Na intimidade com Marcelino dos Santos
Aos olhos de um curioso, a foto que é histórica pode mostrar eu e o líder moçambicano Marcelino dos Santos rindo descontraidamente como se fôssemos «amigos íntimos, cúmplices e confidentes, num ambiente familiar.» Mas, só à primeira vista parece ser esta a verdade!
A fotografia foi de facto tirada num ambiente familiar, há vários anos, em Luanda, e numa casa em que o falecido líder da FRELIMO, herói moçambicano, esteve hospedado, numa das habituais passagens pela capital angolana.
Até então, Marcelino dos Santos não me conhecia pessoalmente, embora já tivesse passado por ele inúmeras vezes, quer em Maputo quer noutras partes do mundo, tal como qualquer de nós se cruza com centenas de notáveis... E não custa confessar isso!
O convite para estar com Marcelino dos Santos partiu de António Elias Paulo Matonse, exembaixador de Moçambique em Angola e velho jornalista, este sim, "meu amigo de dedo e unha" há dezenas de anos...
- Quero que venhas passar uma tarde com o Marcelino e que tragas o teu irmão mais velho, o Luís...
Conheço o Tony Matonse desde os anos 70 nos tempos em que ele era jornalista da revista moçambicana “Tempo”. Uma revista que era vendida em Angola, para quem se lembra. Com ele, sim, criei amizade “à primeira vista”.
Mais tarde, quando ficou a saber que eu havia publicado o primeiro livro com o título 42.4 – A Voz dos Dibengos, o meu kamba Matonse convidoume para ir lançá-lo a Maputo onde prometeu organizar o melhor cenário para a sua apresentação. Receoso de atravessar fronteiras, ainda disse:
- Um Dibengo (Rato comilão...!) em Maputo? Ninguém vai ler. É a história sobre o fracasso de um cineasta que tinha mais diamantes no bolso do que filmes em salas de espectáculos...!
Mas o Matonse sempre foi teimoso e insistiu que eu lá fosse: «Deixa de ser medroso, pá!», e lá fui a convite dele, para anunciar “Atenção! Os ratos vão falar; ratos dos diamantes, ratos dos dólares; ratos disto e daquilo...”
Em Luanda, como embaixador de Moçambique não sei o que foi que ele disse a Marcelino dos Santos, para o convencer a estar connosco num sábado à tarde, sabendo nós o significado que têm os sábados, mas o certo é que encontramos o velho herói moçambicano extremamente bemdisposto, e já à nossa espera.
Foi uma das tardes mais agradáveis. Foi também um momento único para a dimensão de um artífice da luta de libertação nos países africanos de língua portuguesa. Marcelino dos Santos era um homem lúcido, experiente, maduro, com um raciocínio e respostas rápidas, e bastante culto. O seu amor pela literatura, e pela declamação em especial, era um ponto forte. Recordo que numa das minhas idas a Maputo, ele lá estava declamando e comentado poesia, no meio de jovens, incluindo Mia Couto, Pedro Chissano e Ungulani Khosa ao seu lado. Marcelino dos Santos tinha uma consideração especial pelos criadores de cultura, e sentia prazer por estar no meio deles. Definitivamente, era um homem bastante comprometido com as artes e as letras!
Quando lhe fomos apresentadas em Luanda, não nos fez nenhuma pergunta. E, como um pai que nunca pergunta ao filho “Quem tenho o prazer de conhecer...”, estendeu-nos a mão, com naturalidade. Deixou-nos à vontade.
Estava visivelmente bem humorado e para testemunhar isso, contou piadas, sempre que surgiu uma oportunidade, fazendo-nos rir até o cair da noite. “Político, eu...?!”, e falava com a maior ironia e simplicidade.
E foi num momento de gargalhadas que me pus de pé e pedi uma foto, para a posteridade. Sem se mexer, Marcelino perguntou porquê que eu me tinha levantado e apontou para um lugar vazio ao pé dele, dizendo: “Senta-te aqui, rapaz”. E foi assim que ganhei esta relíquia para a vida inteira... Eu e Marcelino dos Santos, aparentemente em grandes “intimidades!”
E foi num momento de gargalhadas que me pus de pé e pedi uma foto, para a posteridade. Sem se mexer, Marcelino perguntou porquê que eu me tinha levantado e apontou para um lugar vazio ao pé dele, dizendo: “Senta-te aqui, rapaz”. E foi assim que ganhei esta relíquia para a vida inteira... Eu e Marcelino dos Santos, aparentemente em grandes “intimidades!”