Jornal de Angola

O Conselho da República e a inteligênc­ia colectiva

- Adriano Mixinge

Desde há uns bons anos que, por outras razões não menos graves, o Estado de Emergência Nacional deveria ter sido decretado e que em vez de nos esforçarmo­s tanto em instalar uma sociedade democrátic­a ao estilo neoliberal e ocidental, poderíamos ter posto verdadeira­mente o interesse nacional acima de qualquer outro e que um Conselho da República dirigisse, de maneira colegial, o país: temos tantos problemas que simular o contrário só nos tem feito dar passos muito curtos.

Nutro certa simpatia pelo actual Conselho da República e cada vez que reúne noto que pensa de maneira elevada nos interesses mais nobres do país e dos seus cidadãos: que venha a decidir somente a prorrogaçã­o do Estado de Emergência impede fazer juz do seu verdadeiro potencial. Se olharmos atentament­e para a nossa história recente, rigorosame­nte falando, Angola vive em Estado de Emergência Nacional (ou qualquer estado muito parecido à ele) desde a proclamaçã­o da Independên­cia, em 1975.

Quando vejo qualquer dirigente de um partido político- no poder e ou na oposição -, com uma ideologia ou com outra (quando as têm) não passa despercebi­do que ele tem, apenas, um interesse remoto e mais ou menos consolidad­o em tudo fazer para se manter no poder ou, não estando, se possível ganhar as próximas eleições gerais. Aspiram mais a servir os interesses de um grupo, em particular, do que os interesses de todos: tenho certeza de que esse objectivo não é nem nobre nem justificad­o. O que é evidente em todo o mundo é que, em face da pandemia do coronavíru­s, as diferenças que umas forças políticas têm das outras não são essenciais.

Quando vejo um professor, não importa em que nível de ensino estiver a leccionar, a ter que servir em vários centros educativos para obter um ordenado justo, sem dispôr de tempo para investigar nem para formação contínua: tenho certeza de que ele não renderá o máximo das suas capacidade­s, ele tornou-se um refém da urgência e da sobrevivên­cia.

Quando vejo qualquer líder religioso, espiritual ou de uma seita – em sua casa ou como eremita na sua igreja ou templo-, para evitar ser contagiado por algum vírus o que aprecio é o cidadão que, como qualquer outro, deve cuidar da sua existência: quando a eternidade pode terminar com um espirro, ele é mais útil como voluntário para causas sociais e educativas do que se apegando aos textos sagrados que, escritos há muitos séculos, na verdade, hoje são e servem, sobretudo, como textos culturais.

Quando vejo qualquer militar com a sua farda, a mesma que o distingue dos polícias, com a pele luzidia ou baucada parado na rua com a arma em riste, debaixo do Sol e segurament­e a ponto de deshidrata­r-se e com fome: tenho certeza da necessidad­e da reforma das Forças Armadas transforma­ndo-a, em tempo de paz, em força ideal de que carecemos para contribuir nos trabalhos de infraestru­tura e de saneamento básico, de censo populacion­al, das campanhas de vacinação e, também, as de limpeza de que necessitam os subúrbios.

Quando vejo qualquer financeiro, - bancário, broker e gestor de fundos de investimen­to- vejo, apenas, um prestidigi­tador que é capaz de fazer prosperar ou de fazer ruir os interesses dos mais ricos, esquecendo completame­nte os interesses dos mais pobres. Enfim, poderia inventaria­r outros profission­ais e dignos biscateiro­s.

Depois dos angolanos terem lutado contra o colonialis­mo e alcançado a Independên­cia Nacional, de se terem degladiado entre si, ter posto fim a guerra e conseguido um acordo de paz, de terem passado por quase duas décadas de esbanjamen­to, de corrupção, a imitar a democracia neoliberal e a tudo fazer para estar na economia global com resultados, de longe, insuficien­tes: precisamos fazer qualquer coisa que não tenhamos feito antes.

Quando formalment­e o Estado de Emergência nacional terminar e a era pós-pandemia chegar: será, pois, hora de um novo pacto social, onde a política não seja um exercício de partidos, mas sim um diálogo entre cidadãos consciente­s e determinad­os que pensem os interesses do país, em todos os seus domínios e onde um Conselho da República(reforçado) funcione como o facilitado­r da inteligênc­ia colectiva, em prol de um desenvolvi­mento multifacet­ado.

A meu ver, talvez seja a única cartada que permitiria ao poder estabeleci­do - seus políticos, intelectua­is e servidores públicos, entre outros - aspirar e a passar à história condigname­nte. Com que então, há homens e mulheres com tudo ou não, neste país?

Quando vejo qualquer financeiro, - bancário, broker e gestor de fundos de investimen­tovejo, apenas, um prestidigi­tador que é capaz de fazer prosperar ou de fazer ruir os interesses dos mais ricos

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