A nossa agricultura
Os acontecimentos, aqui a partir da comuna do Chiumbo durante este Estado de Emergência, permitiram-me entrever o que poderá ser o futuro de Angola, sobretudo no que diz respeito ao importantíssimo sector da agricultura. Logo, depois do anúncio do Estado de Emergência, os produtos no Katchiungo, onde nasci, aumentaram vertiginosamente. Houve momentos em que a lata de feijão, que usualmente vendia a mil e quinhentos Kwanzas, passou a ser dois mil. A notícia de que haveria barcos a virem com produtos para o país criou a noção de que a ausência de importações iria aumentar a demanda por produtos nacionais.
Depois de alguns dias, o preço baixou já que as pessoas deixaram de comer feijão do mercado e passaram a comer lombi. Nota-se, por enquanto, uma certa estabilização dos preços. Em todo o caso, muitos estão a interrogar-se se os produtos importados em lata, lá dos comerciantes, são assim tão importantes ou saudáveis.
Nos últimos dias, fui seguindo uma equipa de voluntários que está a sensibilizar as comunidades rurais sobre o coronavírus. Muitos dos aldeões tinham ouvido falar do coronavírus. Para eles, a grande notícia era também que muita gente estava a vir das áreas urbanas a procura de produtos como feijão, soja, mandioca. Soube que o tomate estava a ser vendido a um altíssimo preço. Mesmo o tomate com defeitos estava a encontrar clientes. Havia, nas aldeias, uma divisão de trabalho: os homens iam para as lavras e nakas (hortas ao lado dos rios) e as senhoras levavam os produtos para as rotas principais. Em certos casos, havia senhoras que vinham das áreas urbanas que serviam como intermediárias. O que estava bem óbvio é que, pelo menos nestes dias instante, a agricultura está a provar ser algo muito rentável. Os comerciantes que vendem ervilhas em latas estão à espera do fim da crise para poderem vender a sua comida com pouco valor nutritivo.
Mesmo antes do Estado de Emergência, havia, no Chinguar e Katchiungo, mercados informais, nas rotas principais onde as senhoras vendiam produtos para os passageiros que iam para Luanda ou o litoral — grupos de senhoras a noite com as suas lâmpadas, a tentar vender repolho, cenoura, cebola, fuba. A capacidade de trabalho destas senhoras era impressionante; os comerciantes mauritanianos não podiam com elas e muitas das vezes insistiam que os guardas das lojas corressem com elas. Já vi mulheres no Chinguar a serem espancadas por guardas sob a ordem dos seus donos. A narrativa de que o angolano é preguiçoso, vai a terra quando vê estas as tias correndo para cima e baixo com os seus produtos.
Estive numa aldeia, Silandua, perto do Chiumbo, que fica entre montanhas e que tem um microclima singular. Havia na aldeia palmeiras, plantas de café, abacateiros, bananeiras e muitas mangueiras. A única localidade em Angola onde já vi tantas mangueiras é entre a missão Protestante de Chissamba e a Missão Católica de Entre Rios na Catabola, Bié. Soube que no passado havia uma tradição dos homens da aldeia irem trabalhar nas fazendas do Uíge, Cuanza-Norte, Cabinda; quando regressavam, muitos destes voltavam com plantas. Os homens da Aldeia me disseram que até recentemente muitos iam para Luanda para ganhar dinheiro nas obras etc.
O florescimento da Agricultura aqui no interior vai descongestionar as áreas urbanas. Mas tudo tem que ser guiado para dar os camponeses actividades que poderão trazer dinheiro para as aldeias. Um dos indicadores de algum poderio económico nas aldeias são as motorizadas e antenas parabólicas. Não confio nos grandes projectos agropecuários, altamente impressionantes nos vídeos das multinacionais, mas que no terreno não resultam numa verdadeira mudança nas vidas do povo. O modelo empresarial mais viável na transformação da agricultura no interior seria apoiar pequenos empresários fazendeiros que teriam o papel de distribuir os produtos dos camponeses. Estes também iriam ter o papel de ajudar os camponeses sobre a sua tutela para aumentar a sua produtividade.
Eu disse aos aldeões de Silandua que eles eram muito ricos — não só eles tinham aquelas vastas extensões com mangueiras (as mangas apodrecem todo o ano) mas como podiam aumentar a produção das suas lavras. Muitos disseram que faltava adubos químicos. Quando eu disse que seria melhor eles optarem por estrume (porque os químicos iriam destruir o solo) um velho me disse que é exactamente isto que o grande professor de Agricultura da Missão do Dondi, Mateus Kanjila, tinha lhes ensinado. Quando eu disse que era neto do professor Kanjila (pai da minha mãe) o velho começou a lagrimar. Ele me disse que no seu tempo, a missão do Dondi não era só para espalhar o evangelho; havia programas sérios para ajudar os aldeões a manejar habilmente os seus solos. Uma das poucas memórias que tenho do meu avô, Mateus Kanjila, é dele estar a ouvir música clássica no seu gramofone na missão de Chissamba e ir a sua atrás enquanto ele visitava as suas lavras e hortas. O meu avô tinha, também, uma imensa fé no poderio dos limões! Ele acreditava que os produtos agrícolas tinham que ser orgânicos e na necessidade de se consumir muitos limões!
O modelo empresarial mais viável na transformação da agricultura no interior seria apoiar pequenos empresários fazendeiros que teriam o papel de distribuir os produtos dos camponeses. Estes também iriam ter o papel de ajudar os camponeses sobre a sua tutela para aumentar a sua produtividade