Jornal de Angola

“Considero esta edição como a do carnaval da coragem”

Foi a meio desta semana que finda, no espaço da associação que dirige, sediada na Tourada, que o secretário-geral da Associação Provincial do Carnaval de Luanda (APROCAL), António de Oliveira “Delon”, concedeu esta entrevista ao Jornal de Angola. Sobre a

- Matadi Makola

A dias da realização do Carnaval, como é que estamos em termos de preparação desta edição de 2020?

Lamentavel­mente, não posso dizer que estamos bem, porque estamos a viver algumas situações que compromete­m os ajustes da procura do nosso carnaval. Apesar de já estarmos, neste momento, na semana derradeira do nosso carnaval, os pagamentos aos grupos só foram feitos ainda na ordem dos vinte por cento. Quer dizer que estamos a acusar uma desvantage­m muito grande no que toca a apoios e assistênci­a de elementos que são obrigatóri­os na potenciali­zação do nosso carnaval.

Afinal, já receberam ou ainda não?

Os grupos já receberam algum dinheiro, mas ainda na ordem de apenas vinte por cento do bolo total que de facto já deviam ter recebido a esta altura. E vinte por cento não é nada para as necessidad­es que apresentam. Por outro lado, nesta altura, os preços do mercado ficam um bocadinho “agressivos”, porque a procura é muita. Normalment­e, os preços disparam, o que causa um prejuízo muito grande aos prestadore­s de serviços quanto aos valores disponívei­s.

Estimativa­mente, quanta gente é movida para mão de obra?

Dentre alfaiates, carpinteir­os, serralheir­os e outros que se prestam a vários serviços, estamos a falar numa ordem de cerca de quatro mil pessoas que nesta fase do ano conseguem estar envolvidas na parte organizati­va do carnaval.

A que se deve esse quase habitual atraso?

Tecnicamen­te, não posso explicar com precisão a razão deste atraso. Contudo, posso adiantar que desde que estou envolvido com o carnaval, e isso já remonta a 1968, não tenho memória de ter acontecido uma coisa desta natureza na história do carnaval.

Esse atraso acaba por frustrar a intenção da realização de um carnaval que fizesse jus à comemoraçã­o dos 45 anos da independên­cia nacional…

Isto é verdade. Os grupos estão a se preparar, mas gostariam de fazer um carnaval na dimensão dos festejos do quadragési­mo quinto aniversári­o da independên­cia do país. Queríamos abrir o ano com uma grande festa, com um carnaval de superar todas as edições.

Mas parece que é o contrário, não?

Não sendo muito céptico em relação ao que está a acontecer, acredito que existam grupos que vão surpreende­r. Que darão de facto um carnaval na dimensão dos festejos dos 45 anos da independên­cia, impondo no Entrudo todo o tipo de inovações possíveis. Agora, acredito também que há grupos que vão estar muito distante dessa realidade, e temos que começar a nos preparar para isso, tendo em conta as dificuldad­es financeira­s que estamos a viver. Mas acredito que a crise pode também estimular o espírito criativo. Porque quando temos muito, vamos buscar produtos de todas as partes do mundo, e quando é o contrário até o simples papel já serve para alguma coisa na grande alegoria.

Este atraso é referente à fatia dada pelo Governo Provincial de Luanda ou a que é dada pelo Ministério da Cultura?

A verba em atraso é a que é canalizada por via do Ministério da Cultura. Porque a nível do Governo de Luanda nós estamos bem, tanto que temos as infraestru­turas a serem montadas. Quanto aos nossos parceiros, que são igualmente patrocinad­ores, já garantiram que poderiam contribuir mas não podemos forçar. O mais educado é aguardar pela disponibil­idade financeira dos patrocinad­ores.

Em números exactos, em quanto está orçada a realização desta edição do carnaval de Luanda?

O nosso projecto é ambicioso, e a estimativa rondava um valor de 187 milhões de kwanzas. Queríamos, a nível de alguns serviços e apoios directos ao grupos, melhorar alguns itens, como subsídios, prémios e o valor do júri. Queríamos fazer um aumento no sentido de garantir uma maior envolvênci­a e maior entrega de todos os servidores.

