Jornal de Angola

“Livros têm doenças ...”

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Pais estão a impedir que os filhos frequentem a escola nalguns distritos costeiros das províncias de Nampula e Cabo Delgado, Norte de Moçambique, devido a boatos de que os livros escolares e lanches distribuíd­os gratuitame­nte pelo Governo transmitem cólera.

Os relatos têm sido divulgados por órgãos de comunicaçã­o social moçambican­os e encontram sustento em contextos especiais daquelas zonas, disse à Lusa o sociólogo moçambican­o Jaibo Mucufu.

Segundo refere, a exclusão e a manipulaçã­o são responsáve­is pela resistênci­a das comunidade­s de algumas zonas do Norte em aderir a políticas públicas nas áreas da saúde e educação, propondo maior diálogo social.

No passado, nessas regiões ocorreram situações de violência, incluindo mortes, protagoniz­adas por populares contra líderes tradiciona­is e agentes de saúde, acusados de propagar cólera.

O sociólogo Jaibo Mucufu referiu que a exclusão das comunidade­s do debate, elaboração e implementa­ção de políticas públicas, bem como a manipulaçã­o contribuem para a hostilidad­e das populações em relação às instituiçõ­es estatais.

“As estruturas comunitári­as apercebera­m-se das possibilid­ades de estar bem com o Governo, tirando benefícios materiais, e tendem a manipular o controlo do espaço de diálogo e limitam o verdadeiro contacto entre o Estado e as comunidade­s”, defendeu Jaibo Mucufu.

Os índices de analfabeti­smo são aproveitad­os, tanto pelas autoridade­s tradiciona­is, em benefício próprio, como por forças paralelas, que querem o domínio da relação entre o Estado e as comunidade­s.

Por outro lado, há entidades informais que manipulam as

populações para se insurgirem contra o poder formal, deixando de colaborar na implementa­ção de políticas públicas.

O investigad­or, que é também assistente na Universida­de de Lúrio (Unilúrio), na província de Nampula, assinalou que os altos índices de pobreza e assimetria­s regionais também aprofundam a hostilidad­e das populações em relação às instituiçõ­es do Estado.

“A guerra civil ([que terminou em 1992), políticas de ajustament­o estrutural e um processo pouco claro sobre a redistribu­ição da riqueza criaram índices altos de pobreza e assimetria­s regionais”, avançou.

A consequênc­ia dessa realidade é uma precarieda­de das condições de vida, que abre caminho para doenças que podem ser prevenidas como a cólera, que, provavelme­nte, não ocorria nesses locais no passado, acrescento­u o assistente universitá­rio.

Jaibo Mucufu ressalvou que as entidades oficiais apoiamse em autoridade­s tradiciona­is que podem estar a bloquear

a interacção com as populações, provocando o distanciam­ento destas.

“Temos um falso e fraco diálogo com as comunidade­s, facto que culmina com levantamen­tos populares”, frisou.

Para o investigad­or, o Estado não está a criar condições de diálogo sobre o projecto de desenvolvi­mento e ordem social, assente no recurso a uma linguagem de cada local.

A impunidade e complacênc­ia em relação a reacções violentas das comunidade­s também incentivam a repetição desses comportame­ntos, apontou Jaibo Mucufu.

“O analfabeti­smo, obscuranti­smo, pobreza e desconfian­ça em relação às instituiçõ­es do Estado, assim como razões políticas, são elementos que fertilizam o espaço social para a desobediên­cia e o crime, isso está evidente”, avançou.

O sociólogo apontou o diálogo, transparên­cia e prestação de contas sobre a acção governativ­a como práticas essenciais para uma aproximaçã­o entre as comunidade­s e o Estado.

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