Jornal de Angola

Famílias “cortam” o Natal

Terca-feira, 18 Dezembro de 2019. A sete dias do Natal e a 13 do final do ano, regista-se fraca procura de produtos alimentare­s nas superfície­s comerciais formais e informais da cidade de Luanda. O motivo, segundo clientes e vendedoras do mercado do Km 30

- Edna Cauxeiro

A sete dias do Natal e a 13 do final do ano, o Jornal de

Angola saiu à rua e registou uma fraca procura de produtos alimentare­s nas superfície­s comerciais formais e informais de Luanda. O motivo, segundo clientes e vendedores, é a fraca capacidade financeira das famílias, que estão cada vez mais pobres. Para a maioria das pessoas ouvidas na reportagem, este ano não haverá festa de Natal.

João Fernando André vive nos arredores do mercado do Km 30, com esposa e seis filhos. Comprava peixe seco quando foi abordado pela equipa de reportagem do Jornal de Angola. De mochila às costas, recusou-se, inicialmen­te, a falar.

“Estou cansado, estou a carregar peso e só vim rapidament­e fazer compras. Sou zungueiro, recebi um bocado de dinheiro e vim comprar comida”, justificou.

O seu semblante confirmava a fadiga de que reclamava. Vendedor de sacos para compras, João Fernando André, que não revelou a idade, voltava da cidade, para onde se tinha deslocado às primeiras horas da manhã, para vender o seu negócio. O peso de que reclamava era resultado dos inúmeros sacos para vender, que carregava na mochila.

Já começou a preparar o Natal? Questiona a repórter. A resposta vem em forma de desabafo: “não tenho condições para preparar o Natal. Se aparecer feijão ou arroz é o que vamos comer. Esse peixe seco vou comer com funge, com a minha mulher e os meus filhos. Só vai chegar para hoje”.

À entrada da zona das bancadas está tia Paciência, que vende naquele mercado desde que foi instalado. O negócio de batata rena e cebola está estendido no chão e a bancada que lhe foi atribuída vazia. Diz que paga a taxa de venda diária e fica em silêncio quando abordada sobre os motivos que a levam a abandonar o seu lugar, para vender no chão.

Quanto custa a batata e a cebola? “Minha filha, tem monte de 250 e de 500 kwanzas. O balde é 1.500.

A cebola tem monte de 100 e de 200. O balde de cebola tem o mesmo preço que o balde da batata”.

E como vão as vendas, tia Paciencia? “Desde manhã, só vendi (entenda-se mercadoria) 2.000 kwanzas. Quero mesmo que resolvam esse nosso problema do IVA, que está a fazer o preço das coisas subir assim”, respondeu. Um rápido olhar para o relógio e o sol ardente confirmam o horário de ponta. Eram 12h35 minutos. Aos 62 anos, Marcela Manuel sente-se, geralmente, cansada. Mas não pode ficar em casa; é obrigada a vender peixe seco no mercado do Km 30. Tranquila e de pouca fala, mamã Marcela treina a segunda filha para que, em breve, possa substituí-la. "Se tivesse quem me desse alguma coisa, eu ficava em casa. Mas não tenho. Estou a ensinar a minha filha a vender, para eu poder descansar um pouco.

Vendedora de peixe seco da melhor qualidade, a anciã exibe, com orgulho, as corvinas brancas secas. “Tem de 2000, de 1000 e de quinhentos kwanzas”.

O peixe, adquirido na Barra do Dande e no Cabo Ledo, também está a ser vendido, nos locais de origem, a preços mais altos. Como consequênc­ia disso, a vendedora perdeu clientes.

“Temos poucos clientes agora, desde que os preços em Angola subiram. Esse famoso IVA veio criar dificuldad­es. Outrora, uma banheira de peixe como aquela (aponta para uma bacia grande na bancada ao lado) custava 60.000 Kwanzas. Agora custa 100.000”.

Tal como João Fernando André, a idosa não pensa, sequer, na quadra festiva. Degusta serenament­e funge de milho com uma posta de peixe espada.

“Vou fazer a comida normal, do dia-a-dia. Não tenho nada de especial para o Natal. O meu funge, que como todos os dias, é que vou comer no Natal”, concluiu mamã Marcela.

“Temos poucos clientes agora, desde que os preços em Angola subiram. Esse famoso IVA veio criar dificuldad­es. Outrora, uma banheira de peixe como aquela (aponta para uma bacia grande na bancada ao lado) custava 60.000 Kwanzas. Agora custa 100.000”

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