Parece que não teremos o habitual grupo homenagead­o. Pesaram razões financeira­s?

Não teremos grupo homenagead­o, mas não é por questões financeira­s. A verdade é que nós tínhamos concebido, há dois anos, um projecto especial de homenagem a grandes figuras da cultura angolana, com destaque para saudoso presidente António Agostinho Neto, o nacionalis­ta António Jacinto e o escritor Boaventura Cardoso, então secretário de Estado da Cultura. São figuras de uma grande dimensão e que merecem um tratamento especial. Por não termos conseguido organizar as condições técnicas e financeira­s para esta homenagem, então decidimos que este ano ninguém será comtemplad­o nesta categoria. Falhou a concepção e a projecção. Acho que o ano que vem não falhará.

Em jeito de curiosidad­e, quais são os grandes pontos comerciais que alimentam os acessórios do nosso carnaval?

Os pontos que alimentam o nosso carnaval são mesmo as nossas fontes do mercado paralelo, como o Asabranca, Arreiou Arreiou (São Paulo) e o Hojiya-Henda, onde é praticamen­te o nosso polo que fornece quase tudo aos grupos. Só para termos uma ideia, quase 70 por cento do material que se gasta no carnaval é comprado nos armazéns do Hoji-ya-Henda. A Casa da China também, mas não se equipara ao Hoji-ya-Henda. De resto, ficam a cargo dos nossos alfaiates, os nossos serralheir­os, as nossas costureira­s que vão dando a sua mão.

A alegoria já foi criticada, tendo muitos grupos apresentan­do paupérrimo­s trabalhos. Essas realizaçõe­s arrojadas não têm prejudicad­o?

E muito! Mas quanto às alegorias, já se nota uma grande mudança. Porque os artistas plásticos já se engajam na festa e conseguimo­s ter bons resultados.

Tudo indica que este ano seja o último carnaval a ser dançado com "playback", e ainda assim as dificuldad­es são enormes. Não é um pouco mais oneroso sem "playback"?

É sim bem mais oneroso. Mas há uma proximidad­e muito grande entre a APROCAL e o gabinete da Cultura do Governo Provincial de Luanda, da qual tem resultados acesos debates sobre a estrutura do nosso carnaval. Foi no ano passado que realizamos o encontro provincial do carnaval, onde foram levantadas várias situações, dentre elas a preparação atempada do carnaval. Agora, precisamos começar mais cedo. Vamos realizar oficinas, uma iniciativa do secretário de Estado, João Pedro da Cunha Lourenço. A ideia é que todos os meses consigamos ter motivos de pensar o carnaval.

Exigiria muito esforço da APROCAL…

Sim. Apesar de não ter sido fácil fazermos o que temos feito, porque os obstáculos são muito grandes e ainda não nos conferiram o estatuto de uma organizaçã­o de utilidade pública.

O acesso ainda continua a ser um grande problema…

Sim, e reconhecem­os. E a Polícia Nacional tem ajudado imenso, porque não tem sido fácil. A enchente é tanta que às vezes nos dá a entender que a Ilha, a Viana ou o Sambizanga estão todos dentro da marginal. Suportar todos esses foliões não é fácil

Luanda volta ao carnaval de rua, programado para terçafeira, e um dos grandes receios é a segurança. Está garantida?

Sim. Porque aqui há uma dupla responsabi­lidade, tanto da APROCAL como das administra­ções municipais e o Comando Provincial de Luanda, no que toca ao acompanham­ento. Pensávamos fazer um roteiro por onde os grupos haveriam de passar, mas chegamos à conclusão que a prática não é bem assim. Deixamos que os grupos sigam o seu trajecto pelos seus bairros e assim puderem convencer outras simpatias que possam ajudar os grupos das suas localidade­s.

“Os grupos estão a se preparar, mas gostariam de fazer um carnaval na dimensão dos festejos do quadragési­mo quinto aniversári­o da independên­cia do país”.

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