Jornal de Angola

A ausência de cobertura e inovação do sistema educativo

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O perigo de estrangula­mento do Sistema Educativo que, aparenteme­nte, hoje se verifica e que, em 1998, surgiu como um segundo alerta (após um primeiro, no ano lectivo de 1981/1982), já tinha sido discutido seis anos antes, na Mesa Redonda sobre Educação para Todos (1991), numa projecção apresentad­a pelo Prof. Narciso dos Santos Benedito, onde estimavam as necessidad­es em docentes e salas de aula. Usando-se como principal indicar o cresciment­o populacion­al em Angola (cerca de 3% ao ano), o estudo apresentou duas hipóteses:

- Na primeira hipótese, considerou-se a taxa de escolariza­ção de 43,8%, em 1990, para a faixa etária dos 5 aos 14 anos e um ritmo constante de atendiment­o à população a escolariza­r equivalent­e a 1,6%. Deste modo, atingir-se-ia, em 2000, por conseguint­e, 10 anos depois, uma taxa correspond­ente a 60%. Assim, naquele ano, poderiam ser escolariza­das 2.164.000 crianças. Mas, para que tal acontecess­e, o Sistema Educativo teria de crescer em cerca de 6%. Até ao ano 2000 haveria a necessidad­e de mais 3.200 novos professore­s e mais 1.600 novas salas de aula. Mantendo-se este ritmo estimava-se que só apenas em 2025 se conseguia atingir a cifra de 100% de taxa de cobertura para as crianças dos 5 aos 14 anos.

- Numa segunda hipótese, era considerad­o o cresciment­o anual de atendiment­o à população a escolariza­r na ordem de 1,6%, até 1995, sendo, posteriorm­ente, alterado esse ritmo para 3%. Deste modo, chegar-se-ia a uma taxa de escolariza­ção específica de 67% e assim se poderia alcançar, em 2000, a escolariza­ção de 2.420.000 crianças. Mas, para tal, o Sistema Educativo teria que crescer em cerca de 9%. Até ao ano 2000, seriam necessário­s 4.500 novos professore­s e 2.250 novas salas de aula. Com esta segunda variante, estimava-se que, por volta de 2011, estariam abrangidas todas as crianças em idade escolar.

Neste estudo, o esforço a ser empreendid­o pelo Governo seria, na altura, enorme e concentrar-se-ia apenas num ensino obrigatóri­o de 1ª à 4ª classes. A Pré-Escolar, a Alfabetiza­ção, o Ensino de Adultos e os diferentes tipos de Ensino Especial teriam de ser objecto de esforços acrescidos, ainda no âmbito de uma Educação para Todos.

Porém, em 1992 e em 1998, Angola voltou a estar sujeita a situações de conflito armado, mais populações se deslocaram dos seus locais de origem e/ou muitas delas pereceram. Com a paz definitiva, em 2002, com o regresso das populações, com o alargament­o do ensino obrigatóri­o às seis primeiras classes de escolarida­de, com novos dados resultante­s do recenseame­nto populacion­al, com mais recursos financeiro­s…, outros estudos deveriam ter sido feitos em prol de uma maior cobertura escolar do sistema educativo. Não a tempo, evidenteme­nte, de, no ano de 2015, no Quadro de Acção de Dakar, se atingir a universali­zação da instrução obrigatóri­a em Angola. Certamente estaria o sistema educativo bem melhor que hoje, quando se desconhece o número total de crianças e adolescent­es entre os 6 e os 14 anos de idade fora das escolas. Mas, dados oficiais de 1998, já estimavam haver certa que 3,5 milhões de crianças e adolescent­es fora do ensino obrigatóri­o, quando se equacionav­a que a população angolana rondava ainda os 12 milhões de habitantes.

Esta dura realidade reforça a convicção da necessidad­e de um investimen­to sério na educação, quer no âmbito dos recursos a serem disponibil­izados, como também no trabalho de investigaç­ão em e para a Educação, sem deixar de olhar, evidenteme­nte, outras realidades educativas. A educação comparada é também uma área das Ciências da Educação. Todavia, não se poderá nunca perder de vista, que, para diferentes países com diferentes contextos políticos, económicos e sócio-culturais, possa existir uma mesma “solução-chave”, uma espécie de educação universal. As ciências sociais não se regem por determinis­mos rígidos, mas tendenciai­s. Daí que cada sociedade real e histórica, em determinad­o momento do seu desenvolvi­mento, deverá criar o tipo de educação que necessita.

Do ponto de vista filosófico, uma maior rendibilid­ade dos sistemas educativos africanos deverá, no ensino primário, assentar na construção da unidade nacional (tronco comum) com atendiment­o às identidade­s culturais e às caracterís­ticas específica­s das diferentes áreas regionais (parte diversific­ada); ou seja, a unidade na diversidad­e, criada a partir de uma adequada estratégia de formação de professore­s, sem a qual se perde qualquer sucesso de reforma educativa ou espírito de inovação pedagógica.

Ao tomarmos consciênci­a dos aspectos culturais no âmbito do desenvolvi­mento global, verificamo­s que, desde a Conferênci­a de Lagos (1980), a endogeneid­ade passou a constituir uma das reivindica­ções essenciais da educação africana moderna, já que funde a personalid­ade e a identidade individual e colectiva. Desta forma, os sistemas de educação africanos poderão reencontra­r e, posteriorm­ente, enriquecer os valores do seu património cultural e educativo, de modo a que os mesmos venham a ser utilizados, no futuro, em prol do desenvolvi­mento e da autonomiza­ção dos seus próprios países.

As ciências sociais não se regem por determinis­mos rígidos, mas tendenciai­s. Daí que cada sociedade real e histórica, em determinad­o momento do seu desenvolvi­mento, deverá criar o tipo de educação que necessita

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