O Conselho da República e a inteligência colectiva
Desde há uns bons anos que, por outras razões não menos graves, o Estado de Emergência Nacional deveria ter sido decretado e que em vez de nos esforçarmos tanto em instalar uma sociedade democrática ao estilo neoliberal e ocidental, poderíamos ter posto verdadeiramente o interesse nacional acima de qualquer outro e que um Conselho da República dirigisse, de maneira colegial, o país: temos tantos problemas que simular o contrário só nos tem feito dar passos muito curtos.
Nutro certa simpatia pelo actual Conselho da República e cada vez que reúne noto que pensa de maneira elevada nos interesses mais nobres do país e dos seus cidadãos: que venha a decidir somente a prorrogação do Estado de Emergência impede fazer juz do seu verdadeiro potencial. Se olharmos atentamente para a nossa história recente, rigorosamente falando, Angola vive em Estado de Emergência Nacional (ou qualquer estado muito parecido à ele) desde a proclamação da Independência, em 1975.
Quando vejo qualquer dirigente de um partido político- no poder e ou na oposição -, com uma ideologia ou com outra (quando as têm) não passa despercebido que ele tem, apenas, um interesse remoto e mais ou menos consolidado em tudo fazer para se manter no poder ou, não estando, se possível ganhar as próximas eleições gerais. Aspiram mais a servir os interesses de um grupo, em particular, do que os interesses de todos: tenho certeza de que esse objectivo não é nem nobre nem justificado. O que é evidente em todo o mundo é que, em face da pandemia do coronavírus, as diferenças que umas forças políticas têm das outras não são essenciais.
Quando vejo um professor, não importa em que nível de ensino estiver a leccionar, a ter que servir em vários centros educativos para obter um ordenado justo, sem dispôr de tempo para investigar nem para formação contínua: tenho certeza de que ele não renderá o máximo das suas capacidades, ele tornou-se um refém da urgência e da sobrevivência.
Quando vejo qualquer líder religioso, espiritual ou de uma seita – em sua casa ou como eremita na sua igreja ou templo-, para evitar ser contagiado por algum vírus o que aprecio é o cidadão que, como qualquer outro, deve cuidar da sua existência: quando a eternidade pode terminar com um espirro, ele é mais útil como voluntário para causas sociais e educativas do que se apegando aos textos sagrados que, escritos há muitos séculos, na verdade, hoje são e servem, sobretudo, como textos culturais.
Quando vejo qualquer militar com a sua farda, a mesma que o distingue dos polícias, com a pele luzidia ou baucada parado na rua com a arma em riste, debaixo do Sol e seguramente a ponto de deshidratar-se e com fome: tenho certeza da necessidade da reforma das Forças Armadas transformando-a, em tempo de paz, em força ideal de que carecemos para contribuir nos trabalhos de infraestrutura e de saneamento básico, de censo populacional, das campanhas de vacinação e, também, as de limpeza de que necessitam os subúrbios.
Quando vejo qualquer financeiro, - bancário, broker e gestor de fundos de investimento- vejo, apenas, um prestidigitador que é capaz de fazer prosperar ou de fazer ruir os interesses dos mais ricos, esquecendo completamente os interesses dos mais pobres. Enfim, poderia inventariar outros profissionais e dignos biscateiros.
Depois dos angolanos terem lutado contra o colonialismo e alcançado a Independência Nacional, de se terem degladiado entre si, ter posto fim a guerra e conseguido um acordo de paz, de terem passado por quase duas décadas de esbanjamento, de corrupção, a imitar a democracia neoliberal e a tudo fazer para estar na economia global com resultados, de longe, insuficientes: precisamos fazer qualquer coisa que não tenhamos feito antes.
Quando formalmente o Estado de Emergência nacional terminar e a era pós-pandemia chegar: será, pois, hora de um novo pacto social, onde a política não seja um exercício de partidos, mas sim um diálogo entre cidadãos conscientes e determinados que pensem os interesses do país, em todos os seus domínios e onde um Conselho da República(reforçado) funcione como o facilitador da inteligência colectiva, em prol de um desenvolvimento multifacetado.
A meu ver, talvez seja a única cartada que permitiria ao poder estabelecido - seus políticos, intelectuais e servidores públicos, entre outros - aspirar e a passar à história condignamente. Com que então, há homens e mulheres com tudo ou não, neste país?
Quando vejo qualquer financeiro, - bancário, broker e gestor de fundos de investimentovejo, apenas, um prestidigitador que é capaz de fazer prosperar ou de fazer ruir os interesses dos mais ricos