Vale mais a saúde e a família!
A Baixa de Luanda registou ontem um silêncio durante a tarde, devido ao encurtamento da jornada laboral
A poeira, encorpada de areia espessa, levantada pelas viaturas em circulação na estrada da Camama, não inibe Madalena, que aguarda por uma oportunidade para acelerar os passos e fazer a travessia. Ela tem as mãos ocupadas por dois sacos plásticos, que deixam transparecer o que contém no seu interior: uns quilogramas de feijão e peixe sardinha.
“Natal é ver a família com saúde”, define a mulher, cuja idade não ultrapassa os 45 anos. Ao longo da via, observase escassez de passadeiras, mas Madalena e demais peões ora esticam os braços, ora fazem soar as vozes melancólicas para as viaturas pararem e darem alguma prioridade aos transeuntes.
O fluxo de viaturas, na manhã de ontem, tinha o ritmo não diferente de outros dias normais de trabalho. Era um dia com céu nublado, anunciando alguma chuva para breve. “No Natal, vamos comer o que tivermos. Natal é apenas um dia. Tenho de ir já, os carros pararam…”, explica e ao mesmo tempo caminha apressadamente até saltar o separador de ferro prateado.
Um Natal atípico, a que a maioria dos luandenses já está habituada. Há, sensivelmente, três ou quatro anos o Natal deixou de ser festejado com pompa e circunstância. A situação económica do país agudizou-se, trazendo apertos financeiros às famílias e aumento de problemas sociais. Mas, para todos, a saúde na família é o bem maior.
O trânsito está vagaroso entre o Antigo Controlo do Golfe e defronte à Igreja Kimbango, no Kapolo. Ao final de 15 minutos não se consegue concluir as razões do tal engarrafamento. Uma justificação é-nos apresentada por um agente regulador de trânsito: “a travessia permanente de pessoas, associada à paragem brusca e desordenada de taxistas, tem causado muitos embaraços aos automobilistas. Aqui devia haver uma pedonal”.
É dos taxistas que durante o dia de ontem a população mais reclamou e praguejou. As rotas foram encurtadas maldosamente pelos azuis e brancos. Os planos maléficos não surgem só, pois o “modus operandi” foi premeditado.
O encurtamento das rotas não passou de um pretexto para aumentar os preços da corrida de táxi. Quem saiu de manhã de táxi de Viana fez a seguinte rota: Vila de VianaEstalagem; Estalagem-BCA; BCA-Congolenses. A rota que noutros dias custou 150 kwanzas, registou o dobro. “Nem mesmo os polícias presentes nas paragens e que ouviram “chamadores” a encurtarem a via, fizeram alguma coisa”, conta João, 32 anos, barba desfeita e cabelo alto.
A “Deolinda Rodrigues” apresentou dois focos frenéticos: um debaixo do Viaduto da Unidade Operativa de Luanda e outro no Largo da Independência. Eram visíveis filas intermináveis de viaturas. As ruas de acesso ao mercado dos Congolenses estavam sem a azáfama de costume. Havia movimento de táxis e peões. As vendedoras ambulantes estavam espalhadas por todo o canto, até na pedonal.
Não foi possível ver pessoas a transportar cabazes em viaturas e em mãos, como nos outros anos. Vendedores ambulantes continuam em número igual ao de outros dias à berma e a meio das principais vias. Vendem bebidas, livros, jornais, acessórios de telefone, mas a comercialização de brinquedos e outros brindes da quadra festiva é em número insignificante.O mercado do “Arreiou-arreiou”, no bairro São Paulo, e os armazéns de vestuário, no distrito do Hojiya-Henda, no Cazenga, estavam praticamente às moscas, receberam pouquissímos clientes. “Noutras alturas, as pessoas surgiam que nem moscas, hoje estamos espantados pela fraca enchente. É sinal de que estamos mesmo mal…”, supõe uma moradora do bairro.
As peixeiras não hesitam em apregoar o que de mais valioso carregam em bacias. Eva é peixeira há cinco anos, opcionalmente percorre as ruas do Palanca e Neves Bendinha. “Estou a vender bem a lambula. A crise já não está a levar as pessoas a denegrirem a nossa sardinha”, conta a vendedora de tranças menos sofisticadas, que suporta uma bacia repleta de peixe.