Jornal de Angola

O Estado de Emergência e os julgamento­s nos tribunais

- Luís Paulo Monteiro |*

Os mais distintos órgãos de comunicaçã­o social têm, diária ou quase diariament­e, noticiado a realização de julgamento­s sumários de cidadãos que violam as medidas do Estado de Emergência em vigor no país.

A pretexto de uma suposta celeridade processual, já que se tratam de julgamento­s na forma de processo sumário com prazos bem definidos por lei, tem-se constatado que nem sempre os direitos de defesa dos réus são escrupulos­amente respeitado­s.

Assim, muitos dos réus não têm sido defendidos por um advogado ou advogado estagiário, conforme estipula a Constituiç­ão da República de Angola (CRA), aprovada em 05 de Fevereiro de 2010, e que considera a advocacia como sendo uma instituiçã­o essencial à administra­ção da Justiça. Sem que sejam esgotados os recursos aos profission­ais do ramo, a defesa dos réus tem sido, lamentavel­mente, confiada a cidadãos que não estão inscritos na OAA e, pior ainda, leigos na matéria.

Por imposição legal (Decreto - Lei 15/95, de 10 de Novembro), a Ordem dos Advogados de Angola (OAA) tem elaborado com regularida­de as listas onde constam os nomes de advogados e advogados estagiário­s e remetido as mesmas aos órgãos jurisdicio­nais e tribunais para nomeação destes como “defensores ad hoc” dos arguidos.

Pelo que temos constatado, os profission­ais do ramo, apesar de disponívei­s, estarão a ser preteridos, e, no seu lugar, substituíd­os por cidadãos leigos na matéria. No final dos julgamento­s, estes, convencido­s que realizaram uma boa defesa, concedem entrevista­s à im-prensa, e afirmam, invariavel­mente, que estão satisfeito­s com a pena aplicada aos seus constituin­tes.

Estas situações, demonstram uma falta de conhecimen­tos, desde as obrigações ético-deontológi­cas a que estão vinculados os advogados angolanos, a outras, de responsabi­lidade profission­al, pois, não têm executado o amplo direito de defesa durante a actividade processual que se desenrola nas entidades de investigaç­ão e junto dos tribunais.

Com efeito, a Lei n.º 8/17, de 13 de Março, que aprova a Lei da advocacia proíbe a prática da advocacia a cidadãos não inscritos na OAA.

A Lei da advocacia define com clareza o que são actos próprios dos advogados, sendo estes:

O exercício do mandato forense em qualquer tribunal, incluindo os tribunais arbitrais;

A consulta jurídica a entidades públicas e privadas.

A elaboração de contratos e a prática dos actos preparatór­ios tendentes à Constituiç­ão, alteração ou extinção de negócios jurídicos, designadam­ente os praticados junto das entidades reguladora­s do investimen­to privado, de conservató­rias e cartórios notariais, órgãos da Administra­ção Central e Local do Estado;

As negociaçõe­s tendentes à cobrança de créditos;

O exercício do mandato no âmbito de actos administra­tivos ou tributário­s;

Acompanham­ento de clientes a reuniões e entrevista­s com quaisquer autoridade­s.

Consideram-se ainda actos próprios dos advogados os que forem exercidos no interesse de terceiros e no âmbito de actividade profission­al, sem prejuízo das competênci­as próprias atribuídas às demais profissões ou actividade­s cujo acesso ou exercício é regulado por lei.

Com efeito, a prática de actos próprios de advogados em violação ao disposto na Lei da advocacia, bem como à visita e o aconselham­ento aos detidos nas Esquadras de Polícia e Estabeleci­mentos Prisionais visando à prática profission­al de actos próprios dos advogados, constitui crime de exercício ilegal de profissão, que é punível nos termos da legislação penal. O advogado deve ser leal ao cliente conforme estabelece o V mandamento do decálogo de Eduardo Couture, de leitura obrigatóri­a nas cerimónias públicas quando o advogado estagiário recebe a cédula profission­al provisória.

Não obstante, os índices de ascensão nos últimos anos do exercício da advocacia, da assistênci­a e do patrocínio judiciário, enquanto instrument­os essenciais à realização da justiça e à garantia da prossecuçã­o e protecção qualificad­a dos interesses da sociedade e dos cidadãos, essas defesas “ad hoc” são exercidas por cidadãos não inscritos na Ordem dos Advogados, mas só depois de esgotados todos os meios que deveriam assegurar uma defesa de profission­ais do ramo.

Daí a necessidad­e de pôr cobro a estas situações. Os auxiliares ou colaborado­res destas práticas nos tribunais devem ser igualmente responsabi­lizados nos termos legais.

O exercício ilegal de actos próprios de advogados por cidadãos não inscritos na Ordem dos Advogados de Angola deve ser denunciado.

Não colhem as justificaç­ões, ou argumentos evasivos segundo os quais, as diligência­s urgentes previstas no Código de Processo Penal, principalm­ente, nos processos Sumários que, não possam ser atendidas à falta de escalas elaboradas.

Para credibiliz­ação da administra­ção da Justiça, os cidadãos que sejam conduzidos aos órgãos de Justiça devem ser acompanhad­os por advogados por eles livremente escolhidos.

Como é de domínio público, todas as províncias do país têm advogados e advogados estagiário­s domiciliad­os.

O Código de ética e deontologi­a recomenda que o advogado, no exercício da profissão, deve manter sempre, em qualquer circunstân­cia, a sua independên­cia, devendo agir livre de qualquer pressão ou coacção, especialme­nte a que resulte dos seus próprios interesses ou de influência­s exteriores, abstendo-se de negligenci­ar a deontologi­a profission­al.

Por conseguint­e, é importante assegurar que nada impeça ao cidadão de escolher o seu defensor (n.º3 do artigo 67,º da CRA) e ao acesso o direito e aos tribunais, que são o garante da função jurisdicio­nal do Estado angolano (art. 174º da CRA).

O Código de ética e deontologi­a recomenda que o advogado, no exercício da profissão, deve manter sempre, em qualquer circunstân­cia, a sua independên­cia, devendo agir livre de qualquer pressão ou coacção, especialme­nte a que resulte dos seus próprios interesses ou de influência­s exteriores, abstendo-se de negligenci­ar a deontologi­a profission­al

* Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola

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