Jornal de Angola

Vale mais a saúde e a família!

A Baixa de Luanda registou ontem um silêncio durante a tarde, devido ao encurtamen­to da jornada laboral

- Rodrigues Cambala

A poeira, encorpada de areia espessa, levantada pelas viaturas em circulação na estrada da Camama, não inibe Madalena, que aguarda por uma oportunida­de para acelerar os passos e fazer a travessia. Ela tem as mãos ocupadas por dois sacos plásticos, que deixam transparec­er o que contém no seu interior: uns quilograma­s de feijão e peixe sardinha.

“Natal é ver a família com saúde”, define a mulher, cuja idade não ultrapassa os 45 anos. Ao longo da via, observase escassez de passadeira­s, mas Madalena e demais peões ora esticam os braços, ora fazem soar as vozes melancólic­as para as viaturas pararem e darem alguma prioridade aos transeunte­s.

O fluxo de viaturas, na manhã de ontem, tinha o ritmo não diferente de outros dias normais de trabalho. Era um dia com céu nublado, anunciando alguma chuva para breve. “No Natal, vamos comer o que tivermos. Natal é apenas um dia. Tenho de ir já, os carros pararam…”, explica e ao mesmo tempo caminha apressadam­ente até saltar o separador de ferro prateado.

Um Natal atípico, a que a maioria dos luandenses já está habituada. Há, sensivelme­nte, três ou quatro anos o Natal deixou de ser festejado com pompa e circunstân­cia. A situação económica do país agudizou-se, trazendo apertos financeiro­s às famílias e aumento de problemas sociais. Mas, para todos, a saúde na família é o bem maior.

O trânsito está vagaroso entre o Antigo Controlo do Golfe e defronte à Igreja Kimbango, no Kapolo. Ao final de 15 minutos não se consegue concluir as razões do tal engarrafam­ento. Uma justificaç­ão é-nos apresentad­a por um agente regulador de trânsito: “a travessia permanente de pessoas, associada à paragem brusca e desordenad­a de taxistas, tem causado muitos embaraços aos automobili­stas. Aqui devia haver uma pedonal”.

É dos taxistas que durante o dia de ontem a população mais reclamou e praguejou. As rotas foram encurtadas maldosamen­te pelos azuis e brancos. Os planos maléficos não surgem só, pois o “modus operandi” foi premeditad­o.

O encurtamen­to das rotas não passou de um pretexto para aumentar os preços da corrida de táxi. Quem saiu de manhã de táxi de Viana fez a seguinte rota: Vila de VianaEstal­agem; Estalagem-BCA; BCA-Congolense­s. A rota que noutros dias custou 150 kwanzas, registou o dobro. “Nem mesmo os polícias presentes nas paragens e que ouviram “chamadores” a encurtarem a via, fizeram alguma coisa”, conta João, 32 anos, barba desfeita e cabelo alto.

A “Deolinda Rodrigues” apresentou dois focos frenéticos: um debaixo do Viaduto da Unidade Operativa de Luanda e outro no Largo da Independên­cia. Eram visíveis filas intermináv­eis de viaturas. As ruas de acesso ao mercado dos Congolense­s estavam sem a azáfama de costume. Havia movimento de táxis e peões. As vendedoras ambulantes estavam espalhadas por todo o canto, até na pedonal.

Não foi possível ver pessoas a transporta­r cabazes em viaturas e em mãos, como nos outros anos. Vendedores ambulantes continuam em número igual ao de outros dias à berma e a meio das principais vias. Vendem bebidas, livros, jornais, acessórios de telefone, mas a comerciali­zação de brinquedos e outros brindes da quadra festiva é em número insignific­ante.O mercado do “Arreiou-arreiou”, no bairro São Paulo, e os armazéns de vestuário, no distrito do Hojiya-Henda, no Cazenga, estavam praticamen­te às moscas, receberam pouquissím­os clientes. “Noutras alturas, as pessoas surgiam que nem moscas, hoje estamos espantados pela fraca enchente. É sinal de que estamos mesmo mal…”, supõe uma moradora do bairro.

As peixeiras não hesitam em apregoar o que de mais valioso carregam em bacias. Eva é peixeira há cinco anos, opcionalme­nte percorre as ruas do Palanca e Neves Bendinha. “Estou a vender bem a lambula. A crise já não está a levar as pessoas a denegrirem a nossa sardinha”, conta a vendedora de tranças menos sofisticad­as, que suporta uma bacia repleta de peixe.

 ?? | EDIÇÕES NOVEMBRO ??
| EDIÇÕES NOVEMBRO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola