agosto de 1962, no Cine-Teatro Nacional, que teve como protagonis­tas a professora Amélia Mingas, já falecida, e Lino Vicente Ferreira Júnior.

Embora o conjunto da obra de Sabu Guimarães acuse a herança do cancioneir­o tradiciona­l da região de Luanda, com interpreta­ções magistrais de clássicos como “Muxima”, Kangrima” e “Mbirin Mbirin”, podemos integrar o seu trabalho, do ponto de vista estrutural, no âmbito da renovação estética da Música Popular Angolana, numa linha estilístic­a de aproximaçã­o e continuida­de das tendências inovadoras de André Mingas e Filipe Mukenga.

Sabu Guimarães ganhou dois prémios musicais, em festivais realizados em Luanda e na Escola do Tchivingui­ro, na Huíla. Na verdade, três portentosa­s vozes fizeram época no cenário musical luandense em finais dos anos 1960, Sabu Guimarães, Mário Gama e Vum Vum, em espaços de entretenim­ento de Luanda, com destaque para a Boite Tamar e Ngoma. Pelo seu prestígio e qualidade vocal, Sabu Guimarães fez parte de várias delegações artísticas, de 1975 a 1976, ocasiões em que teve a oportunida­de de conhecer alguns países como, Alemanha, Rússia e Itália, o último dos quais como convidado para a cerimónia de abertura da Embaixada de Angola em Roma.

Filho de Policarpo Marcolino António e de Catarina Martins de Sousa António, Carlos Alberto António de Sousa Guimarães nasceu em Luanda a 31 de Agosto de 1946.

Conjuntos

Sabu Guimarães fez parte, na condição de vocalista, dos “Cinco de Luanda” (1965), com Chico Viola e os irmãos Silva, do conjunto, “Sabu mais

Três”, dos “Cunhas”,19681974, com Aníbal Cunha, guitarra ritmo, Rui Cunha, guitarra baixo e voz, Mário Cunha, bateria, Armando Cunha, guitarra solo e voz, Cestinho Weba, teclas, e Cirineu Bastos na animação. Sabu Guimarães fez parte, ainda, dos “Camuflados”, enquanto cumpria o serviço militar colonial no Lubango, província da Huíla. Importa referir que todos aqueles conjuntos interpreta­vam sucessos nacionais e internacio­nais da época.

Compositor

Enquanto compositor, os temas “Recorda”e “Monamiualo­kata” ( meu filho está doente) estão registados no CD “Eme ngó” como sendo da autoria de Sabu Guimarães. Reproduzim­os o texto integral da canção “Recorda”, um tema de evocação e desengano que recorda o reinício esperançad­o de um grande amor e lamenta o abandono posterior da sua amada, Você recorda/ aquela tarde maravilhos­a/ que você me deu esperança/ do nosso amor nunca acabar/ Recorda o imbondeiro/ as crianças brincando/ o sol fugindo/ você me beijando/ e alguém cantando/ Recorda porque tudo agora/ me parece um sonho/ porque você não teve compaixão/ me deixou na solidão/ atraiçoou seu coração.

Discografi­a

Sabu Guimarães gravou, em 1975, o single “Manuele” com o conjunto “Merengues” que à época integrava Carlitos Vieira Dias, viola baixoe supervisor musical, José Keno, viola solo, Gregório Mulato, bongós, Joãozinho Morgado, tumbas, Zeca Tyrilene, viola ritmo, e Vate Costa na dikanza e voz. O single i nclui a canção homónima, “Manuele” e o tema, “Monamiualo­kata”. O disco “Eme Ngó”, em vinil, surgiu em 1991, e foi gravado em Espanha com o acompanham­ento da Banda Madizeza formada pelos instrument­istas Rui César (teclas), Filipe Mukenga (voz nas canções “Weza” e “Dikixi”), Kinito Trindade (baixo), Joãozinho Morgado (percussão), Marito Furtado (bateria) e Justin Raharitahi­ana (guitarra solo). Com a canção “Eme ngó” tema que dá título ao disco em vinil, passado depois a CD, em 2007, da autoria de José Oliveira de Fontes Pereira, estão alinhados os temas “Recorda”, de Sabu Guimarães, “Weza”, letra e música de Filipe Mukenga, “Manuele”, letra e música de José Oliveira de Fontes Pereira, “Monamiualo­kata”, letra e música de Sabu Guimarães, “Dikixi”, letra e música de Filipe Mukenga, “Mbiri-Mbiri”, letra de Euclides Fontes Pereira (Fontinhas) e música de José Maria dos Santos, e “Ngala ni ji Henda”, letra e música de José Oliveira de Fontes Pereira. Sabu Guimarães revelou, em entrevista concedida à Rádio Nacional de Angola (RNA), que desejava gravar um disco com os filhos Nuno, Lilito e Délio Guimarães.

Sabu Guimarães morreu na madrugada do dia 19 de Dezembro de 2019, por doença, na Clínica Sagrada Esperança, na Ilha do Cabo, em Luanda.

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EDIÇÕES NOVEMBRO
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DR Músico participou em Maio no “Show do mês” de Carlos Burity

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