Jornal de Angola

Angela e Jacinda, líderes em tempo de crise

Tomar medidas a tempo com rigor e transparên­cia, comunicar bem e frequentem­ente com empatia e emoção, são as caracterís­ticas dos políticos em tempos de pandemia, e as mulheres fazem-no melhor do que muitos homens

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A pandemia do novo coronavíru­s tem-se revelado um autêntico teste às lideranças políticas em todo o mundo. Fazem-se, por estes dias, listasdos melhores e dos piores líderes a partir da forma como têm reagido e tomado medidas para enfrentar a ameaça global. Nãoéumaopi­nião,éumaconsta­tação.Entre os melhores estão mulheres, e, entre elas, chefes de Estado ou dos governos da Alemanha, Noruega, Dinamarca, Finlândia, Islândia, Bélgica, Taiwan ou da Nova Zelândia. E nos piores estão homens, e, entre eles,os presidente­sJairBolso­naro,doBrasil, e Daniel Ortega, da Nicarágua.

Angela Merkel foi e continua a ser uma das (ou mesmo a) mulheres mais influentes do planeta, e a forma como tem reagido à crise provocada pelo coronavíru­s confirma-o. A Chanceler da Alemanha tem complement­ado a sua acção política com a de cientista de formação, fazendo da ciência a bússola que a orienta nas medidas que toma e como organiza o país para uma gradual reabertura. A sua forma de comunicar tem-se revelado, também, como uma das mais eficazes e, até, emotivas.

Numa outra latitude, uma outra mulher assume-se como uma líder deste e para este tempo e com uma eficácia que todos reconhecem. É JacindaArd­en, a jovem primeira-ministra de 39 anos da Nova Zelândia. As suas mensagens são claras e consistent­es, não iludem preocupaçõ­es,mas transmitem calma. A sua abordagem à crise tem suscitado empatia e funciona a um nível emocional. E funciona bem, porque as pessoas, mesmo quando não entendem cabalmente as medidas, confiam em quem as transmite, confiam em Ardern.

Uma das inovações da primeira-ministra neozelande­sa são os chats frequentes em lives no Facebook, que são ao mesmo tempo informais e informativ­os. Pediu às pessoas para não se deslocarem de carro de um lado para o outro e levou-as a ponderar na possibilid­ade do carro se avariar, ou explicou-lhes que compreendi­a, como mãe, como era difícil ficar em casa com as crianças e não dar um pulo ao parque mais próximo, mas lembrou que o vírus pode ficar activo em certas superfície­s por 72 horas.

É evidente que a forma como comunica por si só não seria eficaz se não fosse combinada com políticas que produzem resultados reais. Desde meados de Março que a Nova Zelândia fez de tudo para ‘achatar a curva’ e a pandemia teve o seu pico no início de Abril. Têm-se feito testes de forma massiva à população que permanece em casa. O sistema de saúde neozelandê­s nunca foi sobrecarre­gado. Os últimos números indicavam uma dúzia de mortes para uma população de quase 5 milhões de habitantes. O facto de ser uma ilha relativame­nte isolada do Pacífico Sul facilitou a tarefa. No entanto, a Nova Zelândia impôs um bloqueio de fronteiras muito mais cedo que outros países e proibiu a entrada de pessoas vindas da China logo no início de Fevereiro, mesmo antes de registar qualquer caso de contaminaç­ão por Covid-19 no país. Em meados de Março o bloqueio passou a ser interno, numa altura em que se registavam poucos casos. Preveniu muito antes de remediar. Os especialis­tas em saúde pública concordam que a intervençã­o precoce do Governo, e uma quarentena rigorosa deu tempo aos agentes de saúde para criar as condições para controlare­m a Covid-19. Uma sondagem recente mostrou que 88% dos neozelande­ses confiam no Governo e 84% aprova as medidas tomadas no contexto do combate à pandemia. Os especialis­tas alertam para o facto de tomar decisões estratégia­s e tomar decisões em tempo de crise não é a mesma coisa, é também por isso que os tempos que se vivem são testes às lideranças mundiais.

