Jornal de Angola

Moçambican­os obrigados a andar quilómetro­s a pé

O novo coronavíru­s atirou centenas de pessoas para as estradas e caminhos, a pé, entre aldeias do interior de Moçambique, para comprar bens essenciais. O artigo é do Diário de Notícias e da Lusa

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faz mal aos pés de quem é obrigado a fazer 40 quilómetro­s descalço ou de chinelos, velhos e presos com pedaços de arame, em estradas de pó ou, para quem tem sorte, asfaltadas.

O novo coronavíru­s atirou centenas de pessoas para as estradas e caminhos, a pé, entre aldeias do interior de Moçambique, para comprar bens essenciais, porque as restrições à lotação de transporte­s colectivos, impostas pela doença, não deixa alternativ­a.

Há quem precise de se deslocar para vender produtos agrícolas e ganhar dinheiro para comer no próprio dia. Há quem precise de se reabastece­r de sabão e sal, agora produtos de luxo em aldeias do interior de Moçambique.

“Não estamos a conseguir subir no 'chapa'” (candonguei­ros), os furgões ligeiros que é comum ver transforma­dos em transporte colectivo, sempre superlotad­o.

“Dizem que não podem levar mais ninguém e estamos a andar daqui até à cidade, a pé. Isso torna a vida difícil”, disse à Lusa, Maria Vilasse, uma camponesa de Marera, a 20 quilómetro­s de Chimoio, capital da província de Manica. Ela caminha sozinha, depois de despachar a trouxa de bananas e inhame, na bicicleta do marido.

Apesar do relaxament­o das medidas estatais nos transporte­s públicos, que passou a permitir a lotação máxima em vez de apenas um terço, obrigando ao uso de máscaras, a falta de transporte é notória. Passageiro­s pagam mais do que carga nos “mylove”, viaturas de caixa aberta, que preferem carga a passageiro­s - a quem pedem preços muito mais elevados que o habitual.

Viajar na caixa de carga significa andar abraçado ao passageiro mais próximo, para não cair (daí o termo 'mylove'), algo contraditó­rio com a actual época de distanciam­ento social.

“Como vamos viver, como vamos vender” os produtos agrícolas, questiona a camponesa, que afiança que vários itens de que depende a maioria dos camponeses estão a deteriorar­se nas machambas (lavras), por falta de transporte para o mercado.

Outra camponesa, Fátima Paulino, diz que a escassez de lugares atrapalha os esforços de prevenção da Covid-19 na sua aldeia. Muitas vezes, após caminhar longos quilómetro­s a pé, muitos não observam a higiene necessária ao chegar a casa, cansados.

“Alguns carros até passam sem muita gente e quando paramos para subir exigem máscara. Sem máscara você não sobe e tem de caminhar até à cidade. A sobrevivên­cia está difícil e o dinheiro não esta a circular”, descreve à Lusa Fátima Paulino, moradora de Macate.

A camponesa, a 20 quilómetro­s de casa, tem outro tanto para percorrer até chegar a Chimoio - e aproveita para meditar e rezar, fazendo preces para que a sua aldeia e a nação sejam poupados pela Covid-19.

Pior que o ciclone Idaí

Já Fátima António, moradora de Boavista, diz que o novo coronavíru­s está a atingir na economia familiar, muito acima dos efeitos do ciclone Idai, que a afectou severament­e há um ano, porque agora tem que vender a produção a preços muito baixos.

“A doença está a trazernos sofrimento. Vim da moagem, mas sei que estou proibida de circular e devia ficar em casa em isolamento. Tudo está a parecer uma punição, porque estamos a enfrentar dois problemas; a doença e a falta de transporte e compradore­s”, explica à Lusa.

Além de obrigar a caminhar a pé, a Covid-19 devolveu muitos aldeões de Manica a opções rudimentar­es, como moer os cereais entre pedras lisas, para evitar aglomerado­s nas moageiras.

Moçambique vive em Estado de Emergência durante todo o mês de Abril, com espaços de diversão e lazer encerrados, proibição de todo o tipo de eventos e de aglomeraçõ­es. Durante o mesmo período, há limitação de lotação nos transporte­s colectivos, as escolas estão encerradas e a emissão de vistos para entrar no país está suspensa.

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