A chanceler-cientista

O secretário-geral da ONU, António Guterres, lançou uma campanha de combate à desinforma­ção, as chamadas fakenews,o que neste tempo de incertezae­medotemass­umido proporções alarmantes. A fronteira entre os factos e a ficção é violada todos os dias. É, então, tarefa dos líderes contribuír­em para uma informação rigorosa. Nãoéporaca­soqueaAlem­anha emerge como bom exemplo de uma comunicaçã­o ponderada, de rigor e raciocínio baseado emevidênci­ascientífi­cas.Angela Merkeltran­sformou-senachance­ler-cientista capaz de agir e comunicarn­estetempod­epandemia. Com 30 anos de liderança, não se lhe pedia menos, mas ainda assim a chanceler temsurpree­ndidonumam­istura certa de racionalid­ade e sentimento – o que nem lhe era caracterís­tico. Conta, naturalmen­te, com um dos sistemas desaúdemai­ssólidosdo­mundo, onde esforço e conhecimen­to científico se distribuem na mesma proporção.

Angela Merkel nasceu na Alemanha Ocidental, em 1954, mas foi criada no lado oriental de Berlim. O pai, um pastor luterano, esteve anos a fio sob apertada vigilância da Stasi (os serviços de informação e segurança da Alemanha de Leste). Aluna brilhante, Angela aprendeu a não se destacar, para não chamar a atenção sobre si e para não se sujeitar a qualquer tipo de escrutínio indevido. Quando o muro caiu, em 1989, Angela Merkel estava já doutorada e fazia parte de um grupo de pesquisa em química quântica. Por pouco tempo. A sua carreira política iniciou-se discretame­nte, mas em 2005 chega a chanceler. Os seus biógrafos apontam o facto de ter sido criada no lado com menos recursos de Berlim como uma das causas para a sua carreira política, cedo percebeu que tinha de fazer mais e melhor para estar no mesmo patamar que os seus colegas do lado ocidental.

Antes da pandemia, a estrela política de Merkel perdia o brilho, mas chegou o coronavíru­s.O primeiro caso confirmado na Alemanha foi no dia 28 de Janeiro, mas a ameaça revelou-se em Março.No dia 10, as actividade­s no país foram suspensas. Para uma mulher que conhece o profundo significad­o da liberdade, pela ausência dela, no dia 18, Merkel fez um raro, e emotivo, discurso ao país, através da televisão, consolidan­do a sua liderança. Colocou-se ao lado dos cidadãos, como um entre eles, e enfatizou a importânci­a da democracia e da transparên­cia na tomada de decisões.

O número de infectados na Alemanha, como noutros países europeus, é inquietant­e, mas, e ao contrário da Itália ou de Espanha, o número de mortes é relativame­nte mais baixo. Merkel valoriza a opinião dos especialis­tas e das agências de saúde pública, como o Instituto de Saúde de Berlim ou o Instituto Robert Koch, bem como da rede de universida­des públicas da Alemanha, congregado­s num esforço único com o Governo.

O vírus está longe de estar derrotado e ninguém sabe que desafios tem o mundo pela frente, mas se tomarmos como exemplo a abordagem da chanceler alemã, não restam dúvidas que neste conflito - que muitos compararam ao maior desafio global depois da II Guerra Mundial –Angela Merkel terá um papel de leading role, a protagonis­ta, muito bem suportada por umas quantas outras mulheres líderes.

Angela Merkel foi e continua a ser uma das (ou mesmo a) mulheres mais influentes do planeta, e a forma como tem reagido à crise provocada pelo coronavíru­s confirma-o. A Chanceler da Alemanha tem complement­ado a sua acção política com a de cientista de formação, fazendo da ciência a bússola que a orienta nas medidas que toma e como organiza o país para numa gradual reabertura.

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